21.julho.25
Os truques do meio ambiente
A única justificativa possível para este livro é que ele surgiu como resposta a um desafio. Até um tiro mal disparado é digno quando aceito num duelo. Quando publiquei, algum tempo atrás, uma série de artigos apressados, mas sinceros, intitulados “Hereges”, alguns críticos por cujo intelecto tenho grande respeito – especialmente o Sr. G. S. Street – observaram que era fácil para mim pedir que todos apresentassem suas teorias cósmicas, mas que eu mesmo evitava cuidadosamente oferecer qualquer exemplo dos meus preceitos. “Só começarei a me preocupar com sua filosofia”, disse Street, “quando o Sr. Chesterton nos apresentar a sua”. Talvez tenha sido uma sugestão imprudente feita a alguém pronto demais para escrever um livro sob o menor pretexto. De qualquer forma, ainda que Street tenha inspirado e, de certo modo, criado este livro, ele não é obrigado a lê-lo. Se o fizer, verá que, nestas páginas, tentei expressar – de modo vago e pessoal, por meio de uma sequência de imagens mentais, e não por deduções rigorosas – a filosofia em que acredito. Não a chamarei de “minha” filosofia; pois não fui eu quem a criou. Foi Deus e a humanidade que a formaram, e ela é que me formou.
Sempre tive vontade de escrever um romance sobre um navegador inglês que, errando seu trajeto, acabasse por redescobrir a Inglaterra, acreditando tratar-se de uma nova ilha nos mares do sul. Mas quase sempre estou ocupado demais ou simplesmente com preguiça para escrever essa bela história. Por isso, dou-a agora como exemplo para uma ilustração filosófica. Provavelmente muitos terão a impressão de que o homem que desembarcou (armado até os dentes e gesticulando para se comunicar), com a intenção de fincar a bandeira britânica num templo bárbaro que, na verdade, era o Pavilhão de Brighton, se sentiu um tolo. Não estou aqui para negar que ele tenha parecido tolo. Mas, se você acha que ele se sentiu tolo, ou que o senso de ridículo foi sua única ou principal emoção, então ainda não estudou com sensibilidade suficiente a rica natureza romântica do herói deste conto. O erro dele foi, de fato, um erro invejável – e ele sabia disso, se for o homem que penso. O que poderia ser mais prazeroso do que experimentar, no mesmo instante, todo o fascínio aterrador de viajar para o desconhecido junto com a segurança reconfortante de voltar para casa? O que seria melhor do que ter toda a emoção de descobrir a África do Sul sem a parte incômoda de precisar realmente desembarcar lá? O que poderia ser mais glorioso do que se preparar para conquistar New South Wales e, em seguida, perceber – entre lágrimas de alegria – que se trata apenas do sul do País de Gales? A mim, pelo menos, parece que essa é a principal questão filosófica – e, em certo sentido, é também a questão central deste livro. Como podemos experimentar, ao mesmo tempo, a surpresa de descobrir o mundo e a sensação de estar em casa nele? Como pode esta estranha cidade cósmica, com seus habitantes de muitas pernas e suas luminárias monstruosas e ancestrais – como pode este mundo nos proporcionar, ao mesmo tempo, o fascínio de algo exótico e o consolo e a dignidade de algo que nos pertence?
Mostrar que uma fé ou filosofia é verdadeira sob todos os aspectos seria uma tarefa muito ampla, mesmo para um livro muito maior que este. É necessário escolher um caminho de argumentação – e este é o que proponho aqui. Desejo apresentar minha fé como algo que responde particularmente a essa dupla necessidade espiritual: a mistura do familiar com o misterioso, que o cristianismo corretamente batizou de “romance”. Afinal, a própria palavra “romance” traz consigo o mistério e o antigo sentido de Roma. Todo aquele que quiser argumentar sobre qualquer coisa deve sempre começar deixando claro o que não pretende contestar. Além de explicar o que deseja provar, deve também deixar claro o que não pretende provar. O que não desejo demonstrar – o que proponho tomar como ponto comum entre mim e qualquer leitor razoável – é esse anseio por uma vida ativa e imaginativa, pitoresca e cheia de curiosidade poética, uma vida que, ao que tudo indica, sempre atraiu o homem ocidental. Se alguém disser que prefere a extinção à existência, ou que uma existência sem cor é melhor do que a variedade e a aventura, então essa pessoa não faz parte do público a quem me dirijo. Se alguém prefere o nada, não tenho nada a oferecer. Mas quase todas as pessoas que conheci nesta sociedade ocidental onde vivo concordam com a ideia geral de que precisamos de uma vida com esse toque de romance prático – a combinação entre algo surpreendente e algo seguro. Precisamos enxergar o mundo de maneira que ele nos transmita tanto um senso de maravilha quanto um sentimento de acolhimento. Precisamos ser felizes neste país das maravilhas sem que isso signifique apenas estarmos confortáveis. Essa é precisamente a conquista do meu credo que pretendo explorar ao longo destas páginas.
