18.março.25
Santidade
O texto que encabeça esta página abre um assunto de profunda importância. Esse assunto é a santidade prática. Ele sugere uma pergunta que exige a atenção de todos os que professam ser cristãos — Somos santos? Veremos o Senhor?
Essa pergunta jamais pode ser fora de tempo. O sábio nos diz: "Há tempo de chorar e tempo de rir; tempo de estar calado e tempo de falar" (Eclesiastes 3. 4, 7); mas não há tempo, nem sequer um dia, em que um homem não deva ser santo. Somos?
Essa pergunta diz respeito a todas as classes e condições de homens. Alguns são ricos e outros são pobres — alguns instruídos e outros ignorantes — alguns mestres e outros servos; mas não há posição ou condição na vida em que um homem não deva ser santo. Somos?
Peço que me ouçam hoje sobre essa questão. Como está a conta entre nossas almas e Deus? Neste mundo apressado e agitado, fiquemos parados por alguns minutos e consideremos o assunto da santidade. Creio que poderia ter escolhido um tema mais popular e agradável. Tenho certeza de que poderia ter encontrado um mais fácil de tratar. Mas sinto profundamente que não poderia ter escolhido um mais oportuno e mais proveitoso para nossas almas. É algo solene ouvir a Palavra de Deus dizendo: "Sem a santidade, ninguém verá o Senhor." (Hebreus 12. 14).
Procurarei, com a ajuda de Deus, examinar o que é a verdadeira santidade e a razão pela qual ela é tão necessária. Em conclusão, tentarei apontar o único caminho pelo qual a santidade pode ser alcançada. Já abordei esse tema de forma doutrinária no segundo texto deste volume. Deixem-me agora tentar apresentá-lo aos leitores de maneira mais clara e prática.
Primeiro, então, deixem-me tentar mostrar o que é a verdadeira santidade prática — que tipo de pessoas são aquelas a quem Deus chama de santas.
Um homem pode ir muito longe e ainda assim nunca alcançar a verdadeira santidade. Não é conhecimento — Balaão tinha isso; nem grande profissão de fé — Judas Iscariotes tinha isso; nem fazer muitas coisas — Herodes fazia isso; nem zelo por certos assuntos religiosos — Jeú tinha isso; nem moralidade e respeitabilidade exterior de conduta — o jovem rico tinha isso; nem prazer em ouvir pregadores — os judeus no tempo de Ezequiel tinham isso; nem manter companhia com pessoas piedosas — Joabe, Geazi e Demas tinham isso. Contudo, nenhum desses era santo! Essas coisas, por si só, não são santidade. Um homem pode possuir qualquer uma delas e ainda assim nunca ver o Senhor.
O que, então, é a verdadeira santidade prática? É uma pergunta difícil de responder. Não digo que falte matéria bíblica sobre o assunto. Mas temo dar uma visão incompleta da santidade, deixando de dizer tudo o que deveria ser dito; ou dizer algo que não deveria ser dito e assim causar dano. No entanto, deixem-me tentar traçar um retrato da santidade, para que possamos vê-la claramente diante dos olhos de nossas mentes. Apenas que nunca se esqueça que, depois de tudo que eu disser, meu relato será, na melhor das hipóteses, apenas um pobre e imperfeito esboço.
(a) Santidade é o hábito de ter uma só mente com Deus, conforme encontramos Sua mente descrita nas Escrituras. É o hábito de concordar com o julgamento de Deus — odiar o que Ele odeia — amar o que Ele ama — e medir todas as coisas neste mundo pelo padrão de Sua Palavra. Aquele que mais completamente concorda com Deus é o homem mais santo.
(b) Um homem santo se esforçará para evitar todo pecado conhecido e guardar todo mandamento conhecido. Terá uma inclinação decidida da mente para Deus, um desejo sincero de fazer Sua vontade — mais temor de desagradar a Deus do que ao mundo, e amor a todos os Seus caminhos. Sentirá o que Paulo sentiu quando disse: "Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (Romanos 7. 22), e o que Davi sentiu ao dizer: "Por isso estimo todos os Teus preceitos acerca de tudo como retos e aborreço toda falsa vereda." (Salmo 119. 128).
(c) Um homem santo se esforçará para ser como nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não apenas viverá pela fé n'Ele e buscará d'Ele toda a sua paz e força diária, mas também trabalhará para ter a mente que houve em Cristo e para ser "conformado à Sua imagem" (Romanos 8. 29). Seu objetivo será suportar e perdoar os outros, assim como Cristo nos perdoou — ser altruísta, assim como Cristo não agradou a Si mesmo — andar em amor, assim como Cristo nos amou — ser humilde e modesto, assim como Cristo "a Si mesmo Se esvaziou" e Se humilhou. Ele se lembrará de que Cristo foi testemunha fiel da verdade — que não veio fazer Sua própria vontade — que era Seu alimento e bebida fazer a vontade do Pai — que negava a Si mesmo continuamente para servir aos outros — que era manso e paciente diante de insultos imerecidos — que valorizava mais os homens piedosos e pobres do que os reis — que era cheio de amor e compaixão pelos pecadores — que foi ousado e intransigente em denunciar o pecado — que não buscava a glória dos homens, mesmo quando poderia tê-la tido — que andava fazendo o bem — que era separado das pessoas mundanas — que perseverava na oração — que não permitia que nem mesmo Seus parentes mais próximos O impedissem quando a obra de Deus precisava ser feita. Um homem santo se esforçará para se lembrar dessas coisas. Por elas procurará orientar seu caminho na vida. Guardará no coração a afirmação de João: "Aquele que diz que permanece n'Ele, também deve andar como Ele andou" (1 João 2. 6); e a de Pedro: "Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as Suas pisadas." (1 Pedro 2. 21). Feliz é aquele que aprendeu a fazer de Cristo o seu "tudo", tanto para salvação quanto para exemplo! Muito tempo seria economizado e muito pecado seria evitado se os homens se perguntassem mais frequentemente: "O que Cristo teria dito e feito, se estivesse em meu lugar?".
