Sobre a conversão do pecador
05.agosto.2024
Sobre a conversão do pecador [1]
A primeira coisa que Deus inspira na alma que Ele digna tocar verdadeiramente é um conhecimento e uma percepção extraordinária, pelos quais a alma passa a considerar as coisas e a si mesma de uma maneira totalmente nova.
Essa nova luz lhe traz medo e um desconforto que penetra no repouso que ela encontrava nas coisas que a encantavam. Ela não consegue mais desfrutar com tranquilidade das coisas que a fascinavam. Um escrúpulo constante a impede de encontrar esse prazer, e essa visão interior faz com que ela não encontre mais a doçura habitual nas coisas às quais se entregava com todo o coração.
Mas ela encontra ainda mais amargura nos exercícios de piedade do que nas vaidades do mundo. Por um lado, a vaidade dos objetos visíveis a interessa mais do que a esperança dos invisíveis, e por outro, a solidez dos invisíveis a interessa mais do que a vaidade dos visíveis. Assim, a presença de uns e a solidez dos outros disputam seu afeto, e a vaidade de uns e a ausência dos outros despertam sua aversão; de modo que surge nela uma desordem e confusão.
Ela considera as coisas perecíveis como perecíveis e já até mesmo perecidas; e na certa perspectiva da aniquilação de tudo o que ama, ela se apavora ao perceber que a cada momento é arrancada de seu prazer, e que o que lhe é mais caro escapa a cada instante, e que finalmente um dia certo chegará em que ela se verá despojada de todas as coisas nas quais depositou sua esperança. Assim, ela compreende perfeitamente que, estando seu coração apegado apenas a coisas vãs e frágeis, sua alma ficará sozinha e abandonada ao deixar esta vida, pois não se preocupou em se unir a um bem verdadeiro e autossustentável que pudesse sustentá-la tanto durante quanto após esta vida.
Dessa forma, ela começa a considerar como nada tudo o que deve retornar ao nada: os céus, a terra, seu espírito, seu corpo, seus parentes, seus amigos, seus inimigos, riqueza, pobreza, desgraça, prosperidade, honra, ignomínia, estima, desprezo, autoridade, indigência, saúde, doença, a própria vida. Em suma, tudo o que é menos durável do que sua alma é incapaz de satisfazer o desejo dessa alma, que busca ardentemente se estabelecer em uma felicidade tão durável quanto ela mesma.
Ela começa a se surpreender com a cegueira na qual viveu, e ao considerar, por um lado, o longo tempo que viveu sem fazer essas reflexões, e o grande número de pessoas que vivem da mesma maneira, e, por outro, como é certo que a alma, sendo imortal como é, não pode encontrar sua felicidade entre coisas perecíveis que lhe serão tiradas, de qualquer maneira, pela morte, ela entra em uma santa confusão e um espanto que lhe trazem um desconforto muito salutar.
Pois ela considera que, por maior que seja o número daqueles que envelhecem nas máximas do mundo, e por maior que seja a autoridade dessa multidão de exemplos de pessoas que colocam sua felicidade neste mundo, é certo que, mesmo que as coisas do mundo tivessem algum prazer sólido, o que é reconhecido como falso por um número infinito de exemplos temerosos e contínuos, é inevitável que perderemos essas coisas, ou que a morte finalmente nos privará delas; de modo que, tendo a alma acumulado tesouros de bens temporais, de qualquer natureza que sejam, seja ouro, ciência ou reputação, é uma necessidade indispensável que ela se veja despojada de todos esses objetos de sua felicidade; e assim, se eles a satisfizeram, não a satisfarão para sempre; e, se é para se proporcionar uma felicidade real, não é para prometer uma felicidade muito durável, pois deve ser limitada ao curso desta vida.
Assim, por uma santa humildade que Deus exalta acima do orgulho, ela começa a se exaltar acima da maioria das pessoas: condena sua conduta, detesta suas máximas, lamenta sua cegueira; dedica-se à busca do verdadeiro bem; compreende que ele deve ter as seguintes qualidades: uma, que dure tanto quanto ela mesma e que não possa ser tirado dela, exceto por seu consentimento, e a outra, que não haja nada mais amável.
