Philipp Jacob Spener (1635-1705), nascido em 13 de janeiro de 1635 em Rappoltsweiler, no coração da Alsácia, e falecido em 5 de fevereiro de 1705 em Berlim, foi um teólogo luterano cuja influência moldou profundamente o protestantismo alemão. Reconhecido como o principal expoente do Pietismo, Spener combinou um zelo reformador com uma espiritualidade prática, centrada na vivência autêntica da fé cristã. Além de sua relevância teológica, destacou-se como o mais proeminente genealogista do século XVII e fundador da heráldica científica, demonstrando um rigor intelectual que atravessou disciplinas. Sua vida, marcada por um compromisso com a renovação da Igreja e a promoção de uma piedade pessoal, reflete a busca por harmonizar doutrina ortodoxa com uma prática cristã transformadora.
Filho de Johann Philipp Spener, administrador da corte dos senhores de Rappoltstein, e Agata Saltzmann, Philipp cresceu em um ambiente de sólida formação cristã e cultural. Educado no castelo de Rappoltstein, teve contato precoce com textos puritanos e com as obras de Johann Arndt, cuja ênfase no “verdadeiro cristianismo” o influenciou profundamente. Entre 1651 e 1659, estudou filosofia, história e teologia em Estrasburgo, obtendo o grau de Magister Artium com uma dissertação sobre a obra de Thomas Hobbes. Seu interesse pela genealogia e heráldica, desenvolvido sob a orientação de Johann Heinrich Boeckler, rivalizava com sua dedicação teológica. Influenciado por professores como Johann Conrad Dannhauer, Spener absorveu uma teologia positiva, mas divergiu de seu mestre ao rejeitar a polemica aristotélica e abraçar a espiritualidade de Arndt. Viagens de estudo a Basileia e Genebra, onde conheceu o reformador Jean de Labadie, ampliaram sua visão, culminando em sua ordenação como pregador no Münster de Estrasburgo em 1663 e em seu doutorado em teologia no ano seguinte, quando também se casou com Susanne Erhard, com quem teve onze filhos.
Em 1666, Spener assumiu o cargo de senior do ministério luterano em Frankfurt am Main, onde sua atuação marcou o início do Pietismo. Preocupado com a superficialidade da fé entre os fiéis, promoveu a introdução da confirmação, a observância do repouso dominical e a disciplina eclesiástica, além de fundar instituições para os pobres e órfãos. Suas pregações, que enfatizavam um cristianismo ativo e piedoso, geraram reações mistas: entusiasmo entre os que buscavam renovação e resistência de outros, que temiam uma ameaça à doutrina luterana da justificação pela fé. Em 1670, fundou os collegia pietatis, reuniões devocionais em sua casa que evoluíram para a Barfüßerkirche devido à crescente adesão. Essas “ecclesiolæ in ecclesia” buscavam fortalecer a fé pessoal sem romper com a Igreja luterana, embora alguns membros, como Johann Jakob Schütz, optassem pelo separatismo.
A obra seminal de Spener, Pia Desideria, publicada em 1675, consolidou sua visão reformadora. Inicialmente um prefácio às postilas de Arndt, o texto tornou-se uma obra autônoma devido à sua popularidade. Nele, Spener criticava a ignorância bíblica e os abusos na Igreja, propondo seis reformas: leitura intensiva da Bíblia, fortalecimento do sacerdócio universal, ênfase na prática cristã, redução de polêmicas confessionais, formação de pastores piedosos e pregação centrada na edificação. Inspirado por passagens como Romanos 11,25-26 e Apocalipse 18, Spener expressava a “esperança de tempos melhores”, uma visão escatológica que previa a conversão dos judeus e a queda da Igreja Romana, mas rejeitava o chiliasmo. Essa perspectiva, aliada à sua teologia da regeneração e renovação, tornou-o uma figura central do Pietismo, influenciando a ética protestante e a espiritualidade leiga.
Em 1686, Spener foi nomeado pregador da corte em Dresden, um dos cargos mais prestigiosos do luteranismo alemão. Lá, evitou formar novos collegia pietatis, focando em exercícios catequéticos e cultivando uma amizade com August Hermann Francke, que se tornaria um líder pietista. Divergências com o eleitor João Jorge III levaram-no a aceitar, em 1691, o cargo de reitor e conselheiro consistorial na Nikolaikirche de Berlim. Em Berlim, Spener defendeu o Pietismo contra críticas da ortodoxia luterana, publicando extensas correspondências teológicas, como Theologische Bedenken, e apoiou a fundação da Universidade de Halle, onde Francke desempenhou um papel central. Sua influência garantiu a nomeação de pastores pietistas em Brandemburgo, consolidando o movimento.
A teologia de Spener integrava a justificação luterana com a ênfase de Arndt na santificação. Para ele, a regeneração era um ato divino que transformava o crente, seguido pela renovação, um processo contínuo de crescimento espiritual. Embora defendesse a graça soberana, Spener insistia que a fé genuína produz frutos visíveis, criticando a confiança em uma ortodoxia estéril. Sua escatologia, centrada na esperança de uma Igreja renovada, contrastava com o pessimismo apocalíptico de sua época, inspirando um ativismo missionário voltado para judeus e pagãos. Ele via a missão como um imperativo bíblico, propondo métodos baseados na Palavra e no amor cristão.
Spener faleceu em 1705, sendo sepultado na Nikolaikirche. Seu legado perdurou através de discípulos como Francke e instituições como Halle. Os collegia pietatis deram origem aos modernos grupos de estudo bíblico, enquanto sua visão do sacerdócio universal influenciou a Reforma e a Aufklärung. Suas obras, incluindo extensas correspondências publicadas postumamente, continuam a ser estudadas, com edições críticas iniciadas no século XX. Spener, cuja fé luterana era vivida com fervor pessoal, permanece como o “pai do Neuprotestantismo”, um teólogo que uniu rigor doutrinário, espiritualidade prática e esperança na transformação da Igreja e do mundo.