(d) Um homem santo seguirá a mansidão, a longanimidade, a gentileza, a paciência, os temperamentos amáveis e o domínio da sua língua. Ele suportará muito, tolerará muito, relevará muito e será lento em falar sobre insistir nos seus direitos. Vemos um exemplo brilhante disso no comportamento de Davi quando Simei o amaldiçoou — e de Moisés quando Arão e Miriã falaram contra ele (2 Samuel 16. 10; Números 12. 3).
(e) Um homem santo seguirá a temperança e a abnegação. Ele se esforçará para mortificar os desejos do seu corpo — para crucificar a sua carne com suas afeições e concupiscências — para refrear suas paixões — para conter suas inclinações carnais, para que em nenhum momento elas se soltem. Oh, que palavra é aquela do Senhor Jesus aos Apóstolos: "Olhai por vós mesmos, para que não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez e dos cuidados da vida" (Lucas 21. 34); e aquela do apóstolo Paulo: "Antes subjugo o meu corpo e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado" (1 Coríntios 9. 27).
(f) Um homem santo seguirá a caridade e a bondade fraternal. Ele se esforçará para observar a regra de ouro de fazer aos outros o que gostaria que lhe fizessem e de falar aos outros como gostaria que lhe falassem. Ele será cheio de afeição para com seus irmãos — para com seus corpos, suas propriedades, seus caracteres, seus sentimentos, suas almas. "Quem ama o próximo cumpre a lei" (Romanos 13. 8), diz Paulo. Ele abominará toda mentira, calúnia, difamação, fraude, desonestidade e comércio injusto, mesmo nas menores coisas. O siclo e o côvado do santuário eram maiores do que os de uso comum. Ele se esforçará para adornar sua religião com todo o seu comportamento exterior e para torná-la amável e bela aos olhos de todos ao seu redor. Ai, que palavras condenatórias são o capítulo 13 de 1 Coríntios e o Sermão do Monte, quando comparados à conduta de muitos cristãos professos!
(g) Um homem santo seguirá um espírito de misericórdia e benevolência para com os outros. Ele não ficará o dia todo ocioso. Ele não se contentará em não fazer o mal — ele tentará fazer o bem. Ele se esforçará para ser útil em seu tempo e geração e para diminuir as necessidades espirituais e a miséria ao seu redor, tanto quanto puder. Tal foi Dorcas, "cheia de boas obras e esmolas que fazia" — não apenas as intentava ou falava sobre elas, mas as fazia. Tal foi Paulo: "Eu de muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas" (Atos 9. 36; 2 Coríntios 12. 15).
(h) Um homem santo seguirá a pureza de coração. Ele temerá toda imundícia e impureza de espírito e procurará evitar todas as coisas que possam atraí-lo para isso. Ele sabe que seu próprio coração é como isca para o fogo e diligentemente evitará as faíscas da tentação. Quem ousará falar de força, se Davi pôde cair? Há muitas lições a serem aprendidas da lei cerimonial. Nela, o homem que apenas tocasse um osso, um corpo morto, uma sepultura ou uma pessoa doente tornava-se imediatamente impuro aos olhos de Deus. E essas coisas eram emblemas e figuras. Poucos cristãos são excessivamente vigilantes e cuidadosos quanto a este ponto.
(i) Um homem santo seguirá o temor de Deus. Não quero dizer o temor de um escravo, que só trabalha porque tem medo do castigo e seria ocioso se não temesse ser descoberto. Refiro-me antes ao temor de um filho, que deseja viver e agir como se estivesse sempre diante do rosto de seu pai, porque o ama. Que nobre exemplo nos dá Neemias! Quando se tornou governador em Jerusalém, ele poderia ter cobrado dos judeus o seu sustento. Os antigos governadores tinham feito isso. Não havia ninguém que o censurasse se ele fizesse o mesmo. Mas ele diz: "Porém eu assim não fiz, por causa do temor de Deus" (Neemias 5. 15).
(j) Um homem santo seguirá a humildade. Ele desejará, em humildade de espírito, considerar os outros superiores a si mesmo. Ele verá mais maldade em seu próprio coração do que em qualquer outro no mundo. Ele compreenderá algo do sentimento de Abraão, quando diz: "Eu sou pó e cinza" — e de Jacó, quando diz: "Menor sou que todas as misericórdias e que toda a fidelidade que tens usado para com teu servo" — e de Jó, quando diz: "Sou vil" — e de Paulo, quando diz: "Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal". O santo Bradford, fiel mártir de Cristo, às vezes terminava suas cartas com estas palavras: "Um pecador miserabilíssimo, John Bradford." As últimas palavras do velho Sr. Grimshaw, quando estava em seu leito de morte, foram estas: "Aqui vai um servo inútil."
(k) Um homem santo buscará a fidelidade em todos os deveres e relações da vida. Ele se esforçará não apenas para ocupar o seu lugar tão bem quanto outros que não se preocupam com suas almas, mas ainda melhor, porque possui motivos mais elevados e mais ajuda do que eles. As palavras de Paulo nunca devem ser esquecidas: "Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor" — "Não sejais vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor" (Colossenses 3. 23; Romanos 12. 11). Pessoas santas devem buscar fazer tudo bem e devem se envergonhar de permitir que façam qualquer coisa mal, se puderem evitá-lo. Como Daniel, devem procurar não dar "ocasião" contra si mesmas, exceto "no tocante à lei do seu Deus" (Daniel 6. 5). Devem esforçar-se para serem bons maridos e boas esposas, bons pais e bons filhos, bons patrões e bons servos, bons vizinhos, bons amigos, bons cidadãos, bons no particular e bons em público, bons no local de trabalho e bons junto à lareira. A santidade vale muito pouco, de fato, se não produz esse tipo de fruto. O Senhor Jesus faz uma pergunta penetrante ao Seu povo, quando diz: "Que fazeis de mais?" (Mateus 5. 47).
