22.julho.25
A Necessidade Insana
A concepção comum entre os resíduos da cultura darwinista é que a humanidade, pouco a pouco, avançou da desigualdade até alcançar um estado de relativa igualdade. A verdade é, imagino eu, quase exatamente o oposto. Todos os homens começaram normalmente e naturalmente com a ideia de igualdade; eles só a abandonaram tarde e relutantemente, e sempre por alguma razão material e específica. Eles nunca sentiram naturalmente que uma classe de pessoas era superior a outra; sempre foram levados a assumir isso por certas limitações práticas de tempo e espaço.
Por exemplo, há um elemento que sempre tende à oligarquia – ou melhor, ao despotismo: refiro-Me ao fator da pressa. Se uma casa pega fogo, alguém precisa chamar os bombeiros; um comitê não pode fazer isso. Se um acampamento é atacado à noite, alguém deve dar a ordem para atirar; não há tempo para votação. É apenas uma questão de limitações físicas de tempo e espaço, e não de limitações mentais do grupo de pessoas comandadas. Mesmo que todas as pessoas na casa fossem figuras de grande destino, ainda assim seria melhor que elas não falassem todas ao telefone ao mesmo tempo; na verdade, seria melhor que o mais tolo de todos falasse sem interrupção. Se um exército fosse composto somente de Aníbal e Napoleões, ainda assim seria melhor, no caso de um ataque surpresa, que eles não dessem ordens simultaneamente. Na verdade, seria melhor que o mais tolo entre eles desse as ordens. Assim, vemos que a mera subordinação militar, longe de se apoiar na desigualdade entre os homens, na verdade se apoia na igualdade entre eles. A disciplina não envolve a noção carlyleana de que alguém está sempre certo quando todos os outros estão errados, e que devemos descobrir e coroar esse alguém. Ao contrário, a disciplina significa que, em certas circunstâncias extremamente rápidas, é possível confiar em qualquer um, contanto que Ele não seja todos ao mesmo tempo. O espírito militar não significa (como Carlyle pensava) obedecer ao mais forte e mais sábio. Ao contrário, o espírito militar significa, se é que significa algo, obedecer ao mais fraco e tolo, obedecê-lo unicamente porque Ele é um homem, e não mil homens. Submeter-se a um homem fraco é disciplina. Submeter-se a um homem forte é apenas servilismo.
Agora, pode-se facilmente demonstrar que o que chamamos de aristocracia na Europa não é, em sua origem e espírito, uma aristocracia de fato. Não é um sistema de graus espirituais e distinções como, por exemplo, o sistema de castas da Índia, ou mesmo como a antiga distinção grega entre homens livres e escravos. Trata-se simplesmente dos resquícios de uma organização militar, formada em parte para sustentar o decadente Império Romano, e em parte para enfrentar e vingar o terrível avanço do islamismo. A palavra “Duque” simplesmente significa “Coronel”, assim como a palavra “Imperador” significa “Comandante-em-Chefe”. Toda a história é contada no título de “Condes do Sacro Império Romano”, que significa apenas oficiais do exército europeu contra o que à época se via como o Perigo Amarelo. Agora, num exército, ninguém jamais supõe que a diferença de patente representa uma diferença de realidade moral. Ninguém jamais diz sobre um regimento: “Seu Major é muito espirituoso e enérgico; seu Coronel, é claro, deve ser ainda mais espirituoso e ainda mais enérgico.” Ninguém jamais diz, ao relatar uma conversa no refeitório: “O Tenente Jones foi muito espirituoso, mas naturalmente inferior ao Capitão Smith.” A essência de um exército é a ideia de desigualdade oficial, fundada sobre igualdade não oficial. O Coronel não é obedecido porque é o melhor homem, mas porque é o Coronel. Tal foi, provavelmente, o espírito do sistema de duques e condes quando surgiu, a partir do espírito e das necessidades militares de Roma. Com o declínio dessas necessidades, ele foi gradualmente perdendo seu significado como organização militar e tornando-se corrompido pela plutocracia. Mesmo agora, não se trata de uma aristocracia espiritual – não é tão ruim assim. É apenas um exército sem inimigo – alojado às custas do povo.
