Tomás Cranmer (1489-1556), nascido em 2 de julho de 1489 em Aslockton, Nottinghamshire, e executado em 21 de março de 1556 em Oxford, foi um teólogo e reformador cuja liderança como arcebispo de Canterbury moldou a Igreja da Inglaterra durante os reinados de Henrique VIII, Eduardo VI e, brevemente, Maria I. Figura central da Reforma Inglesa, Cranmer combinou erudição teológica com um compromisso cristão que o levou a defender a supremacia real sobre a Igreja e a estabelecer as bases doutrinárias e litúrgicas do anglicanismo. Sua vida, marcada por avanços reformistas e um martírio heroico, reflete uma dedicação à fé reformada, expressa tanto em sua obra intelectual quanto em sua resistência às pressões da restauração católica.
Filho de Thomas Cranmer e Agnes Hatfield, de uma família de pequena nobreza com raízes em Lincolnshire, Cranmer cresceu em um ambiente rural modesto. Após a morte de seu pai, ingressou aos 14 anos no Jesus College, Cambridge, onde estudou lógica, literatura clássica e filosofia, obtendo o grau de Bacharel em Artes após oito anos. Sua formação humanista, influenciada por Erasmo e Jacques Lefèvre d’Étaples, foi complementada por um mestrado concluído em três anos. Durante esse período, colecionou livros escolásticos medievais, preservados ao longo de sua vida. Casou-se com Joan, perdendo sua bolsa acadêmica, mas foi reintegrado ao Jesus College após a morte dela no parto. Ordenado em 1520, tornou-se doutor em divindade em 1526, destacando-se como pregador universitário. Sua visão teológica inicial, marcada por uma antipatia por Lutero e admiração por Erasmo, evoluiu na década de 1520, à medida que as ideias reformadas ganhavam força.
A ascensão de Cranmer ao cenário político começou em 1527, quando auxiliou na busca pelo annullamento do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão. Contrariando a proibição bíblica de Levítico, Cranmer sugeriu consultar teólogos europeus, coordenando esforços que culminaram na Collectanea satis copiosa, um compêndio que reforçava a jurisdição real sobre a Igreja. Em 1532, foi nomeado embaixador junto ao imperador Carlos V, viajando por Regensburg e Nuremberg, onde testemunhou a Reforma em ação. Nesse período, casou-se secretamente com Margarete, sobrinha da esposa do reformador Andreas Osiander, sinalizando uma adesão moderada aos princípios luteranos. Em 1533, foi surpreendentemente nomeado arcebispo de Canterbury, uma escolha promovida pela família de Ana Bolena, então noiva de Henrique. Consagrado em março, Cranmer declarou nulo o casamento de Henrique com Catarina, validou sua união com Ana e a coroou rainha, desafiando o papa Clemente VII, que ameaçou excomungá-lo.
Como arcebispo, Cranmer navegou pelas tensões entre conservadores e reformadores. Durante o reinado de Henrique, suas reformas foram cautelosas devido a disputas políticas, mas ele publicou a Exhortation and Litany, o primeiro culto vernacular autorizado. Com a ascensão de Eduardo VI, um rei jovem e protestante, Cranmer acelerou as mudanças. Compilou o Book of Common Prayer de 1549, uma liturgia completa em inglês que rompeu com a missa latina, e sua edição de 1552 reforçou a presença espiritual na Eucaristia, rejeitando a transubstanciação. Trabalhou com reformadores continentais, como Martin Bucer e Peter Martyr, para revisar doutrinas sobre celibato clerical, imagens religiosas e veneração de santos. Também contribuiu com as Homilies e os Forty-two Articles, que delinearam a fé anglicana, consolidada nos Thirty-nine Articles sob Isabel I.
A ascensão de Maria I, católica fervorosa, marcou o declínio de Cranmer. Acusado de traição e heresia, foi preso em 1553 e julgado em Oxford. Após dois anos de prisão, enfrentou intensa pressão para renunciar à fé reformada. Produziu cinco recantações, aceitando a supremacia papal e a doutrina católica, mas, no dia de sua execução, retratou-se publicamente. Em 21 de março de 1556, na Igreja da Universidade de Oxford, Cranmer denunciou o papa como “inimigo de Cristo” e colocou sua mão direita nas chamas, chamando-a de “indigna” por assinar as recantações. Suas últimas palavras, invocando Jesus e a visão dos céus abertos, ecoaram sua fé inabalável. Queimado vivo, tornou-se um mártir para os protestantes, imortalizado no Book of Martyrs de John Foxe.
O legado de Cranmer perdura na Igreja da Inglaterra. O Book of Common Prayer, com sua linguagem acessível e estrutura litúrgica, influenciou a espiritualidade anglicana por séculos, enquanto os Thirty-nine Articles permanecem uma referência doutrinária. Sua visão do cristianismo, centrada na supremacia real e na simplicidade bíblica, moldou a identidade cultural inglesa. Embora criticado por católicos como oportunista e por alguns protestantes por concessões temporárias, Cranmer é reconhecido como um scholar comprometido, cuja coragem no martírio refletiu sua convicção na verdade reformada. Comemorado em 21 de março como mártir pela Igreja da Inglaterra e em 16 de outubro pela Igreja Episcopal dos EUA, junto a Hugh Latimer e Nicholas Ridley, Cranmer permanece uma figura seminal, cuja obra uniu teologia, liturgia e fé prática em um momento crucial da história cristã.