(l) Por último, mas não menos importante, um homem santo buscará a espiritualidade. Ele se esforçará para colocar inteiramente suas afeições nas coisas do alto e para manter uma relação muito desapegada com as coisas da terra. Ele não negligenciará os negócios da vida presente; mas o primeiro lugar em sua mente e pensamentos será dado à vida futura. Procurará viver como alguém cujo tesouro está no céu e atravessará este mundo como um estrangeiro e peregrino a caminho de casa. Comunicar-se com Deus em oração, na Bíblia e na assembleia de Seu povo — essas coisas serão os maiores prazeres do homem santo. Ele valorizará tudo, lugar e companhia, na medida em que o aproximem mais de Deus. Ele participará do sentimento de Davi, quando diz: "A minha alma te segue de perto" — "Tu és a minha porção" (Salmo 63. 8; 119. 57).
Tal é o esboço de santidade que me aventuro a traçar. Tal é o caráter que aqueles que são chamados "santos" buscam. Estas são as principais características de um homem santo.
Mas aqui devo dizer, espero que ninguém me entenda mal. Temo que meu significado seja mal interpretado e que a descrição que dei da santidade desanime alguma consciência sensível. Eu não desejaria, de bom grado, entristecer um só coração justo ou colocar uma pedra de tropeço no caminho de qualquer crente.
Não digo, nem por um momento, que a santidade exclui a presença do pecado interior. Não: de modo algum. A maior miséria de um homem santo é que ele carrega consigo um "corpo de morte" — que, muitas vezes, quando quer fazer o bem, "o mal está com ele"; que o velho homem atrapalha todos os seus movimentos e, por assim dizer, tenta puxá-lo para trás a cada passo que dá (Romanos 7. 21). Mas é a excelência de um homem santo que ele não está em paz com o pecado interior, como estão outros. Ele o odeia, lamenta por ele e anseia ser libertado de sua companhia. A obra da santificação dentro dele é como o muro de Jerusalém — a construção avança "em tempos angustiosos" (Daniel 9. 25).
Tampouco digo que a santidade atinge a maturidade e perfeição de uma só vez, ou que essas virtudes que mencionei devam ser encontradas em pleno florescimento e vigor antes que se possa chamar alguém de santo. Não: de modo algum. A santificação é sempre uma obra progressiva. As graças de alguns homens estão na folha, de outros na espiga, e de outros como o grão cheio na espiga. Todos devem ter um começo. Nunca devemos desprezar "o dia das coisas pequenas". E a santificação, mesmo nos melhores, é uma obra imperfeita. A história dos santos mais brilhantes que já viveram conterá muitos "mas", "contudo" e "não obstante" antes de se chegar ao fim. O ouro nunca estará sem alguma escória — a luz nunca brilhará sem algumas nuvens, até que alcancemos a Jerusalém celestial. O próprio sol tem manchas em sua face. Os homens mais santos têm muitas falhas e defeitos quando pesados na balança do santuário. Sua vida é uma guerra contínua contra o pecado, o mundo e o diabo; e, às vezes, não se verá eles vencendo, mas sendo vencidos. A carne luta contra o espírito, e o espírito contra a carne, e "em muitas coisas todos tropeçam" (Gálatas 5. 17; Tiago 3. 2).
Mas, ainda assim, estou certo de que possuir tal caráter como esbocei é o desejo e a oração do coração de todo verdadeiro cristão. Eles prosseguem em direção a ele, ainda que não o alcancem. Talvez não o atinjam, mas sempre o têm como alvo. É o que se esforçam e trabalham para ser, mesmo que ainda não o sejam.
E isto afirmo ousada e confiantemente: a verdadeira santidade é uma grande realidade. É algo no homem que pode ser visto, conhecido, notado e sentido por todos ao seu redor. É luz: se existe, mostrará a si mesma. É sal: se existe, seu sabor será percebido. É um precioso unguento: se existe, sua presença não poderá ser escondida.
Tenho certeza de que todos nós devemos estar prontos para relevar muitos retrocessos, muita ocasional frieza entre os cristãos professos. Sei que uma estrada pode levar de um ponto a outro e, ainda assim, ter muitas curvas e desvios; e que um homem pode ser verdadeiramente santo e, ainda assim, ser desviado por muitas fraquezas. O ouro não deixa de ser ouro por estar misturado com impurezas, nem a luz deixa de ser luz por ser fraca e tênue, nem a graça deixa de ser graça por ser jovem e fraca. Mas, feitas todas as concessões, não consigo ver como qualquer homem merece ser chamado “santo” se se permite voluntariamente permanecer em pecados e não se sente humilhado e envergonhado por causa deles. Não ouso chamar de “santo” quem faz do descaso voluntário de deveres conhecidos um hábito, e voluntariamente pratica o que sabe que Deus lhe proibiu. Owen disse muito bem: “Não entendo como um homem pode ser um verdadeiro crente para quem o pecado não seja o maior fardo, tristeza e problema.”
Tais são as características principais da santidade prática. Examinemo-nos e vejamos se a conhecemos. Provemos a nós mesmos.
Permita-me tentar, em seguida, mostrar algumas razões pelas quais a santidade prática é tão importante.
Pode a santidade nos salvar? Pode a santidade eliminar o pecado—cobrir as iniquidades—satisfazer pelas transgressões—pagar nossa dívida para com Deus? Não: nem um pouco. Deus me livre de jamais dizer tal coisa. A santidade não pode fazer nenhuma dessas coisas. Os santos mais brilhantes são todos “servos inúteis.” Nossas obras mais puras não são melhores do que trapos imundos, quando provadas pela luz da santa lei de Deus. A veste branca que Jesus oferece, e que a fé reveste, deve ser nossa única justiça—o nome de Cristo, nossa única confiança—o livro da vida do Cordeiro, nosso único título para o céu. Com toda nossa santidade, não somos melhores do que pecadores. Nossas melhores obras estão manchadas e contaminadas pela imperfeição. Elas são todas, mais ou menos, incompletas, erradas no motivo ou defeituosas na execução. Pelas obras da lei nenhum filho de Adão jamais será justificado. “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2. 8, 9).