O ser humano, portanto, tem tanto um aspecto especializado quanto um aspecto de camaradagem; e o caso do militarismo não é o único exemplo de submissão especializada. O caldeireiro e o alfaiate, assim como o soldado e o marinheiro, exigem certa rigidez e rapidez de ação: pelo menos, se o caldeireiro não é organizado, isso explica em grande parte por que ele não realiza seu trabalho em larga escala. O caldeireiro e o alfaiate frequentemente representam as duas raças nômades da Europa: o cigano e o judeu; mas só o judeu tem influência, porque só ele aceita algum tipo de disciplina. O ser humano, dizemos, tem dois lados: o lado especializado, em que deve haver subordinação, e o lado social, em que deve haver igualdade. Há verdade na frase de que dez alfaiates fazem um homem; mas devemos lembrar também que dez Poetas Laureados ou dez Astrônomos Reais também fazem um homem. Dez milhões de comerciantes fazem a própria Humanidade; mas a humanidade é feita de comerciantes quando eles não estão falando de negócios. Agora, o perigo peculiar do nosso tempo, que chamo, para efeito de argumentação, de Imperialismo ou Cesarismo, é o eclipse completo da camaradagem e da igualdade pela especialização e dominação.
Só há dois tipos de estrutura social concebíveis – governo pessoal e governo impessoal. Se Meus amigos anarquistas não quiserem regras – terão governantes. Preferir o governo pessoal, com sua flexibilidade e tato, é o que se chama de Monarquismo. Preferir o governo impessoal, com seus dogmas e definições, é o que se chama de Republicanismo. Opor-se amplamente tanto a reis quanto a credos é o que se chama de Tolice; pelo menos, não conheço palavra mais filosófica para isso. Você pode ser guiado pela astúcia ou presença de espírito de um governante, ou pela igualdade e justiça verificável de uma regra; mas deve ter um ou outro, ou não será uma nação, mas uma confusão deplorável. Agora, os homens, em seu aspecto de igualdade e debate, adoram a ideia de regras; eles as desenvolvem e complicam enormemente, até o excesso. Um homem encontra muito mais regulamentos e definições em seu clube, onde há regras, do que em sua casa, onde há um governante. Uma assembleia deliberativa, como a Câmara dos Comuns, por exemplo, leva essa formalidade ao ponto de uma loucura metódica. Todo o sistema é rígido com uma irracionalidade inflexível; como a Corte Real em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Seria de se esperar que o Presidente da Câmara falasse; portanto, Ele geralmente permanece em silêncio. Seria de se esperar que um homem tirasse o chapéu para parar e o colocasse para sair; portanto, Ele tira o chapéu para sair e o coloca para permanecer. Nomes são proibidos, e um homem deve chamar seu próprio pai de “meu ilustre amigo, o membro por West Birmingham”. Estes são, talvez, delírios do declínio: mas, fundamentalmente, satisfazem um apetite masculino. Os homens sentem que regras, mesmo irracionais, são universais; sentem que a lei é igual, mesmo quando não é equitativa. Há uma justiça selvagem nessa coisa – assim como há no cara ou coroa.
Mais uma vez, é profundamente lamentável que, quando os críticos atacam casos como o da Câmara dos Comuns, seja sempre nos pontos (talvez os poucos pontos) em que a Câmara está certa. Eles denunciam a Câmara como um “clube de conversa” e se queixam de que perde tempo em labirintos de palavras. Ora, este é justamente um aspecto em que a Câmara realmente se assemelha ao Povo Comum. Se eles apreciam o lazer e o longo debate, é porque todos os homens gostam disso; nisso, eles realmente representam a Inglaterra. Nesse ponto, o Parlamento se aproxima das virtudes viris da taberna.
