Aspectos Gerais
A Igreja Ortodoxa, também conhecida como Igreja Católica Ortodoxa, constitui uma das principais expressões do cristianismo, ao lado da Igreja Católica Romana e das comunidades protestantes. Com cerca de 230 milhões de fiéis batizados, ela se organiza como uma comunhão de igrejas autocéfalas, cada uma governada por seus bispos em sínodos locais, sem uma autoridade central comparável ao papado. O Patriarca Ecumênico de Constantinopla é reconhecido como primus inter pares, uma posição de honra que não implica jurisdição universal, distinta do papel exercido pelo patriarca romano antes do cisma de 1054. Como uma das instituições religiosas mais antigas ainda em atividade, a Igreja Ortodoxa desempenhou um papel fundamental na formação histórica e cultural do Leste e Sudeste Europeu, com sua influência ainda marcante em nações como Rússia, Ucrânia, Romênia e Grécia.
A teologia ortodoxa fundamenta-se nas Sagradas Escrituras e na tradição sagrada, que engloba os decretos dogmáticos dos sete concílios ecumênicos e os ensinamentos dos Pais da Igreja. A Igreja proclama ser a única, santa, católica e apostólica, instituída por Jesus Cristo em sua Grande Comissão, com seus bispos como sucessores diretos dos apóstolos. Ela preserva a fé cristã original, transmitida pela tradição, e organiza-se em patriarcados que remontam à pentarquia, além de outras igrejas autocéfalas e autônomas. Sete sacramentos, chamados de santos mistérios, são reconhecidos, com a Eucaristia ocupando lugar central, celebrada na liturgia da sinaxe, onde o pão e o vinho, por consagração sacerdotal, tornam-se o corpo e sangue de Cristo. A Virgem Maria, venerada como Theotokos, a Mãe de Deus, recebe especial devoção como portadora do divino.
Historicamente, as igrejas de Constantinopla, Alexandria, Jerusalém e Antioquia mantiveram comunhão com Roma até o Grande Cisma de 1054, resultado de disputas teológicas, políticas e culturais, especialmente sobre a autoridade papal. Antes disso, a Igreja do Oriente e as Igrejas Ortodoxas Orientais se separaram, em 431 e 451, respectivamente, devido a divergências cristológicas. A Ortodoxia Oriental é predominante em países como Rússia, Ucrânia, Romênia, Grécia e Sérvia, com comunidades significativas no Oriente Médio e diásporas em regiões como América do Norte, Europa Ocidental e Austrália, formadas por migrações, conversões e atividades missionárias. Contudo, as comunidades ortodoxas no Norte da África e no Mediterrâneo Oriental têm diminuído devido à perseguição religiosa e à emigração forçada.
A Igreja Ortodoxa define-se pela adesão aos sete concílios ecumênicos – Niceia I, Constantinopla I, Éfeso, Calcedônia, Constantinopla II, Constantinopla III e Niceia II – e pela rejeição da supremacia papal universal. O Concílio Quinisexto é considerado complementar ao terceiro concílio de Constantinopla, e há perspectivas de que o concílio de 879, que reivindicou o Patriarca Fócio, possa ser reconhecido como o oitavo concílio ecumênico. O rito bizantino é predominante, embora o rito ocidental seja praticado em algumas comunidades, como no vicariato da Igreja Ortodoxa Antioquena. A universalidade da Igreja é expressa no termo “católica”, conforme o Credo Niceno, e o nome oficial, Igreja Católica Ortodoxa, reflete essa identidade. O termo “grega” foi historicamente usado, especialmente antes do cisma, devido à prevalência do idioma grego no Império Bizantino, mas hoje a maioria dos fiéis não utiliza o grego na liturgia.
A fé ortodoxa enfatiza a inseparabilidade entre crença e culto, expressa na palavra “ortodoxia”, que combina os termos gregos orthos (correto) e doxa (crença ou glória). A liturgia e a oração são vistas como manifestações da verdadeira fé, unindo a Igreja a Cristo em um ato contínuo de glorificação. A tradição sagrada, mantida pelo Espírito Santo, assegura a continuidade da fé através do tempo e das culturas, sendo vivida pelos fiéis como uma partilha dinâmica, não como um conjunto estático de regras. A Igreja considera que a doutrina só pode ser plenamente compreendida quando vivida e orada, rejeitando a ideia de uma teologia meramente racional ou desvinculada da prática espiritual.
A catolicidade da Igreja Ortodoxa é entendida como sua universalidade, centrada em Cristo, não em uma sé episcopal específica, como ocorre no catolicismo romano. Desde os primeiros séculos, a Igreja se autodenomina “católica”, no sentido de ser una, santa e universal, conforme expresso por Inácio de Antioquia no início do segundo século. Após o cisma de 1054, tanto a Igreja Ortodoxa quanto a Católica Romana mantiveram o termo “católica” em seus títulos, refletindo a crença de cada uma em ser a verdadeira continuação da Igreja primitiva. A comunhão plena, para os ortodoxos, exige unidade total em fé e prática, algo que permanece incompleto com outras denominações cristãs.
A história da Igreja Ortodoxa remonta às comunidades cristãs fundadas pelos apóstolos no Império Romano, como em Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Roma. A conversão de Constantino I em 312 marcou um ponto de virada, permitindo a expansão do cristianismo apesar das perseguições iniciais. Os concílios ecumênicos, convocados para resolver disputas teológicas, definiram os fundamentos da fé ortodoxa, como a natureza trinitária de Deus e a dupla natureza de Cristo. Constantinopla, como “Nova Roma”, tornou-se o centro da civilização cristã ortodoxa, com a Hagia Sophia simbolizando sua influência arquitetônica e espiritual até sua conversão em mesquita após a queda do Império Bizantino em 1453.
A cristianização dos eslavos, iniciada por Cirilo e Metódio no século IX, foi um marco na expansão da Ortodoxia. A criação do alfabeto cirílico e a tradução da liturgia para línguas locais facilitaram a conversão de povos como os búlgaros e os russos, com a Igreja Russa tornando-se a maior comunidade ortodoxa. O cisma de 1054, intensificado pela Quarta Cruzada em 1204, marcou a ruptura definitiva com Roma, agravada por fatores políticos e culturais. Tentativas de reunião, como nos concílios de Lyon (1274) e Florença (1439), falharam devido à resistência dos fiéis ortodoxos e à subsequente dominação otomana.