Por que, então, a santidade é tão importante? Por que o apóstolo diz: “Sem a santidade ninguém verá o Senhor”? Permita-me apresentar algumas razões.
(a) Em primeiro lugar, devemos ser santos porque a voz de Deus nas Escrituras ordena isso claramente. O Senhor Jesus diz ao Seu povo: “Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (Mateus 5. 20). “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5. 48). Paulo diz aos tessalonicenses: “Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” (1 Tessalonicenses 4. 3). E Pedro diz: “Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver; porquanto escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pedro 1. 15, 16). “Nisso,” diz Leighton, “a lei e o Evangelho concordam.”
(b) Devemos ser santos porque esse é um dos grandes fins e propósitos para os quais Cristo veio ao mundo. Paulo escreve aos coríntios: “E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2 Coríntios 5. 15). E aos efésios: “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a” (Efésios 5. 25, 26). E a Tito: “O qual se deu a si mesmo por nós, para nos remir de toda iniquidade e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras” (Tito 2. 14). Em resumo, falar de homens sendo salvos da culpa do pecado, sem serem ao mesmo tempo salvos do domínio dele em seus corações, é contradizer o testemunho de toda a Escritura. São os crentes eleitos?—é “pela santificação do Espírito.” São predestinados?—é “para serem conformes à imagem do Filho de Deus.” São escolhidos?—é “para serem santos.” São chamados?—é “com uma santa vocação.” São afligidos?—é para que sejam “participantes da santidade.” Jesus é um Salvador completo. Ele não apenas tira a culpa do pecado do crente; Ele faz mais—quebra seu poder (1 Pedro 1. 2; Romanos 8. 29; Efésios 1. 4; Hebreus 12. 10).
(c) Devemos ser santos porque essa é a única evidência sólida de que temos uma fé salvadora em nosso Senhor Jesus Cristo. O décimo segundo Artigo de nossa Igreja afirma verdadeiramente que “Embora as boas obras não possam tirar nossos pecados, nem suportar a severidade do juízo de Deus, ainda assim são agradáveis e aceitáveis a Deus em Cristo, e necessariamente brotam de uma fé verdadeira e viva; de modo que, por elas, uma fé viva pode ser tão evidentemente conhecida como uma árvore discernida por seus frutos.” Tiago nos adverte que existe algo como uma fé morta—uma fé que não passa de uma profissão de lábios e não exerce influência sobre o caráter de um homem (Tiago 2. 17). A verdadeira fé salvadora é de um tipo muito diferente. A verdadeira fé sempre se mostrará pelos seus frutos—ela santificará, operará por amor, vencerá o mundo, purificará o coração. Sei que as pessoas gostam de falar sobre evidências no leito de morte. Elas se apegam a palavras ditas em horas de medo, dor e fraqueza, como se pudessem se confortar nelas a respeito dos amigos que perderam. Mas temo que, em noventa e nove casos de cada cem, tais evidências não sejam confiáveis. Suspeito que, salvo raras exceções, os homens morrem exatamente como viveram. A única evidência segura de que estamos em Cristo, e Cristo em nós, é uma vida santa. Aqueles que vivem para o Senhor são geralmente os únicos que morrem no Senhor. Se quisermos morrer a morte dos justos, não devemos descansar apenas em desejos preguiçosos; busquemos viver a Sua vida. É um dito verdadeiro de Traill: “O estado do homem é mau, e sua fé é falsa, se ele não encontra em suas esperanças de glória uma força para purificar seu coração e sua vida.”
(d) Devemos ser santos, porque esta é a única prova de que amamos o Senhor Jesus Cristo com sinceridade. Este é um ponto sobre o qual Ele falou muito claramente, nos capítulos 14 e 15 de João. "Se me amais, guardareis os meus mandamentos." — "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama." — "Se alguém me ama, guardará a minha palavra." — "Vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando." (João 14. 15, 21, 23; 15. 14). — Seria difícil encontrar palavras mais claras do que essas, e ai daqueles que as negligenciam! Certamente o homem que pode pensar em tudo o que Jesus sofreu, e ainda assim se apegar aos pecados pelos quais esse sofrimento foi enfrentado, deve estar em um estado doentio de alma. Foi o pecado que teceu a coroa de espinhos — foi o pecado que perfurou as mãos, os pés e o lado do nosso Senhor — foi o pecado que o levou a Getsêmani e ao Calvário, à cruz e ao sepulcro. Frios devem ser nossos corações se não odiarmos o pecado e não lutarmos para nos livrar dele, ainda que para isso tenhamos de cortar a mão direita e arrancar o olho direito.
(e) Devemos ser santos, porque esta é a única evidência sólida de que somos verdadeiros filhos de Deus. Filhos neste mundo geralmente se parecem com seus pais. Alguns, sem dúvida, mais e outros menos — mas raramente se deixa de notar uma espécie de semelhança de família. E assim também é com os filhos de Deus. O Senhor Jesus diz: "Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão." — "Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis." (João 8. 39, 42). Se os homens não têm semelhança com o Pai do céu, é vão falar em serem seus "filhos". Se nada sabemos sobre santidade, podemos nos lisonjear o quanto quisermos, mas não temos o Espírito Santo habitando em nós: estamos mortos, e precisamos ser trazidos à vida novamente — estamos perdidos, e precisamos ser encontrados. "Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus esses, e somente esses, são filhos de Deus." (Romanos 8. 14). Devemos mostrar, por nossas vidas, a família à qual pertencemos. Devemos deixar que os homens vejam, por nossa boa conduta, que somos, de fato, filhos do Santo, ou nossa filiação não passa de um nome vazio. "Não digas," diz Gurnall, "que tens sangue real nas veias e que nasceste de Deus, a menos que possas provar tua linhagem ousando ser santo."
