21.julho.25
Procura-se um Homem Impraticável
Há uma piada filosófica bastante conhecida, que busca ilustrar os intermináveis e, supostamente, inúteis debates entre filósofos. Trata-se da velha pergunta: “O que veio primeiro, a galinha ou o ovo?". Não estou certo de que, quando entendida corretamente, essa investigação seja tão fútil assim. Não pretendo aqui me aprofundar nas profundas diferenças metafísicas e teológicas às quais essa questão do ovo e da galinha remete de forma um tanto frívola, embora curiosamente apropriada. Os materialistas evolucionistas são bem representados pela ideia de que todas as coisas provêm de um ovo – um germe oval, escuro e monstruoso que surgiu por acaso. Já a outra escola de pensamento, a sobrenatural (à qual pessoalmente me alinho), não se sentiria mal representada pela fantasia de que este nosso mundo redondo é, na verdade, um ovo cuidadosamente aquecido por uma ave sagrada e não gerada – a pomba mística dos profetas.
Mas recorro a essa distinção não por suas implicações elevadas, e sim por sua utilidade em aspectos muito mais humildes. Independentemente de a ave estar ou não no início da nossa cadeia de pensamento, é absolutamente necessário que esteja no fim dela. O pássaro é o que devemos almejar – não com uma arma, mas com uma varinha que confere vida. O essencial para pensarmos corretamente é o seguinte: o ovo e a ave não devem ser vistos como ocorrências cósmicas equivalentes, alternando-se para sempre. Eles não devem se tornar um simples padrão repetitivo de ovo e pássaro, como um padrão de ovos e flechas. Um é meio, o outro é fim; eles pertencem a ordens mentais distintas. Ignorando as complicações da mesa de café da manhã, num sentido elementar, o ovo só existe para produzir a galinha. Mas a galinha não existe apenas para produzir outro ovo. Ela também pode existir para se divertir, louvar a Deus e até mesmo inspirar ideias a um dramaturgo francês. Sendo uma criatura consciente, ela é – ou pode ser – valiosa em si mesma.
O que ocorre hoje é que nossa política moderna está repleta de um esquecimento barulhento: esquecemos que o objetivo de todas as complexidades e arranjos deveria ser a produção dessa vida feliz e consciente. Só falamos de homens úteis e instituições produtivas. Em outras palavras, só pensamos nas galinhas como mecanismos para botar mais ovos. Em vez de tentarmos criar nossa ave ideal – a águia de Zeus, o Cisne de Avon ou qualquer símbolo que desejemos –, falamos apenas do processo e do embrião. O processo em si, quando separado de seu objetivo divino, torna-se duvidoso, até mórbido. O veneno se infiltra no próprio embrião das coisas. E assim, nossa política torna-se um conjunto de ovos podres.
O idealismo nada mais é do que considerar as coisas por sua essência prática. Significa apenas que devemos analisar um atiçador pelo seu uso para atiçar, antes de avaliar se ele serve para espancar esposas. Devemos perguntar se um ovo é bom o suficiente para produzir uma ave, antes de concluirmos que ele é ruim o suficiente para uso político. No entanto, sei que essa busca fundamental pela teoria (que nada mais é do que a busca pelo objetivo) expõe a pessoa à acusação barata de estar brincando enquanto Roma queima. Há uma escola de pensamento, da qual Lorde Rosebery é representante, que tentou substituir os ideais morais e sociais – que por muito tempo foram o motor da política – por um conceito de coerência e completude no sistema social, conhecido pelo apelido de “eficiência". Não tenho certeza de qual seja a doutrina secreta dessa escola. Mas, pelo que entendo, “eficiência" significa descobrir tudo sobre uma máquina, menos sua finalidade.
Hoje vivemos sob uma fantasia peculiar: a ideia de que, quando tudo vai mal, precisamos de um homem prático. Seria mais verdadeiro dizer que, quando tudo vai mal, precisamos de um homem pouco prático. Certamente, precisamos de um teórico. Um homem prático é alguém habituado a lidar apenas com o funcionamento diário das coisas. Mas, quando as coisas param de funcionar, é necessário o pensador – alguém que tenha alguma doutrina sobre por que elas funcionavam. É errado ficar brincando enquanto Roma queima. Mas é certo estudar a teoria da hidráulica enquanto Roma queima.
Portanto, é preciso abandonar o agnosticismo cotidiano e tentar identificar as causas do rerum cognoscere [1]. Se o seu avião apresenta um problema leve, um homem prático pode resolvê-lo. Mas, se a falha for grave, será mais provável que um velho professor distraído, com cabelos brancos e desgrenhados, precise ser retirado de seu laboratório ou faculdade para analisar o defeito. Quanto mais complexo for o desastre, mais pálido e mais distraído será o teórico necessário para enfrentá-lo. E, em certos casos extremos, talvez só o homem – possivelmente insano – que inventou o avião possa dizer qual é o problema com ele.