Sob o Império Otomano, a Igreja Ortodoxa Grega obteve autonomia como um millet, governando os cristãos ortodoxos do império. Apesar das restrições, manteve influência significativa até o início do século XX, quando movimentos nacionalistas e eventos como o genocídio grego em 1922 levaram a perseguições e ao êxodo de comunidades cristãs. Na Rússia, a Igreja Ortodoxa floresceu até o século XVII, quando reformas do Patriarca Nikon causaram o cisma dos Velhos Crentes. Após a Revolução Bolchevique de 1917, a Igreja enfrentou repressão severa, com milhares de clérigos executados e igrejas destruídas, embora tenha sido parcialmente restaurada durante a Segunda Guerra Mundial para fins patrióticos.
Desde a queda do comunismo, a Ortodoxia experimentou um renascimento, especialmente na Rússia, onde a proporção de cristãos ortodoxos cresceu de 31% em 1991 para 72% em 2008. Contudo, a observância religiosa permanece baixa, com apenas 6% dos russos frequentando a igreja semanalmente. Conflitos recentes, como o cisma de 2018 entre Moscou e Constantinopla, decorrente da concessão de autocefalia à Igreja Ortodoxa da Ucrânia, destacam tensões jurisdicionais. A Igreja Ortodoxa permanece uma comunhão de igrejas autocéfalas, com o Patriarca de Constantinopla como primeiro entre iguais, mas sem autoridade direta sobre as demais.
A organização da Igreja reflete sua natureza descentralizada, com bispos governando territórios específicos e sínodos locais administrando questões regionais. Os concílios ecumênicos, embora raros na era moderna, continuam a ser a autoridade suprema para questões de fé. A Igreja Ortodoxa mantém um forte compromisso com a tradição, expresso em sua liturgia, arte e práticas espirituais, enquanto enfrenta desafios contemporâneos, como a globalização e o diálogo ecumênico com outras denominações cristãs. Sua teologia, enraizada na experiência mística e na continuidade apostólica, permanece um testemunho vivo da fé cristã primitiva.
Igreja Apostólica Armênia
A Igreja Apostólica Armênia, igreja nacional autocéfala da Armênia, destaca-se como uma das mais antigas comunidades cristãs do mundo, enraizada na tradição ortodoxa oriental. Seguindo o rito armênio, compartilha laços históricos com a Igreja Católica Armênia, mas mantém sua independência doutrinária e administrativa. A Armênia, sob o rei Tiridates III da dinastia arsácida, tornou-se o primeiro estado a adotar o cristianismo como religião oficial no início do século IV, um marco que moldou sua identidade espiritual e cultural.
A tradição atribui a fundação da Igreja às missões dos apóstolos Bartolomeu e Tadeu no século I. Tadeu, segundo a narrativa, curou o rei Abgar V de Edessa da lepra com a Imagem de Edessa, convertendo-o em 30 d.C. Ele prosseguiu evangelizando a Armênia, convertendo a filha do rei Sanatruk, que, junto com Tadeu, foi martirizada quando Sanatruk renegou a fé. Bartolomeu, por sua vez, trouxe um retrato da Virgem Maria, fundando um convento em um antigo templo pagão e convertendo a irmã de Sanatruk, também martirizada. Ambos ordenaram bispos locais antes de suas execuções, e outros armênios foram ordenados fora do país por Tiago, o Justo. Apesar de alguns estudiosos questionarem a historicidade da conversão de Abgar, a tradição permanece central para a identidade da Igreja.
A conversão oficial da Armênia ocorreu entre 300 e 301, sob Tiridates III, influenciado por Gregório, o Iluminador, que se tornou o primeiro Católico da Igreja. Perseguições anteriores, sob reis como Axidares e Khosrov I, não impediram a penetração do cristianismo, presente desde o século III. Gregório, consagrado em Cesareia, destruiu santuários pagãos, construiu igrejas e ordenou clérigos, consolidando a fé. Uma visão divina levou-o a fundar a catedral de Etchmiadzin, em Vagharshapat, renomeada como “o lugar da descida do Unigênito”, que permanece o coração espiritual da Igreja.
Nos primeiros séculos, a Igreja Armênia participou do mundo cristão mais amplo, subordinada ao bispo de Cesareia. Seus católicos estiveram representados no Concílio de Niceia (325) e no Concílio de Constantinopla (381). Em 335, Vrtanes I buscou orientações litúrgicas do bispo Macário de Jerusalém, revelando práticas armênias influenciadas pelo rito sírio oriental. Apesar da consagração em Cesareia, a Igreja desenvolveu o rito armênio, uma síntese de influências bizantinas e antioquenas, adaptada à ausência de um alfabeto próprio, com clérigos aprendendo grego e siríaco.
No século V, a criação do alfabeto armênio por Mesrop Mashtots, por volta de 405, marcou um renascimento cultural. A tradução da Bíblia e de obras litúrgicas, históricas e filosóficas para o armênio fortaleceu a identidade cristã e literária. Embora ausente do Concílio de Éfeso (431), o Católico Isaac Part’ew endossou suas decisões. Contudo, o Concílio de Calcedônia (451) gerou tensões devido à sua fórmula diofisita, rejeitada pelos armênios em favor do miafisismo, que professa a união das naturezas divina e humana em uma única natureza encarnada de Cristo.
A independência doutrinária foi formalizada no Primeiro Concílio de Dvin (506), que reuniu bispos armênios, georgianos e albaneses caucasianos para reafirmar a posição miafisita. Em 609-610, o Terceiro Concílio de Dvin marcou a cisão com a Igreja Georgiana, que aceitou Calcedônia, enquanto os armênios mantiveram sua cristologia. A Igreja Albanesa permaneceu sob jurisdição armênia, mas em comunhão com os georgianos. O miafisismo, distinto do monofisismo de Eutiques, enfatiza a unidade sem confusão das naturezas de Cristo, alinhando-se à teologia de Cirilo de Alexandria.
No século XX, a Igreja enfrentou desafios significativos. Em 1903, o governo tsarista russo tentou confiscar suas propriedades, gerando resistência. Durante o genocídio armênio (1915-1923), a Igreja sofreu perdas devastadoras, mas em 2015 canonizou as vítimas, em um serviço considerado o maior da história, reconhecendo entre 700 mil e 1,8 milhão de mártires. Esse evento, o primeiro em quatro séculos, reforçou o papel da Igreja como guardiã da memória nacional.
A Igreja Apostólica Armênia é estruturada em dois catolicosatos: o de Etchmiadzin, liderado pelo Católico de Todos os Armênios, e o da Grande Casa de Cilícia, em Antelias, Líbano, desde 1930, subordinado espiritualmente ao primeiro. Dois patriarcados, em Jerusalém e Constantinopla, também operam sob a jurisdição de Etchmiadzin, administrando comunidades em Israel e Turquia. A Igreja mantém eparquias em regiões como Aragatsotn, Syunik e Artsakh, além de dioceses na diáspora, incluindo Europa, Américas e Oriente Médio. O Catolicosato de Cilícia supervisiona prelazias em locais como Beirute, Alepo e Nova York.