(f) Devemos ser santos, porque este é o meio mais provável de fazer o bem aos outros. Não podemos viver apenas para nós mesmos neste mundo. Nossas vidas sempre farão bem ou mal àqueles que as observam. São um sermão silencioso que todos podem ler. É muito triste quando são um sermão para a causa do diabo, e não para Deus. Creio que muito mais é feito pelo reino de Cristo através da vida santa dos crentes do que estamos cientes. Há uma realidade nesse modo de viver que faz os homens sentirem e os obriga a refletir. Traz um peso e uma influência que nada mais pode dar. Torna a religião bela e atrai os homens a considerá-la, como um farol visto à distância. O dia do juízo provará que muitos, além de maridos, foram ganhos "sem palavra" por uma vida santa (1 Pedro 3. 1). Você pode falar às pessoas sobre as doutrinas do Evangelho, e poucos escutarão, e ainda menos entenderão. Mas sua vida é um argumento do qual ninguém pode escapar. Há um significado na santidade que até mesmo o mais ignorante é forçado a captar. Eles podem não entender a justificação, mas podem entender a caridade. Creio que muito mais dano é causado por cristãos ímpios e incoerentes do que imaginamos. Esses homens estão entre os melhores aliados de Satanás. Desfazem, com suas vidas, o que os ministros constroem com suas palavras. Fazem com que as rodas da carruagem do Evangelho andem pesadamente. Fornecem aos filhos deste mundo uma desculpa interminável para permanecerem como estão. — "Não vejo utilidade em tanta religião," disse recentemente um comerciante irreligioso; "observo que alguns dos meus clientes estão sempre falando sobre o Evangelho, a fé, a eleição, as benditas promessas, e assim por diante; e ainda assim essas mesmas pessoas não hesitam em me enganar em alguns centavos sempre que têm oportunidade. Agora, se pessoas religiosas podem fazer tais coisas, não vejo que vantagem há na religião." — Lamento ter que escrever tais coisas, mas temo que o nome de Cristo seja muitas vezes blasfemado por causa das vidas dos cristãos. Cuidemos para que o sangue das almas não seja requerido de nossas mãos. Do assassinato de almas pela incoerência e vida desleixada, livra-nos, bom Senhor! Oh, por causa dos outros, se não por outro motivo, esforcemo-nos para ser santos!
(g) Devemos ser santos, porque nosso conforto presente depende muito disso. Não podemos ser lembrados disso com demasiada frequência. Somos tristemente propensos a esquecer que há uma conexão íntima entre o pecado e a tristeza, a santidade e a felicidade, a santificação e a consolação. Deus ordenou sabiamente que nosso bem-estar e nosso bom comportamento estejam ligados entre si. Ele providenciou misericordiosamente para que até mesmo neste mundo seja do interesse do homem ser santo. Nossa justificação não é pelas obras — nossa vocação e eleição não são segundo as obras — mas é vão para qualquer um supor que terá um senso vivo de sua justificação ou uma certeza de sua vocação enquanto negligencia as boas obras ou não se esforça para viver uma vida santa. "Nisto sabemos que o conhecemos: se guardamos os seus mandamentos." — "Nisto conheceremos que somos da verdade, e diante dele tranquilizaremos o nosso coração." (1 João 2. 3; 3. 19). Um crente pode esperar sentir os raios do sol em um dia escuro e nublado tão facilmente quanto pode esperar sentir uma forte consolação em Cristo enquanto não o segue plenamente. Quando os discípulos abandonaram o Senhor e fugiram, escaparam do perigo, mas ficaram miseráveis e tristes. Logo depois, quando o confessaram abertamente diante dos homens, foram lançados na prisão e açoitados; mas nos é dito que "regozijavam-se por terem sido considerados dignos de sofrer afronta por esse nome." (Atos 5. 41). Oh, por amor a nós mesmos, se não houver outro motivo, esforcemo-nos para ser santos! Quem mais plenamente segue a Jesus, mais confortavelmente o seguirá.
(h) Por fim, devemos ser santos, porque sem santidade na terra nunca estaremos preparados para desfrutar o céu. O céu é um lugar santo. O Senhor do céu é um Ser santo. Os anjos são criaturas santas. A santidade está escrita em tudo no céu. O livro de Apocalipse diz expressamente: “E não entrará nela coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira” (Apocalipse 21. 27).
Apelo solenemente a todos que leem estas páginas: como poderemos estar em casa e felizes no céu, se morrermos impuros? A morte não opera mudança. O túmulo não provoca alteração. Cada um ressuscitará com o mesmo caráter com que deu seu último suspiro. Onde será o nosso lugar se agora somos estranhos à santidade?
Suponha, por um momento, que você fosse permitido entrar no céu sem santidade. O que faria? Que possível prazer poderia sentir ali? A qual de todos os santos você se uniria e ao lado de quem se sentaria? Os prazeres deles não são os seus prazeres, os gostos deles não são os seus gostos, o caráter deles não é o seu caráter. Como poderia ser feliz, se não tivesse sido santo na terra?
Agora, talvez, você ame a companhia dos levianos e descuidados, dos mundanos e gananciosos, dos foliões e amantes dos prazeres, dos ímpios e profanos. Não haverá tais pessoas no céu.
Agora, talvez, você ache que os santos de Deus são rigorosos e excessivamente sérios. Você prefere evitá-los. Não tem prazer na companhia deles. Não haverá outra companhia no céu.
Agora, talvez, você considere a oração, a leitura das Escrituras e o canto de hinos como coisas monótonas, melancólicas e entediantes—atividades a serem toleradas de vez em quando, mas não desfrutadas. Você considera o domingo um fardo e um cansaço; não conseguiria, de modo algum, passar grande parte dele adorando a Deus. Mas lembre-se: o céu é um sábado que nunca termina. Seus habitantes não descansam nem de dia nem de noite, dizendo: “Santo, santo, santo é o Senhor Deus Todo-Poderoso” e cantando o louvor do Cordeiro. Como poderia um homem impuro encontrar prazer em uma ocupação como esta?