Ela percebe que, no amor que teve pelo mundo, encontrava essa segunda qualidade em sua cegueira; pois não via nada mais amável. Mas, como não vê a primeira qualidade nele, sabe que não é o bem soberano. Ela o busca, então, em outro lugar, e sabendo, por uma luz pura, que não está nas coisas dentro dela, ou fora dela, ou à sua frente (portanto, em nada dentro ou ao redor dela), começa a buscá-lo acima dela.
Essa elevação é tão eminente e transcendente que ela não para nos céus – eles não a satisfazem –, nem acima dos céus, nem nos anjos, nem nos seres mais perfeitos. Ela passa por todas as coisas criadas e não consegue descansar seu coração até se entregar ao trono de Deus, onde começa a encontrar seu repouso e aquele bem que é tal que não há nada mais amável, e que não pode ser tirado dela exceto por seu próprio consentimento.
Pois, embora não sinta os encantos com os quais Deus recompensa a persistência na piedade, compreende, no entanto, que as coisas criadas não podem ser mais amáveis do que seu Criador; e sua razão, auxiliada pela luz da graça, faz com que entenda que não há nada mais amável do que Deus, e que Ele só pode ser tirado daqueles que O rejeitam, já que possuí-Lo é apenas desejá-Lo, e recusá-Lo é perdê-Lo.
Assim, ela se alegra por ter encontrado um bem que não pode ser arrancado dela enquanto ela o desejar, e que não tem nada acima dele. E nessas novas reflexões, ela entra na visão da grandeza de seu Criador, e em humilhações e adorações profundas. Ela se reduz, consequentemente, a nada, sendo incapaz de formar uma ideia suficientemente baixa de si mesma ou de conceber uma ideia suficientemente exaltada desse bem soberano, fazendo novos esforços para se abater aos mais baixos abismos do nada, ao considerar Deus nas imensidões que ela multiplica sem cessar. Em suma, nessa concepção, que exaure suas forças, ela O adora em silêncio, considera-se sua criatura vil e inútil, e por sua homenagem reiterada, adora e bendiz a Ele, e deseja bendizê-Lo e adorá-Lo para sempre. Então, ela reconhece a graça que Ele lhe concedeu ao manifestar sua majestade infinita a um verme tão vil; e após uma firme resolução de ser eternamente grata por isso, ela se confunde por ter preferido tantas vaidades a esse mestre divino; e, em um espírito de contrição e penitência, recorre à sua misericórdia para conter sua ira, cujo efeito lhe parece terrível. À vista dessas imensidões,
Ela faz orações ardentes a Deus para obter de sua misericórdia que, como Ele se agradou em se revelar a ela, Ele também se agrade em conduzi-la a Ele, e mostrar-lhe os meios de chegar até Ele. Pois, como é a Deus que ela aspira, ela também aspira apenas alcançá-Lo por meios que vêm do próprio Deus, porque deseja que Ele próprio seja seu caminho, seu objetivo e seu fim último. Após essas orações, ela começa a agir e busca entre essas
Ela começa a conhecer Deus e a desejar alcançá-Lo; mas, como ignora os meios de atingir isso, se seu desejo é sincero e verdadeiro, ela faz o mesmo que uma pessoa que, desejando chegar a algum lugar, tendo se perdido, e sabendo de seu desvio, recorreria àqueles que conhecem perfeitamente esse caminho, e
Ela resolve conformar-se à vontade Dele durante o resto de sua vida; mas, como sua fraqueza natural, juntamente com o hábito dos pecados nos quais viveu, a reduziram à impotência de alcançar essa felicidade, ela implora de sua misericórdia os meios de alcançá-Lo, de se apegar a Ele, de aderir a Ele eternamente. Assim, ela percebe que deve adorar a Deus como criatura, render graças a Ele como devedora, satisfazê-Lo como criminosa e orar a Ele como pobre e necessitada.
~
Blaise Pascal,
[1] Alguns estudiosos atribuem este fragmento a Mlle. Pascal.