A Epístola aos Hebreus, um dos textos mais sofisticados do Novo Testamento, escrita em grego koiné, destaca-se por sua eloquência literária e profundidade teológica, embora sua autoria permaneça incerta. Apesar da menção a Timóteo (Hebreus 13:23) sugerir uma conexão tradicional com Paulo, essa atribuição é contestada desde o século II, com estudiosos modernos considerando o autor anônimo, possivelmente um discípulo de Paulo, como Apolo ou Priscila. Preservada em manuscritos como o Papiro 46 (séculos II-III), Codex Vaticanus (325-350 d.C.) e Codex Sinaiticus (330-360 d.C.), a epístola combina uma exegese detalhada do Antigo Testamento, especialmente da Septuaginta, com uma argumentação teológica que exalta Cristo como mediador da nova aliança. Seu estilo, descrito por Clemente de Alexandria e Orígenes como superior ao de Paulo em sua construção gramatical, sugere uma homilia adaptada, com elementos epistolares adicionados, como saudações finais. A ausência de um prólogo típico reforça a hipótese de que o texto era originalmente um sermão dirigido a uma audiência judaico-cristã, provavelmente em Roma, enfrentando pressões para retornar ao judaísmo.
O propósito central da epístola é exortar os cristãos a perseverarem na fé em Cristo, especialmente diante da perseguição, destacando a superioridade da nova aliança sobre a antiga. O autor argumenta que as instituições mosaicas, como os sacrifícios levíticos, foram cumpridas e superadas por Cristo, o Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (Salmos 110:4). Essa cristologia única apresenta Jesus como Filho de Deus, pioneiro da fé e sacerdote eterno, cuja divindade é afirmada desde o início (Hebreus 1:1-3) e cuja humanidade permite a intercessão eficaz pelos pecados (Hebreus 9:15). Referências a textos como Jeremias 31:31-34 e Salmos 40:6-8 sustentam a transição para a nova aliança, que internaliza a lei e garante o perdão. A datação, provavelmente anterior à destruição do Templo em 70 d.C., reflete a ênfase no tabernáculo como sombra do santuário celestial (Hebreus 8:5), embora alguns estudiosos proponham uma composição entre 70 e 100 d.C.
A epístola alterna exposições doutrinárias com exortações práticas, enfatizando fé, esperança e amor (Hebreus 10:19-24). Seu uso do Antigo Testamento, interpretado à luz do judaísmo do Segundo Templo, como nas tradições de Qumran, enriquece a cristologia sacerdotal, comparando Cristo a Melquisedeque e superando Moisés e os anjos (Hebreus 3:1-6; 1:5-13). Apesar de debates sobre o supersessionismo, que sugere a substituição de Israel pela igreja, o texto parece dialogar com judeus-cristãos, reafirmando a realização das promessas em Cristo. A epístola, apesar de inicialmente classificada como antilegomena devido à sua anonimidade, foi aceita no cânon por sua teologia robusta e apresentação eloquente, oferecendo uma visão transformadora da fé cristã centrada na obra redentora de Cristo.