Você acha que tal pessoa se deleitaria em encontrar-se com Davi, Paulo e João, depois de uma vida fazendo exatamente o que eles condenaram? Acha que tomaria doces conselhos com eles, e descobriria que tinha muito em comum com eles? Acha, sobretudo, que se alegraria em encontrar Jesus, o Crucificado, face a face, depois de se apegar aos pecados pelos quais Ele morreu, depois de amar Seus inimigos e desprezar Seus amigos? Estaria diante d’Ele com confiança e se uniria ao clamor: “Eis que este é o nosso Deus, a quem aguardávamos, e Ele nos salvará; este é o Senhor, a quem aguardávamos; na Sua salvação exultaremos e nos alegraremos” (Isaías 25. 9)? Não pensa, antes, que a língua do homem impuro se apegaria ao céu da boca de vergonha, e seu único desejo seria ser lançado fora? Ele se sentiria um estranho em uma terra que não conhece, uma ovelha negra no meio do rebanho santo de Cristo. A voz dos Querubins e Serafins, o cântico dos Anjos e Arcanjos e de toda a companhia celestial, seria uma linguagem que ele não poderia entender. O próprio ar lhe pareceria um ar que não conseguiria respirar. Não sei o que outros pensam, mas a mim parece claro que o céu seria um lugar miserável para um homem impuro. Não poderia ser de outra forma. As pessoas podem dizer, de maneira vaga, “esperam ir para o céu”; mas não consideram o que dizem. É necessário haver uma certa “preparação para a herança dos santos na luz”. Nosso coração precisa estar, de alguma forma, em sintonia. Para alcançar o feriado da glória, precisamos passar pela escola de treinamento da graça. Devemos ser voltados para o céu e ter gostos celestiais na vida presente, caso contrário, jamais nos encontraremos no céu, na vida futura.
E agora, antes de prosseguir, permita-me dizer algumas palavras a título de aplicação.
(1) Antes de mais nada, quero perguntar a todo aquele que ler estas páginas: Você é santo? Ouça, eu lhe peço, a pergunta que lhe faço hoje. Você sabe algo da santidade sobre a qual tenho falado?
Não pergunto se você frequenta regularmente a sua igreja — se você foi batizado e recebeu a Ceia do Senhor — se você tem o nome de cristão — pergunto algo mais do que tudo isso: Você é santo, ou não é?
Não pergunto se você aprova a santidade nos outros — se gosta de ler sobre a vida de pessoas santas, e de falar sobre coisas santas, e de ter em sua mesa livros santos — se você pretende ser santo, e espera ser santo algum dia — pergunto algo além: Você é santo hoje, ou não é?
E por que pergunto tão diretamente e insisto tanto na questão? Faço isso porque a Escritura diz: "Sem santidade ninguém verá o Senhor." Está escrito, não é imaginação minha — é a Bíblia, não é uma opinião pessoal — é a palavra de Deus, não de um homem — "Sem santidade ninguém verá o Senhor" (Hebreus 12. 14).
Ah, que palavras de exame e peneiração são essas! Que pensamentos me vêm à mente enquanto as escrevo! Olho para o mundo, e vejo a maior parte dele jazendo na maldade. Olho para os cristãos professos, e vejo a vasta maioria não tendo do cristianismo senão o nome. Volto-me para a Bíblia, e ouço o Espírito dizer: "Sem santidade ninguém verá o Senhor."
Certamente é um texto que deveria nos levar a considerar nossos caminhos e examinar nossos corações. Certamente deveria despertar pensamentos solenes em nós e nos conduzir à oração.
Você pode tentar me desviar dizendo "sente muito e pensa muito sobre essas coisas: muito mais do que muitos imaginam." Eu respondo: "Isso não é o ponto. As pobres almas perdidas no inferno fazem tanto quanto isso. A grande questão não é o que você pensa, nem o que você sente, mas o que você faz."
Você pode dizer: "Nunca foi pretendido que todos os cristãos fossem santos, e que a santidade, como a descrevi, é apenas para grandes santos e pessoas de dons incomuns." Eu respondo: "Não vejo isso na Escritura. Leio que todo aquele que tem esperança em Cristo purifica a si mesmo" (1 João 3. 3) — "Sem santidade ninguém verá o Senhor."
Você pode dizer: "É impossível ser tão santo e ao mesmo tempo cumprir nosso dever nesta vida: isso não pode ser feito." Eu respondo: "Você está enganado. Pode ser feito. Com Cristo ao seu lado, nada é impossível. Muitos já o fizeram. Davi, Obadias, Daniel e os servos da casa de Nero são todos exemplos que provam isso."
Você pode dizer: "Se eu fosse tão santo, seria diferente das outras pessoas." Eu respondo: "Eu sei muito bem. É exatamente o que você deveria ser. Os verdadeiros servos de Cristo sempre foram diferentes do mundo ao seu redor — uma nação separada, um povo peculiar; — e você também deve ser assim, se quiser ser salvo!"
Você pode dizer: "Nesse ritmo, muito poucos serão salvos." Eu respondo: "Eu sei. É exatamente o que nos é dito no Sermão da Montanha." O Senhor Jesus disse isso há 1.900 anos. "Estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos são os que a encontram" (Mateus 7. 14). Poucos serão salvos, porque poucos se esforçarão para buscar a salvação. Os homens não querem negar a si mesmos os prazeres do pecado e o seu próprio caminho por uma breve estação. Eles viram as costas para uma "herança incorruptível, incontaminada e que não se pode murchar." "Não quereis vir a Mim", diz Jesus, "para terdes vida" (João 5. 40).
Você pode dizer: "Estas são palavras duras: o caminho é muito estreito." Eu respondo: "Eu sei disso. Assim diz o Sermão do Monte." O Senhor Jesus disse isso há 1.900 anos. Ele sempre disse que os homens devem tomar a cruz diariamente e que devem estar prontos para cortar a mão ou o pé, se quiserem ser Seus discípulos. É na religião como é nas outras coisas, "não há ganhos sem dores." Aquilo que não custa nada não vale nada.
