A Epístola de Tiago, uma das sete epístolas gerais do Novo Testamento, escrita em grego koiné, destaca-se por sua abordagem ética e prática, enraizada na tradição judaica e cristã primitiva. Preservada em manuscritos como o Papiro 20 (início do século III), Codex Vaticanus (325-350 d.C.) e Codex Sinaiticus (330-360 d.C.), a carta é atribuída a Tiago, "servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo" (Tiago 1. 1), tradicionalmente identificado como Tiago, o Justo, irmão de Jesus. Contudo, a autoria é debatida, com estudiosos modernos considerando-a pseudônima devido ao grego sofisticado, possível dependência de textos posteriores como 1 Pedro e ausência de evidências de educação helenística de Tiago. A epístola, datada entre meados do século I e meados do século II, dirige-se às "doze tribos na dispersão", sugerindo uma audiência judaico-cristã espalhada, possivelmente enfrentando tensões sociais e religiosas. Sua inclusão no cânon, apesar de inicialmente contestada como antilegomena, foi consolidada no século IV por figuras como Atanásio e concílios como o de Cartago (397 d.C.), devido à sua teologia sólida e relevância pastoral.
A epístola combina elementos de cartas da diáspora judaica, sabedoria bíblica (Provérbios, Eclesiástico) e influências das palavras de Jesus, especialmente aquelas associadas à fonte Q (Mateus e Lucas). Sua estrutura, embora não siga uma progressão linear típica das epístolas helenísticas, apresenta uma coleção de exortações morais organizadas em temas como perseverança em provações (Tiago 1. 2-8), imparcialidade (Tiago 2. 1-13), fé e obras (Tiago 2. 14-26) e sabedoria celestial (Tiago 3. 13-18). Alguns estudiosos veem a carta como uma resposta a interpretações paulinas da justificação pela fé, enquanto outros a situam em um contexto judaico-cristão preocupado com desigualdades sociais, como a opressão dos pobres (Tiago 5. 1-6) e a marginalização de viúvas e órfãos (Tiago 1. 27). A ênfase na fé viva, manifestada por obras, reflete a observância da Torá, alinhando-se com textos como Mateus, Didache e literatura pseudo-clementina, que valorizam a prática ética como expressão da fé.
A cristologia de Tiago é implícita, centrada em Jesus como Senhor e fonte de autoridade moral, sem elaborar sua divindade ou papel sacrificial, como em Hebreus. A epístola exorta à humildade, oração em todas as circunstâncias (Tiago 5. 13-18) e cuidado comunitário, como a unção dos enfermos, prática que influenciou tradições cristãs posteriores. Apesar da crítica de Lutero, que a chamou de "epístola de palha" por sua ênfase em obras, Tiago permanece essencial para o entendimento da ética cristã primitiva. Sua relevância histórica é ampliada pelo interesse contemporâneo no Tiago histórico e no judaísmo cristão, destacando a continuidade entre a fé cristã e suas raízes judaicas. A epístola, com sua linguagem vigorosa e apelo à coerência entre crença e ação, continua a desafiar os leitores a viverem uma fé autêntica e socialmente engajada.