A Igreja não ordena mulheres ao sacerdócio, mas historicamente consagrou diaconisas em conventos, usando o mesmo rito que para homens, com funções litúrgicas como cantar o Evangelho. A última diaconisa monástica, Hripsime Sasounian, faleceu em 2007, e em 2017 Ani-Kristi Manvelian foi ordenada diaconisa paroquial em Teerã, a primeira em séculos. Mulheres servem como coristas, leitoras leigas e membros de conselhos paroquiais, enquanto esposas de padres casados, chamadas Yeretzgin, desempenham papéis ativos nas paróquias. O divórcio é permitido em casos de adultério ou apostasia, com possibilidade de novo casamento.
A Igreja mantém um programa de capelania militar desde 1997, com mais de 50 clérigos servindo as Forças Armadas da Armênia. Financiado pelo Ministério da Defesa e pela Igreja, o programa organiza orações e palestras, com capelães participando de desfiles nacionais desde 2011. Na Armênia, a Constituição reconhece a Igreja como a instituição nacional que preserva a identidade cultural e espiritual, embora críticos, como Hranush Kharatyan, questionem a constitucionalidade dessa designação. Propostas de 2009 para restringir o proselitismo de grupos não apostólicos geraram debates sobre liberdade religiosa.
Em Artsakh, após a ocupação soviética, a Igreja retomou atividades na década de 1980, realizando casamentos, batismos e liturgias. Desde 1989, restaurou ou construiu mais de 30 igrejas globalmente. Uma lei de 2009 em Artsakh limitou a pregação à Igreja Apostólica, exigindo aprovação governamental para outras religiões, refletindo seu papel central na região. Contudo, a crise de 2023, com a ofensiva azerbaijana, impactou severamente as comunidades cristãs locais.
A diáspora armênia mantém vibrantes congregações globais. Em 2024, a Igreja contava com 600 mil membros na América do Norte, 25 mil na Europa e 10 mil na América do Sul. No Líbano, com uma influente comunidade armênia, há mais de 17 igrejas. O Patriarcado de Constantinopla, em Istambul, e a Igreja Armênia no Irã representam as maiores minorias cristãs nesses países muçulmanos. No Reino Unido, igrejas como São Sarkis e São Yeghiche, em Londres, e a Santíssima Trindade, em Manchester, atendem a comunidade. Na Etiópia, uma igreja armênia existe desde os anos 1920, embora com poucos membros atualmente.
A Igreja é vista como a guardiã da identidade armênia, com 82% dos armênios em 2018 considerando o cristianismo essencial à sua nacionalidade, e 79% identificando-se com a Igreja em 2024. Contudo, enfrenta críticas por sua proximidade com o governo armênio, especialmente sob os presidentes Kocharyan e Sargsyan, e por escândalos envolvendo líderes como o arcebispo Navasard Ktchoyan, acusado de lavagem de dinheiro em 2013. Críticas também apontam para a negligência de igrejas históricas e a construção de novos templos em detrimento de questões sociais.
Na Idade Média, opositores como os paulicianos e tondrakians desafiaram a Igreja, enquanto conflitos com governantes seculares, como a deposição do Católico Petros em 1037, geraram tensões. Historiadores como Samvel Karapetyan criticaram a Igreja por suposta subserviência a invasores, embora sua resiliência durante dominações persa e otomana tenha sustentado movimentos de libertação armênios.
A liturgia armênia, enriquecida pelo alfabeto de Mashtots, reflete uma síntese de tradições sírias e bizantinas. A Igreja mantém práticas como a separação de gênero nos cultos, o uso de véus por mulheres e jejuns rigorosos. Sua cristologia miafisita, centrada na unidade das naturezas de Cristo, permanece o alicerce teológico, distinguindo-a das igrejas calcedonianas. Diálogos ecumênicos recentes com igrejas católicas e ortodoxas orientais buscam superar divisões históricas, reconhecendo convergências teológicas.
Igreja Ortodoxa Copta
A Igreja Ortodoxa Copta, também conhecida como Patriarcado Ortodoxo Copta de Alexandria, é uma das expressões mais antigas e veneráveis do cristianismo, profundamente enraizada na história e na cultura do Egito. Seu líder, o Papa de Alexandria, ocupa a Sé Apostólica de São Marcos, sendo reconhecido como Pai dos pais, Pastor dos pastores, Juiz Ecumênico e o décimo terceiro entre os Apóstolos. Essa dignidade reflete não apenas a autoridade espiritual, mas também a continuidade de uma tradição que remonta aos primórdios da fé cristã.
A sede titular de Alexandria, embora historicamente significativa, tem sua base operacional na Catedral Ortodoxa Copta de São Marcos, localizada no distrito de Abbassia, no Cairo. A Igreja segue o Rito Copta, uma liturgia rica em simbolismo e tradição, que preserva elementos devocionais e espirituais únicos. Os fiéis dessa Igreja representam a maior comunidade cristã do Egito, constituindo a principal minoria religiosa do país e a maior população cristã do Oriente Médio e do Norte da África, com cerca de 10 milhões de membros.
A fundação da Igreja remonta ao século I, atribuída a São Marcos, o evangelista, por volta do ano 42 d.C. A tradição copta considera sua história como cumprimento de profecias do Antigo Testamento, reforçando a centralidade de sua missão espiritual. No entanto, divergências teológicas sobre a natureza de Cristo levaram a um cisma com outras Igrejas Ortodoxas Orientais após o Concílio de Calcedônia, em 451 d.C., marcando a identidade distinta da Igreja Copta.
Após a conquista islâmica do Egito, a partir de 639 d.C., os cristãos coptas passaram a viver sob domínio muçulmano. No século XII, a sede patriarcal foi transferida de Alexandria para o Cairo, coincidindo com a consolidação dos coptas como minoria religiosa. Durante os séculos XIV e XV, o cristianismo núbio foi gradualmente substituído pelo islamismo. Nos séculos XIX e XX, os cristãos egípcios começaram a se identificar como ortodoxos coptas, distinguindo-se dos católicos coptas e dos ortodoxos gregos. Desde a revolução egípcia de 2011, os coptas enfrentam crescentes desafios, incluindo discriminação religiosa e episódios de violência.