Seja o que for que pensemos dizer, precisamos ser santos, se quisermos ver o Senhor. Onde está o nosso cristianismo, se não formos? Não devemos apenas ter um nome cristão e conhecimento cristão, mas também devemos ter um caráter cristão. Devemos ser santos na terra, se pretendemos ser santos no céu. Deus disse isso, e Ele não voltará atrás: "Sem santidade ninguém verá o Senhor." "O calendário do Papa", diz Jenkyn, "só faz santos dos mortos, mas a Escritura exige santidade nos vivos." "Que os homens não se enganem a si mesmos", diz Owen; "a santificação é uma qualificação indispensavelmente necessária para aqueles que estarão sob a condução do Senhor Cristo para a salvação. Ele não conduz ninguém ao céu sem antes santificá-lo na terra. Este Cabeça viva não admitirá membros mortos."
Certamente não devemos nos surpreender que a Escritura diga: "Necessário vos é nascer de novo" (João 3. 7). Certamente é tão claro como o meio-dia que muitos que professam ser cristãos precisam de uma mudança completa — novos corações, novas naturezas — se é que algum dia serão salvos. As coisas velhas devem passar — devem tornar-se novas criaturas. "Sem santidade ninguém", seja quem for, "verá o Senhor."
(2) Permita-me, por outro lado, falar um pouco aos crentes. Faço-lhes esta pergunta: "Vocês acham que sentem a importância da santidade tanto quanto deveriam?"
Confesso que temo a disposição dos tempos quanto a este assunto. Duvido muito que a santidade ocupe o lugar que merece nos pensamentos e na atenção de alguns do povo do Senhor. Humildemente sugiro que tendemos a negligenciar a doutrina do crescimento na graça, e que não consideramos suficientemente o quão longe uma pessoa pode ir na profissão da religião e ainda assim não ter graça, estando morta aos olhos de Deus, afinal. Creio que Judas Iscariotes parecia muito com os outros Apóstolos. Quando o Senhor os advertiu de que um deles o trairia, ninguém disse: "É Judas?" Seria melhor pensarmos mais sobre as Igrejas de Sardes e Laodiceia do que fazemos.
Não tenho desejo de fazer da santidade um ídolo. Não quero destronar Cristo e colocar a santidade em Seu lugar. Mas devo dizer com franqueza que gostaria que a santificação fosse mais considerada em nossos dias do que parece ser, e por isso aproveito a ocasião para insistir sobre o assunto a todos os crentes em cujas mãos estas páginas possam cair. Temo que às vezes se esqueça que Deus uniu justificação e santificação. Elas são distintas e diferentes, sem dúvida, mas uma nunca é encontrada sem a outra. Todas as pessoas justificadas são santificadas, e todos os santificados são justificados. O que Deus uniu, nenhum homem se atreva a separar. Não me fale de sua justificação, a menos que você também tenha alguns sinais de santificação. Não se glorie da obra de Cristo por você, a menos que possa nos mostrar a obra do Espírito em você. Não pense que Cristo e o Espírito possam jamais ser separados. Não duvido que muitos crentes saibam dessas coisas, mas considero bom sermos lembrados delas. Provemos que as conhecemos pela nossa vida. Procuremos manter este texto continuamente diante de nós: "Segui a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor."
Devo dizer francamente que gostaria que não houvesse tanta sensibilidade excessiva sobre o assunto da santidade como às vezes percebo na mente dos crentes. Um homem poderia realmente pensar que é um assunto perigoso de se tratar, de tão cautelosamente que é tocado! Contudo, certamente, depois de termos exaltado Cristo como "o caminho, a verdade e a vida", não podemos errar ao falar com firmeza sobre o caráter que o Seu povo deve ter. Bem disse Rutherford: "O caminho que diminui os deveres e a santificação não é o caminho da graça. Crer e agir são amigos de sangue."
Digo isso com toda reverência, mas preciso dizer — às vezes temo que, se Cristo estivesse agora na terra, não poucos achariam a Sua pregação legalista; e se Paulo estivesse escrevendo suas Epístolas, haveria quem pensasse que ele não deveria ter escrito a última parte da maioria delas como escreveu. Mas lembremo-nos de que o Senhor Jesus pregou o Sermão do Monte e de que a Epístola aos Efésios contém seis capítulos e não quatro. Lamento sentir-me obrigado a falar assim, mas estou certo de que há razão para isso.
Aquele grande teólogo, John Owen, o Reitor da Christ Church, costumava dizer, há mais de duzentos anos, que havia pessoas cuja religião parecia consistir inteiramente em andar por aí se queixando de suas próprias corrupções e dizendo a todos que não podiam fazer nada por si mesmas. Temo que, depois de dois séculos, a mesma coisa ainda possa ser dita com verdade de alguns dos que professam o nome de Cristo em nossos dias. Sei que há textos na Escritura que justificam tais queixas. Não me oponho a elas quando vêm de homens que andam nos passos do apóstolo Paulo e lutam um bom combate, como ele, contra o pecado, o diabo e o mundo. Mas nunca gosto dessas queixas quando vejo razão para suspeitar, como frequentemente vejo, que são apenas um disfarce para encobrir preguiça espiritual e uma desculpa para a indolência espiritual. Se dissermos com Paulo: "Miserável homem que eu sou", também sejamos capazes de dizer com ele: "Prossigo para o alvo." Não citemos seu exemplo em uma coisa e deixemos de segui-lo em outra (Romanos 7. 24; Filipenses 3. 14).
Não me coloco como alguém melhor do que os outros e, se alguém perguntar: "Quem é você para escrever assim?" respondo: "Sou uma criatura muito pobre, de fato." Mas digo que não posso ler a Bíblia sem desejar ver muitos crentes mais espirituais, mais santos, mais de olhos simples, mais voltados para o céu, mais íntegros do que são no século dezenove. Quero ver entre os crentes mais do espírito de peregrino, uma separação mais decidida do mundo, uma conversação mais evidentemente no céu, um caminhar mais próximo de Deus — e por isso escrevi como escrevi.