Tenho uma razão especial para mencionar o homem de um iate que “descobriu” a Inglaterra – porque esse homem sou eu. Eu descobri a Inglaterra. Não vejo como este livro poderia evitar ser pessoal; e, sendo honesto, também não vejo como poderia deixar de ser um tanto repetitivo. Mas, por mais tolo que seja, essa tolice me livra da acusação que mais me incomodaria: a de irreverência. O que mais desprezo é o mero jogo de palavras; e talvez seja justamente por isso que quase sempre sou acusado disso. Nada me parece tão desprezível quanto um paradoxo vazio – uma engenhosa tentativa de defender o indefensável. Se for verdade, como já disseram, que Bernard Shaw vive de paradoxos, então ele deveria ser apenas mais um milionário comum – afinal, um homem com sua agilidade mental pode inventar um sofisma a cada seis minutos. Isso é tão fácil quanto mentir; porque, no fundo, é mentir.
A verdade é que Bernard Shaw, na realidade, sofre da infeliz limitação de não conseguir dizer uma mentira sem acreditar que é verdade. E eu me vejo submetido à mesma prisão. Jamais disse algo apenas porque era engraçado; embora, como qualquer um, já tenha sentido aquela vaidade comum de achar engraçado só porque fui eu quem disse. Uma coisa é descrever um encontro com uma górgona ou um grifo – criaturas que não existem. Outra coisa é descobrir que o rinoceronte existe e alegrar-se com o fato de que ele parece algo que não deveria existir. Buscamos a verdade, mas talvez façamos isso com uma inclinação inconsciente pelas verdades mais improváveis.
Ofereço, portanto, este livro com sincera boa vontade a todas as pessoas bem-humoradas que detestam o que escrevo e o consideram – com razão, pelo que sei – uma bobagem ou uma piada cansativa.
Porque, se este livro for uma piada, é uma piada sobre mim mesmo. Sou eu o homem que, com a maior ousadia, acreditou ter descoberto o que já estava descoberto. Se há um toque de farsa nesta história, é uma farsa às minhas custas. Este livro conta como eu achei que era o primeiro a chegar a Brighton, apenas para perceber que era o último. Narra minhas aventuras patéticas em busca do que estava bem diante de mim. Ninguém pode achar tudo isso mais ridículo do que eu mesmo. Nenhum leitor poderá dizer que tentei enganá-lo: sou eu o tolo da história, e nenhum revolucionário me tomará esse trono.
Confesso, sem reservas, todas as minhas pretensões juvenis do fim do século 19. Como tantos outros garotos solenes, tentei ir além do meu tempo. Como eles, tentei chegar dez minutos antes da verdade – e descobri que ela havia passado por ali mil e oitocentos anos antes. Gritei minhas convicções com exagero juvenil, e fui punido de maneira justa e divertida: descobri que eram mesmo verdades – mas que não eram minhas. Quando achei que estava só, descobri que tinha a cristandade inteira me dando apoio. Que o céu me perdoe, mas tentei ser original – e tudo o que fiz foi recriar, de forma inferior, as velhas tradições da religião civilizada. O homem do iate achou que tinha descoberto a Inglaterra. Eu achei que tinha descoberto a Europa. Tentei fundar minha própria heresia e, quando dei os retoques finais, percebi que era ortodoxia.
Talvez alguém se divirta com o relato desse fiasco alegre. Pode ser engraçado para um amigo ou mesmo um crítico acompanhar como fui percebendo, pouco a pouco, a verdade de uma antiga lenda ou a falsidade de uma filosofia moderna – coisas que eu teria aprendido no catecismo, se o tivesse aprendido. Pode haver algum interesse em ver como, no fim, encontrei em um clube anarquista ou em um templo pagão o que eu poderia ter encontrado na igreja da esquina. Se alguém gosta de ler como flores no campo, frases em ônibus, acasos da política ou dores da juventude se alinharam de modo a formar em mim uma convicção sobre a ortodoxia cristã, que leia este livro. Mas, convenhamos, existe uma divisão justa de tarefas: eu escrevi o livro – e nada neste mundo me faria lê-lo.
Deixo aqui, por fim, uma nota propositalmente pedante – e como toda nota deveria, ela vem no início. Estes ensaios não tentam resolver o complexo problema de qual é hoje a autoridade legítima para proclamar o credo cristão. Eles se limitam a afirmar que o núcleo da teologia cristã – tal como está resumido no Credo dos Apóstolos – é o alicerce mais sólido para uma vida energética e ética. Quando uso o termo “ortodoxia”, estou me referindo ao Credo dos Apóstolos – como sempre se entendeu até pouco tempo – e à conduta geral de quem o professava. Fui obrigado, por falta de espaço, a tratar apenas do que recebi desse credo. Não entrei na discussão, hoje tão controversa entre os cristãos, sobre onde exatamente se encontra sua origem. Este livro não é um tratado eclesiástico, mas uma espécie de autobiografia improvisada. Porém, se alguém quiser conhecer minhas opiniões sobre a autoridade real da Igreja, o Sr. G. S. Street só precisa me provocar mais uma vez – e escreverei outro livro para ele.
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G. K. Chesterton (Ortodoxia, 1908).
[1] George Slythe Street foi um crítico britânico, jornalista e romancista. Ele nasceu em Wimbledon, Londres, em 18 de julho de 1867. Foi associado a William Ernest Henley e ao grupo de “contra-decadentes” do National Observer.