A língua copta, herdeira direta do egípcio antigo, permanece como um pilar da identidade litúrgica. Derivada do alfabeto grego com caracteres demóticos adicionais, o dialeto boárico é usado nas celebrações religiosas. Embora o árabe, idioma oficial do Egito, seja amplamente falado pelos fiéis e utilizado em paralelo nos livros litúrgicos, o copto preserva a memória de uma língua que os invasores árabes tentaram suprimir. Essa preservação linguística é um testemunho da resiliência cultural e espiritual da comunidade.
A Escola Catequética de Alexandria, considerada a mais antiga instituição de ensino teológico do mundo, foi fundada, segundo a tradição, pelo próprio São Marcos. Restaurada em 1893, tornou-se um centro de formação teológica e intelectual, promovendo a interpretação alegórica das Escrituras e o diálogo entre a cultura grega e a fé cristã. Essa escola desempenhou um papel crucial na defesa da ortodoxia contra heresias, influenciando o desenvolvimento do pensamento cristão primitivo.
A participação da Igreja Copta nos concílios ecumênicos foi marcante. No Concílio de Niceia, em 325 d.C., o Papa Alexandre I de Alexandria liderou esforços para combater o arianismo, resultando na formulação do Credo Niceno. Em Constantinopla, em 381 d.C., o Papa Timóteo I presidiu o concílio que confirmou a divindade do Espírito Santo, completando o Credo. No Concílio de Éfeso, em 431 d.C., a Igreja defendeu a doutrina da Theotokos, afirmando Maria como Mãe de Deus contra as ideias de Nestório. Contudo, o Concílio de Calcedônia, em 451 d.C., marcou a ruptura com a cristandade calcedoniana, devido à adesão copta à cristologia miafisita, que enfatiza a unidade da natureza humana e divina de Cristo.
A invasão muçulmana do Egito, em 639 d.C., trouxe mudanças significativas. Apesar das dificuldades iniciais, como a destruição de cidades e a imposição de tributos mais altos aos cristãos, a Igreja Copta manteve sua influência. Durante a dinastia fatímida, a partir de 969, os cristãos gozaram de relativa tolerância, exceto durante o reinado de Al-Hakim, que impôs restrições severas. A transferência da sede patriarcal para o Cairo, no século XI, refletiu a necessidade de proximidade com o centro político do Egito.
A partir do século XIX, sob a dinastia de Maomé Ali, a situação dos coptas melhorou. A abolição do imposto jizya em 1855 e a integração de cristãos no exército egípcio marcaram avanços significativos. O Papa Cirilo IV, no mesmo período, fundou escolas modernas, incluindo a primeira escola para meninas no Egito, e estabeleceu uma imprensa copta, promovendo a educação e a cultura. A restauração da Escola Teológica de Alexandria, em 1893, consolidou a formação de clérigos, com campi hoje espalhados pelo mundo.
No século XX, a Igreja Copta expandiu sua influência. Em 1959, a Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo obteve sua autocefalia, seguida pela Igreja Ortodoxa Eritreia em 1998, ambas sob a liderança do Papa de Alexandria. Diálogos ecumênicos com as Igrejas Ortodoxas Orientais e Católicas intensificaram-se, culminando em acordos como o reconhecimento mútuo de batismos entre os patriarcados copta e grego de Alexandria em 2001. Durante a revolução egípcia de 2011, gestos de solidariedade, como a proteção de muçulmanos em oração pelos coptas na Praça Tahrir, simbolizaram a coexistência pacífica.
Apesar disso, a comunidade copta enfrenta perseguições contemporâneas. Desde 2011, ataques sectários resultaram na morte de centenas de fiéis e na destruição de propriedades. Casos de sequestro de mulheres e meninas cristãs também são relatados. Em 2015, o assassinato de 21 mártires coptas pelo Estado Islâmico na Líbia chocou o mundo, mas reforçou a fé da comunidade, com esses mártires sendo reconhecidos pela Igreja Católica em 2023.
Sob o Papa Shenouda III, de 1971 a 2012, a Igreja passou por reformas significativas. A codificação das leis sinodais, o aumento do número de bispos e a criação de instituições comunitárias, como hospitais e orfanatos, fortaleceram a estrutura eclesiástica. Shenouda também intensificou o engajamento político, defendendo os direitos dos coptas em um contexto de crescente islamismo. O atual Papa Tawadros II mantém uma postura menos política, priorizando o diálogo ecumênico e o apoio às instituições estatais.
A espiritualidade copta é marcada por uma rigorosa disciplina de jejuns e celebrações litúrgicas. Os fiéis observam entre 210 e 240 dias de jejum por ano, abstendo-se de carne e laticínios, incluindo períodos como a Quaresma e o Advento. A liturgia segue o breviário Agpeya, com orações em sete horas canônicas diárias, voltadas para o leste, em antecipação à Segunda Vinda de Cristo. As igrejas são projetadas para refletir essa orientação espiritual, e práticas como a purificação ritual e o uso de véus pelas mulheres durante a oração sublinham a reverência pela santidade.
As principais festas, como o Natal Copta, celebrado em 6 ou 7 de janeiro, e a Páscoa, são precedidas por jejuns e marcadas por profunda solenidade. Festas menores, como a Transfiguração e a Entrada no Egito, complementam o calendário litúrgico, que também honra mártires e figuras como a Virgem Maria. Essas celebrações reforçam a identidade copta, conectando a comunidade às suas raízes apostólicas.
A Igreja Copta mantém jurisdição sobre toda a África, com laços históricos com as Igrejas Ortodoxas Etíope e Eritreia. Sua diáspora, estimada em cerca de 1 milhão de fiéis, está presente em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália. No Sudão, entre 150 mil e 200 mil coptas preservam sua fé em meio a desafios. A administração eclesiástica é conduzida pelo Sínodo Sagrado, liderado pelo Papa, com bispos e clérigos organizados em uma hierarquia que assegura a continuidade da missão apostólica.
Igreja Ortodoxa da Eritréia
A Igreja Ortodoxa Tewahedo da Eritreia, uma das denominações da Ortodoxia Oriental, tem sua sede em Asmara e foi reconhecida como autocéfala em 1993 pelo Papa Shenouda III da Igreja Copta Ortodoxa de Alexandria, após a independência da Eritreia em relação à Etiópia. Esse vínculo histórico confere à Igreja Copta uma primazia honorífica, refletindo a partilha de tradições teológicas e litúrgicas. Cerca de metade da população eritreia é cristã, sendo quase 90% dos cristãos seguidores da Ortodoxia Oriental, enquanto a maioria restante é muçulmana.