Não é verdade que precisamos de um padrão mais elevado de santidade pessoal em nossos dias? Onde está a nossa paciência? Onde está o nosso zelo? Onde está o nosso amor? Onde estão as nossas obras? Onde pode ser vista a força da religião, como era nos tempos antigos? Onde está aquele tom inconfundível que costumava distinguir os santos de outrora e abalar o mundo? Na verdade, a nossa prata se tornou escória, o nosso vinho foi misturado com água, e o nosso sal tem muito pouco sabor. Estamos todos mais da metade adormecidos. A noite já vai adiantada, e o dia está próximo. Vamos despertar e não dormir mais. Vamos abrir mais amplamente os nossos olhos do que temos feito até agora. "Deixemos todo o embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia." — "Purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus." (Hebreus 12. 1; 2 Coríntios 7. 1.) "Cristo morreu", diz Owen, "e o pecado viverá? Foi Ele crucificado no mundo, e nossas afeições pelo mundo estarão vivas e ativas? Oh, onde está o espírito daquele que, pela cruz de Cristo, foi crucificado para o mundo, e o mundo para ele?"
Permita-me, por fim, oferecer uma palavra de conselho a todos os que desejam ser santos.
Você quer ser santo? Quer se tornar uma nova criatura? Então você deve começar com Cristo. Você não fará absolutamente nada e não progredirá até sentir seu pecado e fraqueza, e fugir para Ele. Ele é a raiz e o princípio de toda santidade, e o caminho para ser santo é ir a Ele pela fé e ser unido a Ele. Cristo não é apenas sabedoria e justiça para o Seu povo, mas também santificação. Às vezes os homens tentam se tornar santos por si mesmos, e que triste trabalho fazem disso. Trabalham e se esforçam, viram novas páginas, fazem muitas mudanças; e, ainda assim, como a mulher com fluxo de sangue, antes de ir a Cristo, sentem-se "não melhoradas, mas antes pioradas" (Marcos 5. 26). Correm em vão e trabalham em vão; e não é de admirar, pois estão começando pelo lado errado. Estão construindo um muro de areia; o seu trabalho desmorona tão rapidamente quanto é erguido. Estão esvaziando água de um vaso furado: o vazamento aumenta contra eles, e não eles contra o vazamento. Nenhum outro fundamento de "santidade" pode o homem lançar além daquele que Paulo lançou, que é Cristo Jesus. "Sem Cristo, nada podemos fazer" (João 15. 5). É uma expressão forte, mas verdadeira, de Traill: "Sabedoria fora de Cristo é loucura condenadora — justiça fora de Cristo é culpa e condenação — santificação fora de Cristo é imundícia e pecado — redenção fora de Cristo é escravidão e cativeiro."
Você quer alcançar a santidade? Sente hoje um verdadeiro e sincero desejo de ser santo? Gostaria de ser participante da natureza divina? Então vá a Cristo. Não espere por nada. Não espere por ninguém. Não demore. Não pense em se preparar primeiro. Vá e diga a Ele, nas palavras daquele belo hino:
Nada trago em minhas mãos,
Somente a Tua cruz me apego;
Nu, a Ti recorro para vestir-me;
Desamparado, olho a Ti por graça."
Não há um tijolo ou uma pedra colocados na obra da nossa santificação até que vamos a Cristo. A santidade é Seu dom especial para o Seu povo crente. A santidade é a obra que Ele realiza nos seus corações, pelo Espírito que Ele coloca dentro deles. Ele foi designado "Príncipe e Salvador, para dar arrependimento", bem como remissão dos pecados. — "A todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus." (Atos 5. 31; João 1. 12, 13.) A santidade não vem do sangue — os pais não podem transmiti-la aos filhos; nem da vontade da carne — o homem não pode produzi-la em si mesmo; nem da vontade do homem — os ministros não podem concedê-la a você pelo batismo. A santidade vem de Cristo. É o resultado da união vital com Ele. É o fruto de ser um ramo vivo da Videira Verdadeira. Vá então a Cristo e diga: "Senhor, não apenas salva-me da culpa do pecado, mas envia o Espírito que Tu prometeste, e salva-me do seu poder. Torna-me santo. Ensina-me a fazer a Tua vontade."
Você quer permanecer santo? Então permaneça em Cristo. Ele mesmo diz: "Permanecei em Mim, e Eu em vós — aquele que permanece em Mim, e Eu nele, esse dá muito fruto" (João 15. 4, 5). Agradou ao Pai que n'Ele habitasse toda a plenitude — um suprimento completo para todas as necessidades do crente. Ele é o Médico a quem você deve ir diariamente, se quiser manter-se bem. Ele é o Maná que você deve comer diariamente, e a Rocha da qual deve beber diariamente. O Seu braço é o braço em que você deve se apoiar diariamente, enquanto sobe do deserto deste mundo. Você não deve apenas ser enraizado, mas também edificado n'Ele. Paulo foi verdadeiramente um homem de Deus — um homem santo — um cristão crescente e próspero — e qual era o segredo de tudo isso? Ele era alguém para quem Cristo era "tudo em todos". Estava sempre "olhando para Jesus." "Posso todas as coisas", ele diz, "naquele que me fortalece." "Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo, vivo-a pela fé no Filho de Deus." Vamos nós também fazer o mesmo. (Hebreus 12. 2; Filipenses 4. 13; Gálatas 2. 20.)
Que todos que leem estas páginas conheçam estas coisas pela experiência, e não apenas por ouvir dizer. Que todos nós sintamos a importância da santidade muito mais do que sentimos até agora! Que nossos anos sejam anos santos para nossas almas, e então serão anos felizes! Se vivermos, que vivamos para o Senhor; ou se morrermos, que morramos para o Senhor; ou se Ele vier buscar-nos, que sejamos encontrados em paz, sem mácula e irrepreensíveis!
~
J. C. Ryle
Holiness.