“Eficiência”, evidentemente, é inútil pela mesma razão que homens fortes, força de vontade e o super-homem também são inúteis. Isso porque ela trata apenas das ações depois que elas já foram realizadas. A eficiência não oferece nenhuma filosofia para lidar com os acontecimentos antes de ocorrerem; por isso, não tem poder de escolha. Um ato só pode ser chamado de bem-sucedido ou mal-sucedido depois que termina; para que comece, ele precisa ser considerado, em termos abstratos, como certo ou errado. Não existe isso de apoiar um vencedor; ele não pode ser vencedor no momento em que é apoiado. Não há luta do lado vencedor; o que há é uma luta para descobrir qual lado será o vencedor. Se alguma ação já aconteceu, então ela foi eficiente. Se um homem foi assassinado, esse assassinato foi eficiente. Um sol tropical é tão eficiente em tornar as pessoas preguiçosas quanto um capataz de Lancashire é eficiente em torná-las trabalhadoras. Maeterlinck é tão eficiente em encher alguém de estranhos tremores espirituais quanto os senhores Crosse e Blackwell são em encher alguém de geleia. Mas tudo depende do que se quer ser preenchido. Lorde Rosebery, como um cético moderno, provavelmente prefere os tremores espirituais. Eu, como cristão ortodoxo, prefiro a geleia. Mas ambos são eficientes depois de realizados – e ineficientes até que isso aconteça. Um homem que pensa demais no sucesso precisa ser o mais sonolento dos sentimentalistas, porque ele está sempre olhando para trás. Se ele só aprecia a vitória, então sempre chegará atrasado para a batalha. Para o verdadeiro homem de ação, não há outra coisa senão o idealismo.
Esse ideal bem definido é um assunto muito mais urgente e prático para os nossos problemas ingleses do que qualquer plano ou proposta imediata. O caos atual nasce de um esquecimento generalizado daquilo que os homens originalmente pretendiam. Nenhum homem exige aquilo que realmente deseja; cada um exige aquilo que julga conseguir. E, rapidamente, as pessoas se esquecem do que o homem queria em primeiro lugar. Depois de uma vida política vigorosa e bem-sucedida, ele se esquece até de si mesmo. O todo se torna um motim absurdo de segundas opções, um pandemônio de soluções paliativas. Agora, esse tipo de flexibilidade não apenas impede uma consistência heroica, como também inviabiliza qualquer compromisso verdadeiramente prático. Só é possível encontrar uma distância média entre dois pontos se ambos permanecerem fixos. Podemos fazer um acordo entre dois oponentes que não podem obter exatamente o que desejam – mas não se eles nem ao menos dizem o que desejam. Um garçom preferiria que cada cliente fizesse seu pedido de forma clara, mesmo que pedissem algo inusitado como íbis guisado ou elefante cozido, em vez de cada um ficar parado, com a cabeça nas mãos, calculando quantos pratos o restaurante pode oferecer. A maioria de nós já teve que lidar com um certo tipo de senhora que, por puro desprendimento perverso, causa mais transtorno que uma pessoa egoísta; são aquelas que quase suplicam pelo prato menos pedido e lutam pelo pior lugar. Muitos de nós já participamos de festas ou excursões onde tudo parecia uma confusão fervilhante de desinteresse. Movidos por motivos muito menos nobres que os dessas mulheres admiráveis, nossos políticos práticos mantêm o país na mesma confusão – devido à mesma incerteza quanto ao que realmente exigem. Nada atrapalha mais um acordo do que esse emaranhado de pequenas concessões. Estamos cercados por políticos que defendem a educação laica, mas acham inútil lutar por ela; que desejam a proibição total, mas acreditam que não devem exigi-la; que lamentam a obrigatoriedade da educação, mas continuam aceitando-a resignadamente; ou que querem a propriedade de pequenos agricultores, mas votam por outra coisa. É esse oportunismo confuso e hesitante que trava tudo. Se nossos líderes fossem visionários, algo prático poderia ser feito. Se pedirmos algo abstrato, talvez consigamos algo concreto. Mas, do jeito que está, não só é impossível obter aquilo que queremos, como também é impossível conquistar qualquer parte disso – porque ninguém consegue apontar com clareza o que quer, como se desenha num mapa. Aquela qualidade clara e objetiva que existia nos antigos acordos desapareceu por completo. Esquecemos que a palavra “compromisso” inclui, entre outras coisas, a palavra firme e comovente “promessa”. Moderação não é algo vago; ela é tão precisa quanto a perfeição. O ponto médio é tão fixo quanto o extremo.
Se sou forçado por um pirata a caminhar pela prancha, é inútil me oferecer, como um compromisso sensato, andar por uma parte razoável da prancha. É justamente sobre o que é razoável que o pirata e eu discordamos. Há um excelente segundo matemático em que a prancha começa a inclinar para baixo. Meu senso comum para antes desse ponto; o senso comum do pirata começa logo depois. Mas o ponto exato é tão rigoroso quanto qualquer figura da geometria; tão abstrato quanto qualquer dogma da teologia.
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G. K. Chesterton (O que há de errado com o mundo, 1908).
[1] – Saber (latim).