A palavra “Tewahedo”, derivada do ge’ez, significa “unidade”, expressando a cristologia miafisita que define a Igreja, professando a união das naturezas divina e humana em uma única natureza encarnada de Cristo. Essa posição, compartilhada pelas igrejas ortodoxas orientais, como a Copta, a Armênia e a Síria, surgiu da rejeição ao Concílio de Calcedônia (451), que estabeleceu a doutrina das duas naturezas. Por isso, a Igreja é frequentemente chamada de não calcedônica, embora o termo “monofisita” seja impreciso e contestado, já que o miafisismo preserva a integridade das naturezas divina e humana.
A história da Igreja remonta aos primórdios do cristianismo na região do Reino de Aksum, onde o ge’ez era a língua dos primeiros cristãos. Apesar de tentativas de conversão ao catolicismo por missionários jesuítas no século XVI, como João Nunes Barreto, a tradição ortodoxa prevaleceu. Após a independência, a Igreja consolidou sua autonomia com a eleição de Abune Phillipos como primeiro patriarca em 1999, sucedido por Abune Yacob e Abune Antonios, este último entronizado em 2004 com a participação do Papa Shenouda III. Contudo, em 2005, Antonios foi limitado a funções cerimoniais e, em 2006, deposto pelo Sínodo sob alegada pressão governamental, sendo colocado em prisão domiciliar. Ele contestou a legitimidade da decisão, excomungando figuras envolvidas, como Yoftahe Dimetros. Abune Dioskoros assumiu como quarto patriarca até sua morte em 2015, seguido por Qerlos e, em dezembro de 2024, por Basilyos, eleito sexto patriarca, com entronização marcada para janeiro de 2025.
A Igreja professa os sete sacramentos: batismo, crismação, eucaristia, confissão, unção dos enfermos, matrimônio e ordens sagradas, considerando os quatro primeiros essenciais para todos os fiéis. A eucaristia é central, com a crença na presença real de Cristo, onde o pão e o vinho consagrados são verdadeiramente seu corpo e sangue. O matrimônio, embora indissolúvel em princípio, pode ser dissolvido por adultério, e casamentos civis não são reconhecidos como sacramentais, sendo desencorajada a união com não ortodoxos para preservar a fé.
A liturgia, tradicionalmente em ge’ez, reflete a herança aksumita, mas o tigrinya tem ganhado espaço nas celebrações, especialmente nos sermões, para maior acessibilidade. O cânon bíblico inclui 81 livros, idêntico ao da Igreja Etíope, com textos como Enoque, Jubileus e Meqabyan, distintos dos Livros dos Macabeus aceitos por outras igrejas ortodoxas. A Igreja mantém práticas que ecoam tradições judaicas e islâmicas, como a separação de homens e mulheres durante os cultos, a proibição de mulheres em período menstrual no templo e a obrigatoriedade de véus femininos, conforme 1 Coríntios 11. Antes de orar, os fiéis lavam mãos e rosto e retiram os sapatos, seguindo Êxodo 3:5, reconhecendo a santidade do espaço.
A observância do sábado, além do domingo, é uma característica marcante, enraizada nos Cânones Apostólicos e na Didascalia, embora o domingo receba maior ênfase devido à Ressurreição. Essa prática, distinta do judaísmo, envolve celebrações eucarísticas e momentos de comunhão. A Igreja não exige circuncisão, mas a prática cultural persiste, assim como a abstenção de carne suína, sem que tais costumes sejam vistos como necessários à salvação.
Igreja Ortodoxa Etíope
A Igreja Ortodoxa Tewahedo Etíope, a maior entre as Igrejas Ortodoxas Orientais, representa uma das mais antigas tradições cristãs da África, com raízes que precedem a colonização europeia. Sua história remonta à cristianização do Reino de Aksum, por volta de 330, e hoje reúne entre 36 e 51 milhões de fiéis na Etiópia, constituindo uma força espiritual e cultural central no país. Como membro fundador do Conselho Mundial de Igrejas, mantém comunhão com outras Igrejas Ortodoxas Orientais, incluindo a Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria, a Igreja Ortodoxa Tewahedo Eritreia, a Igreja Ortodoxa Síria Malankara, a Igreja Apostólica Armênia e a Igreja Ortodoxa Síria de Antioquia.
Até 1959, a Igreja Etíope esteve sob a administração da Igreja Copta de Alexandria, uma relação que remonta ao século IV. Nesse ano, o Papa Cirilo VI de Alexandria concedeu-lhe autocefalia, permitindo a eleição de seu próprio patriarca, um marco que consolidou sua independência eclesiástica. O termo "Tewahedo", derivado do ge’ez e significando "unificado", reflete a crença miafisita da Igreja, que professa a união perfeita das naturezas divina e humana em Cristo, formando uma única natureza sem separação ou confusão. Essa cristologia, articulada por Cirilo de Alexandria, rejeita a doutrina diofisita do Concílio de Calcedônia (451), que afirma duas naturezas distintas em Cristo, adotada pelas Igrejas Católica e Ortodoxa Oriental.
A fé miafisita sustenta que, na pessoa de Jesus Cristo, divindade e humanidade estão unidas em uma única natureza, consubstancial com Deus Pai, preservando as características de ambas sem alteração ou mistura. Essa posição levou ao rompimento com as igrejas calcedonianas, marcando a segunda grande cisão na Igreja Católica-Ortodoxa do Império Romano. Apesar de por vezes rotulada como monofisita, a Igreja Etíope rejeita esse termo, preferindo "miafisita" para enfatizar a unidade das naturezas de Cristo, em oposição às heresias de Eutiques e Nestório.
As origens do cristianismo na Etiópia remontam ao Novo Testamento, com a conversão de um oficial etíope, batizado por Filipe, o Evangelista, conforme narrado em Atos 8:26-27. Essa figura, um eunuco da rainha Candace, simboliza o início da fé cristã na região. Tradições posteriores sugerem missões apostólicas, com menções de Mateus e Bartolomeu pregando na Etiópia, conforme relatado por escritores como Sócrates de Constantinopla e representado em pinturas na Igreja de São Mateus, na Itália. No século IV, o rei Ezana de Aksum adotou o cristianismo como religião oficial, influenciado por Frumentius, um sírio-grego conhecido como "Selama, Revelador da Luz". Frumentius, que fundou o mosteiro Dabba Selama, foi ordenado bispo por Atanásio de Alexandria, estabelecendo a conexão com a Igreja Copta.