A verdade real é aquela esboçada na seção introdutória, quando falamos do senso de lar e de propriedade, assim como agora falamos do senso de conselho e de comunidade. Todos os homens naturalmente amam a ideia de lazer, de riso, de debate alto e igualitário; mas há um espectro em nosso salão. Estamos conscientes do imenso desafio moderno que se chama especialização ou competição feroz – o Negócio. O Negócio não quer ter nada a ver com lazer; o Negócio não tem trato com a camaradagem; o Negócio não pretende ter paciência com todas as ficções legais e os obstáculos fantásticos com os quais a camaradagem protege seu ideal igualitário. O milionário moderno, ao executar a tarefa agradável e típica de demitir o próprio pai, certamente não se referirá a ele como “o respeitável funcionário da Rua Laburnum, em Brixton”. Por isso, surgiu na vida moderna uma moda literária que se dedica ao romance dos negócios, aos grandes semideuses da ganância e à terra encantada das finanças. Essa filosofia popular é completamente despótica e antidemocrática; essa moda é a flor daquele cesarismo contra o qual me preocupo em protestar. O milionário ideal é forte por possuir um cérebro de aço. O fato de que o milionário real seja, com mais frequência, forte por possuir uma cabeça de madeira não altera o espírito e a tendência dessa idolatria. O argumento essencial é: “Especialistas devem ser déspotas; os homens devem ser especialistas. Não se pode ter igualdade numa fábrica de sabão; logo, não se pode tê-la em lugar algum. Não se pode ter camaradagem num cartel do trigo; logo, não se pode tê-la de forma alguma. Devemos ter uma civilização comercial; portanto, devemos destruir a democracia.” Sei que os plutocratas raramente têm imaginação suficiente para alçar voo rumo a exemplos como o sabão ou o trigo. Eles geralmente se limitam, com louvável frescor de espírito, a comparar o Estado com um navio. Um escritor antidemocrático observou que não gostaria de navegar em uma embarcação onde o grumete tivesse voto igual ao do capitão. Poder-se-ia facilmente argumentar, em resposta, que muitos navios (o Victoria, por exemplo) afundaram porque um almirante deu uma ordem que um grumete teria percebido como errada. Mas essa é uma réplica de debate; o erro essencial é ao mesmo tempo mais profundo e mais simples. O fato elementar é que todos nós nascemos em um Estado; nem todos nós nascemos em um navio – como alguns dos nossos grandes banqueiros britânicos. Um navio ainda continua sendo uma experiência especializada, como um escafandro ou um dirigível: em tais perigos peculiares, a necessidade de prontidão constitui a necessidade de autocracia. Mas nós vivemos e morremos na embarcação do Estado; e, se não pudermos encontrar liberdade, camaradagem e o elemento popular no Estado, não poderemos encontrá-los em parte alguma. E a doutrina moderna do despotismo comercial significa que não os encontraremos em parte alguma. Nossos ofícios especializados, em seu estado altamente civilizado, não podem (diz-se) funcionar sem toda a brutalidade da chefia e da demissão, “velho demais aos quarenta” e todo o resto da sujeira. E eles devem funcionar, e por isso chamamos César. Ninguém além do Super-Homem poderia rebaixar-se a realizar tal trabalho sujo.
Ora (para reiterar meu título), isso é o que está errado. Essa é a enorme heresia moderna de adaptar a alma humana às condições, em vez de adaptar as condições humanas à alma humana. Se a fabricação de sabão realmente for incompatível com a fraternidade, pior para a fabricação de sabão – não para a fraternidade. Se a civilização realmente não puder coexistir com a democracia, pior para a civilização – não para a democracia. Certamente, seria muito melhor voltar às comunas rurais, se elas forem realmente comunas. Certamente, seria melhor viver sem sabão do que viver sem sociedade. Certamente, sacrificaríamos todos os nossos fios, engrenagens, sistemas, especializações, ciência física e finanças frenéticas por meia hora de felicidade como tantas vezes tivemos com companheiros numa taberna comum. Não digo que o sacrifício será necessário; apenas digo que será fácil.
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G. K. Chesterton (O que há de errado com o mundo, 1908).