Durante a Idade Média, a Igreja Etíope manteve laços estreitos com Alexandria, mesmo após a conquista árabe do Egito. Patriarcas coptas enviavam correspondências regulares aos reis etíopes, e bispos como Severus foram enviados para reforçar práticas canônicas. No século XV, sob Zara Yaqob, uma embaixada etíope foi enviada ao Vaticano, evidenciando o interesse em diálogos com o Ocidente. Contudo, no século XVI, a influência jesuíta, impulsionada por Portugal em meio a conflitos com o Império Otomano, interrompeu temporariamente essa relação. A missão portuguesa, liderada por figuras como Dom Rodrigo de Lima, buscava converter a Etiópia ao catolicismo romano. Em 1624, o imperador Susenyos I declarou o catolicismo religião oficial, mas a resistência popular e da Igreja Etíope levou à sua abdicação em 1632. Seu filho, Fasilides, restaurou o cristianismo ortodoxo, expulsando os jesuítas e queimando seus livros.
A Igreja Etíope influenciou até mesmo a Reforma Protestante. Martinho Lutero, líder da Reforma, viu na Igreja Etíope um modelo de cristianismo apostólico, livre da supremacia papal. Práticas como o clero casado, as Escrituras em vernáculo e a comunhão em ambas as espécies inspiraram os luteranos. Em 1534, o diácono etíope Miguel encontrou Lutero e afirmou a compatibilidade da Confissão de Augsburgo com a fé etíope, consolidando um diálogo que Lutero considerou uma validação de sua visão reformista.
No século XIX, a tradução da Bíblia para o amárico, iniciada por Abu Rumi, marcou um avanço significativo. O imperador Haile Selassie promoveu reformas, incluindo uma nova tradução bíblica em 1960-61, a fundação do Colégio Teológico da Igreja da Santíssima Trindade em 1944 e a reorganização financeira da Igreja em 1942. A autocefalia, formalizada em 1948, culminou na consagração de Abuna Basilios como o primeiro patriarca etíope em 1951, coroado em 1959 por Cirilo VI.
Os tempos modernos trouxeram desafios. Após a queda de Haile Selassie em 1974, o regime marxista Derg desestabilizou a Igreja, nacionalizando suas propriedades e executando secretamente o patriarca Tewophilos em 1979. O governo forçou a eleição de Takla Haymanot, não reconhecido pela Igreja Copta, que suspendeu relações formais até 2007. Com a queda do Derg em 1991, o patriarca Merkorios abdicou sob pressão, e Paulos foi eleito em 1992, reconhecido por Alexandria. Merkorios, exilado, formou um sínodo alternativo, criando uma cisão que durou até a reunificação de 2018, quando Merkorios e Mathias foram reconhecidos como co-patriarcas. Após a morte de Merkorios em 2022, Mathias permaneceu como líder.
Em 2023, uma tentativa de golpe contra Mathias, liderada por Abune Sawiros na região de Oromia, gerou tensões. A ordenação ilegal de 26 bispos foi condenada pelo Sínodo Sagrado, que excomungou três arcebispos envolvidos. Protestos e confrontos, incluindo a morte de três pessoas em Shashemene, intensificaram o conflito. Após negociações com o primeiro-ministro Abiy Ahmed, a Igreja alcançou um acordo com o sínodo dissidente em fevereiro de 2023, restabelecendo a unidade.
A espiritualidade etíope é profundamente enraizada na cristologia miafisita e em práticas que ecoam o Antigo Testamento. A Igreja observa 250 dias de jejum anuais, com 180 obrigatórios para leigos, abstendo-se de carne e produtos animais. O Grande Jejum (Hudadi), de 55 dias antes da Páscoa, é dividido em três períodos, enquanto outros jejuns, como o de Nínive e o do Advento, reforçam a disciplina espiritual. A liturgia, celebrada em ge’ez, utiliza breviários para as sete horas canônicas diárias, voltadas para o leste. Igrejas, frequentemente circulares ou octogonais, abrigam o tabot, uma réplica da Arca da Aliança, considerada o elemento consagrado. Apenas sacerdotes acessam o santuário interno, enquanto fiéis participam de procissões festivas com o tabot em dias santos.
A Igreja mantém práticas distintas, como a separação de homens e mulheres nos cultos, o uso de véus pelas mulheres e a remoção de sapatos antes da oração, refletindo a reverência pelo sagrado. A Eucaristia é reservada a crianças, idosos e aqueles em estado de pureza ritual, com jejuns rigorosos antes da comunhão. O cânon bíblico etíope é expansivo, incluindo livros como Jubileus, Enoque e Meqabyan, além de adições a Daniel e Ester. Exorcismos, comuns entre 74% dos fiéis, envolvem cânticos, orações e diálogos com espíritos, realizados por sacerdotes em nome de Jesus.
A música litúrgica, atribuída a São Yared, é dividida em três modos: ge’ez, ezel e araray, usados em diferentes ocasiões. A arquitetura das igrejas varia entre o estilo basílico, como a Igreja de Nossa Senhora Maria de Sião em Aksum, e igrejas monolíticas, como as de Lalibela. Igrejas circulares, comuns em Amhara, e oblongas, em Tigray, seguem tradições judaicas, com pátios arborizados que preservam a biodiversidade.
A Igreja reivindica abrigar a Arca da Aliança original na Igreja de Nossa Senhora Maria de Sião, acessível apenas a um sacerdote designado. Essa crença, embora contestada por estudiosos, reforça a identidade espiritual etíope. A diáspora etíope mantém igrejas em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália, sob a liderança de arcebispos regionais. No Brasil, a Igreja está presente em comunidades menores, refletindo sua influência global.
A administração é conduzida pelo Patriarca-Católico, atualmente Mathias, e pelo Sínodo Sagrado, que supervisiona eparquias em regiões como Aksum, Tigray e Adis Abeba, além de jurisdições internacionais.
Igreja Ortodoxa Síria
A Igreja Ortodoxa Síria, uma denominação ortodoxa oriental originária da Igreja de Antioquia, representa uma das mais antigas tradições cristãs, com uma identidade enraizada na sucessão apostólica e na cristologia miafisita. Com cerca de 1,4 a 1,7 milhão de fiéis, a Igreja emprega o siríaco clássico como língua litúrgica oficial e celebra a Liturgia de São Tiago, associada a Tiago, o Justo. Seu líder supremo é o Patriarca de Antioquia, cuja autoridade remonta, segundo a tradição, a São Pedro. Desde 2014, Ignácio Afrem II ocupa essa posição, com a sede patriarcal estabelecida na Catedral de São Jorge, em Damasco, Síria, desde 1959, após períodos em outros locais, como o Mosteiro Mor Hananyo, de 1160 a 1932.
A Igreja compreende 26 arquioceses e 13 vicariatos patriarcais, além de um maprianato autônomo na Índia, conhecido como Igreja Cristã Síria Jacobita. Sua identidade distinta consolidou-se em 512, quando Severo, o Grande, um teólogo miafisita, foi eleito patriarca em Laodiceia, Síria, após a deposição de Flaviano II, que apoiava o Concílio de Calcedônia. A remoção de Severo em 518, sob o imperador Justiniano I, levou à formação de um patriarcado miafisita independente, fortalecido no século VI por Jacó Baradeu, cuja liderança deu origem ao termo “jacobita”, embora a Igreja prefira “Ortodoxa Síria” desde 2000, enfatizando sua língua e herança.
Os cristãos de língua siríaca identificam-se como “Suryoye” ou “Aramaye”, refletindo uma identidade étnica assíria ou aramaica. A Igreja não é etnicamente exclusiva, mas essas comunidades predominam, preservando tradições culturais do Império Assírio e reinos aramaicos. No século XX, para esclarecer sua identidade na diáspora, o Sínodo Sagrado definiu o nome “Igreja Ortodoxa Síria”, com “siríaco” como língua e “Suryoye” como povo. Nos Estados Unidos, algumas paróquias inicialmente usavam designações assírias, mas muitas adotaram “siríaco”, exceto a Igreja Ortodoxa Assíria da Virgem Maria, em Paramus, Nova Jersey.
A Igreja reivindica sucessão apostólica desde as comunidades cristãs primitivas de Jerusalém, lideradas por Barnabé e Paulo em Antioquia, onde os discípulos foram chamados “cristãos” pela primeira vez (Atos 11:26). São Pedro, considerado o primeiro bispo de Antioquia por volta de 37 d.C., é venerado como o fundamento da autoridade patriarcal. Evódio sucedeu-o até 66 d.C., seguido por Inácio de Antioquia, que cunhou o termo “cristianismo” por volta de 100 d.C. O Primeiro Concílio de Niceia (325) reconheceu Antioquia como uma primazia regional, estabelecendo o Patriarcado de Antioquia e Todo o Oriente. Desde 1293, muitos patriarcas adotam “Inácio” em seus títulos, homenageando Inácio de Antioquia.
O cisma após o Concílio de Calcedônia (451) foi decisivo. A Igreja rejeitou a fórmula diofisita calcedônica, aderindo ao miafisismo, que professa a união das naturezas divina e humana em uma única natureza encarnada de Cristo, conforme ensinado por Cirilo de Alexandria. Severo, exilado em 518, liderou a resistência desde Alexandria, enquanto os calcedônios formaram a Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia e a Igreja Maronita. Jacó Baradeu, no século VI, ordenou numerosos clérigos miafisitas, solidificando a hierarquia independente apesar da perseguição. Após a conquista muçulmana do Levante, o patriarca João III representou os cristãos em debates com líderes muçulmanos, demonstrando a resiliência da Igreja.
Na Idade Média, a Igreja floresceu em regiões como Jazira e Tur Abdin, mas enfrentou declínio em Antioquia devido a perseguições bizantinas no século XI. A chegada dos cruzados no século XII revitalizou a presença síria em Antioquia, com relações positivas entre os ortodoxos sírios e os latinos. Patriarcas visitaram a cidade, e alguns consideraram a supervisão latina, embora mantivessem independência. O assento patriarcal, transferido para o Mosteiro Mor Bar Sauma em 1166, mudou-se para o Mosteiro Mor Hananyo em 1293, permanecendo lá até 1933, quando foi realocado para Homs e, posteriormente, Damasco.
No século XVI, Moisés de Mardin representou a Igreja em Roma, enquanto no século XVII, missionários católicos converteram muitos sírios em Alepo, levando à fundação da Igreja Católica Síria em 1662. Apesar disso, a Igreja Ortodoxa Síria manteve sua estrutura patriarcal. No século XVII, cristãos de São Tomé, em Kerala, Índia, aliaram-se à Igreja, formando a Igreja Síria Malankara, consolidada sob Mar Thoma I. Em 1836, uma facção reformista criou a Igreja Síria Mar Thoma, enquanto a Igreja Ortodoxa Síria Malankara permaneceu ligada ao patriarca.
No século XIX, as reformas do Tanzimat no Império Otomano reconheceram a Igreja como um millet independente em 1873. A diáspora síria começou a se formar, com comunidades em Adana e Harput migrando para os Estados Unidos na década de 1890. A Igreja sofreu perdas devastadoras durante o genocídio assírio (1914-1918), com 105 mil cristãos mortos e populações reduzidas em Diyarbakır (72%) e Mardin (58%). Em 1924, o patriarca foi expulso da Turquia por Kemal Atatürk, estabelecendo-se em Damasco. Nos anos 1920, Qamishli, Síria, foi fundada por refugiados do genocídio.
A Igreja adota a Bíblia Peshitta, traduzida do hebraico (Antigo Testamento) no século II e do grego koiné (Novo Testamento) entre os séculos I e III. Sua teologia baseia-se no Credo Niceno, aceitando os concílios de Niceia (325), Constantinopla (381) e Éfeso (431). A Igreja professa ser a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, com seus metropolitas como sucessores dos apóstolos e o patriarca como sucessor de Pedro, rejeitando a primazia papal, mas reconhecendo a primazia petrina na tradição siríaca. A Virgem Maria é venerada como Theotokos, e a cristologia miafisita enfatiza a encarnação como um mistério divino.
A liturgia, chamada Santo Qurobo, centra-se na Eucaristia, celebrada aos domingos com a Liturgia de São Tiago, incluindo leituras bíblicas, hinos e orações cantadas. O livro Beth Gazo preserva centenas de melodias litúrgicas. Os fiéis seguem sete orações diárias, conforme o Salmo 119, com horas canônicas iniciadas ao pôr do sol, baseadas no rito siríaco ocidental. Os sete sacramentos incluem batismo, crismação, confissão, comunhão, casamento, unção dos enfermos e ordenação.
A hierarquia inclui o patriarca, que supervisiona o Sínodo Sagrado, o mapriano (ou católico da Índia), arcebispos, bispos, corepíscopos, padres e diáconos. O mapriano, atualmente Baselios José I, lidera a Igreja Síria Malankara e auxilia na eleição patriarcal. Diáconos possuem sete graus, desde “fiel” até “arquidiácono”, com funções específicas na liturgia. Diaconisas, historicamente ordenadas, auxiliam em batismos femininos e leituras públicas, mas não acessam o santuário durante a liturgia. Padres podem casar antes da ordenação, mas não após, e corepíscopos são padres casados com distinção honorífica.
As vestimentas litúrgicas variam por ordem. Diáconos usam o kutino branco, símbolo de pureza, com um uroro (estola) específico. Padres vestem o kutino, sapatos cerimoniais (msone), estola (hamniko), cinto (zoonoro), mangas (zende) e uma capa (phayno). Bispos adicionam um véu-mitre, um pálio (batrashil) e carregam um báculo com serpentes, evocando Moisés. Fora das cerimônias, clérigos usam túnicas pretas, exceto na Índia, onde túnicas brancas são comuns devido ao clima.
A Igreja tem cerca de 600 mil fiéis sírios e 483 mil na Igreja Síria Malankara, além de 500 mil convertidos maias na América Central. Na diáspora, há 250 mil membros nos Estados Unidos, 80 mil na Suécia, 100 mil na Alemanha e 200 mil no Brasil, Suíça e Áustria. Na Turquia, a população cresce com o retorno de refugiados sírios e iraquianos. A Igreja mantém arquioceses em regiões como Bagdá, Mossul, Beirute e Mardin, e vicariatos em países como Argentina, Brasil e Austrália.
A Igreja é ativa no diálogo ecumênico, participando do Conselho Mundial de Igrejas desde 1960 e do Conselho de Igrejas do Oriente Médio desde 1974. Acordos com a Igreja Católica, como os de 1971 e 1984, reconheceram convergências cristológicas, minimizando diferenças com Calcedônia. Em 2015, o Papa Francisco saudou a Igreja como “Igreja de Mártires”, e diálogos com a Igreja Ortodoxa Russa abordaram questões contemporâneas, como a proteção de cristãos no Oriente Médio.
Instituições como o Seminário de São Afrem, fundado em 1934, e a Universidade Síria de Antioquia, estabelecida em 2018, fortalecem a formação teológica e educacional. O projeto Casa da Criança Feliz, iniciado em 2022, oferece cuidados infantis em Damasco. A Ordem de São Jacó Baradeu, criada em 1990, forma freiras para o serviço eclesiástico.
Igreja Ortodoxa Indiana
A Igreja Ortodoxa Síria Malankara, também chamada Igreja Ortodoxa Indiana, é uma denominação ortodoxa oriental autocéfala com sede em Devalokam, próximo a Kottayam, Índia. Atendendo à comunidade cristã de São Tomé, conhecida como Nasrani, a Igreja remonta, segundo a tradição, às missões do apóstolo Tomé no século I, por volta de 52 d.C. Utiliza o Rito Malankara, uma variante indiana do rito siríaco ocidental, caracterizando sua liturgia e práticas espirituais.
Originada da Igreja Malankara, que mantinha laços com a Igreja Ortodoxa Síria, a Igreja enfrentou um cisma entre 1909 e 1912, devido a divergências sobre a autoridade do Patriarca Sírio de Antioquia. Esse conflito resultou na divisão entre a Igreja Ortodoxa Síria Malankara e a Igreja Cristã Síria Jacobita. Desde 1912, a Igreja Ortodoxa Síria Malankara estabeleceu seu próprio catolicato, liderado pelo Católico do Oriente e Metropolita Malankara, atualmente Baselios Marthoma Mathews III. Em 1934, a Igreja adotou uma constituição que a definiu como uma divisão da Igreja Ortodoxa Síria, com o Patriarca de Antioquia como líder espiritual supremo, mas delegando funções espirituais ao Católico e administração ao Metropolita Malankara. Desde então, ambos os cargos são ocupados pela mesma pessoa, que atua como chefe espiritual e administrativo.
A Igreja professa o miafisismo, doutrina que afirma a união das naturezas divina e humana em uma única natureza em Cristo, sem separação, confusão ou alteração, em consonância com Deus Pai. Essa posição, rejeitando o diofisismo do Concílio de Calcedônia (451), alinha a Igreja com outras denominações ortodoxas orientais, como as igrejas Copta, Armênia e Síria. Apesar de esforços para reconciliação, tensões legais e ocasionais confrontos físicos persistem com a Igreja Cristã Síria Jacobita.
Com aproximadamente 1 a 2,5 milhões de fiéis, a Igreja possui 32 dioceses, concentradas principalmente em Kerala, mas com comunidades na América do Norte, Europa, Oriente Médio, Malásia, Singapura, Sri Lanka, América do Sul, Austrália e Nova Zelândia. A tradição cristã de São Tomé evoluiu em relativo isolamento, mantendo contatos com as hierarquias de Antioquia, Pérsia e possivelmente Alexandria. A partir do século VI, os cristãos de São Tomé adotaram o dialeto siríaco oriental da Igreja do Oriente, recebendo apoio de bispos persas que viajavam pela rota das especiarias.
No século XVI, a tentativa portuguesa de integrar os cristãos de São Tomé à Igreja Católica, por meio do Padroado e do Sínodo de Diamper (1599), gerou divisões. Em 1653, o Juramento da Cruz de Coonan marcou a resistência à latinização, levando à ordenação de Thoma I como bispo em 1665, com apoio do arcebispo sírio ortodoxo Gregorios Abdal Jaleel. Isso consolidou a adoção do rito siríaco ocidental e do miafisismo, formando a Igreja Malankara. No século XIX, a tradução dos quatro evangelhos para o malaiala e a fundação do Seminário Teológico Ortodoxo em Kottayam (1815) fortaleceram a identidade da Igreja. A rejeição de influências anglicanas no Sínodo de Mavelikara reforçou sua fidelidade à tradição síria.
No século XX, a liderança de Geevarghese Dionysius de Vattasseril foi crucial para restabelecer o catolicato na Índia em 1912, com a entronização de Baselios Paulose I. A constituição de 1934 codificou a administração, e decisões da Suprema Corte da Índia em 1958, 1995 e 2017 confirmaram sua validade e a autoridade do Metropolita Malankara. A Igreja canonizou santos como Geevarghese Gregorios de Parumala (1947) e Geevarghese Dionysius de Vattasseril (2003), cuja intercessão é valorizada.
A liturgia, centrada no Rito Malankara, utiliza a Liturgia de São Tiago em línguas como malaiala, concani, canará, híndi e inglês. A Igreja observa as horas canônicas sete vezes ao dia, conforme o Shehimo, e celebra a eucaristia com diversas anáforas, incluindo a de Mor Addai. A Igreja mantém seminários, como o de Kottayam, e instituições como orfanatos e hospitais, refletindo seu compromisso social.
Membro fundador do Conselho Mundial de Igrejas, a Igreja participa de diálogos ecumênicos, incluindo a Conferência de Igrejas Ortodoxas Orientais de 1965. A Ordem de São Tomé, sua maior honraria, foi concedida a líderes como o Patriarca Bartolomeu I.