A questão dos universais, um dos problemas mais antigos e intricados da metafísica, tem suscitado reflexões profundas ao longo da história da filosofia. Ela pode ser sintetizada em indagações fundamentais: as propriedades que objetos distintos compartilham, como cor ou forma, existem independentemente desses objetos? E, caso existam, qual é a natureza dessa existência? Essa discussão, que permeia a filosofia ocidental desde seus primórdios, conecta-se a disciplinas como lógica, epistemologia e ontologia, e continua a desafiar pensadores em sua busca por compreender a relação entre o particular e o geral.
Na tradição cristã, a abordagem dos universais não se limita a uma questão técnica, mas também reflete a visão teológica de um mundo ordenado por um Criador. Filósofos cristãos, como Boécio, Tomás de Aquino e Duns Scotus, enxergaram nessa questão uma oportunidade de explorar a harmonia entre a criação divina e a capacidade humana de abstração. Para eles, os universais não são apenas conceitos abstratos, mas podem revelar a estrutura subjacente do cosmos, ordenado por Deus. Assim, a investigação filosófica dos universais é, em parte, uma contemplação da ordem divina manifestada na realidade.
Na filosofia antiga, o problema dos universais ganhou contornos claros com Platão e Aristóteles. Platão, com sua teoria das formas, propôs que os universais, ou ideias, existem em um reino eterno e imutável, distinto do mundo sensível. Para ele, propriedades como beleza ou justiça não residem nos objetos materiais, que são apenas sombras imperfeitas, mas em formas perfeitas que a mente pode contemplar. Essa visão, profundamente influenciada por sua busca pela verdade absoluta, sugere que o conhecimento verdadeiro só é possível ao se acessar o mundo das formas, que transcende a mutabilidade do mundo físico. A perspectiva platônica, com sua ênfase na transcendência, ressoa com a visão cristã de um Deus eterno que ordena a realidade.
Aristóteles, discípulo de Platão, rejeitou essa separação radical. Ele propôs que os universais, como a "humanidade" ou a "vermilhidão", existem apenas nos particulares, como causas formais que definem a essência das coisas. Para Aristóteles, um carvalho, por exemplo, contém em si a universalidade da "carvalhice", que pode ser estudada e compreendida por meio da observação empírica. Sua abordagem, mais próxima da natureza e da experiência sensorial, enfatiza a realidade do mundo sensível, mas não nega a existência de uma ordem inteligível. Essa visão moderada encontra eco na tradição cristã, especialmente na teologia de Aquino, que via os universais como reflexos da mente divina impressos na criação.
Na Idade Média, o problema dos universais foi revisitado com grande vigor, especialmente por pensadores cristãos que buscavam conciliar a filosofia clássica com a fé. Boécio, ao traduzir e comentar a *Isagoge* de Porfírio, introduziu a questão ao mundo medieval, perguntando se gêneros e espécies existem na realidade ou apenas na mente. Ele sugeriu que a mente humana tem a capacidade de abstrair universais a partir dos particulares, sem que esses universais existam como entidades separadas. Para Boécio, essa capacidade de abstração reflete a ordem divina, pois a mente humana, criada à imagem de Deus, pode captar a estrutura do mundo por meio da razão.
No realismo medieval, Tomás de Aquino e Duns Scotus desenvolveram abordagens que reforçaram a visão aristotélica, mas com nuances teológicas. Aquino argumentava que os universais existem na mente divina como arquétipos da criação, mas, no mundo material, estão presentes apenas nos particulares. Sua distinção entre essência e existência sublinha a dependência das coisas criadas em relação a Deus, cuja essência é idêntica à sua existência. Duns Scotus, por sua vez, propôs uma distinção formal entre a essência e a existência, sugerindo que os universais existem nos objetos, mas são contraídos pela *haecceitas* (a "istoidade") que torna cada coisa única. Para Scotus, os universais são reais, mas sua realidade está intrinsecamente ligada aos particulares, refletindo a ordem divina que permeia a criação.
Em oposição ao realismo, o nominalismo, defendido por figuras como Roscelino e Guilherme de Ockham, negava a existência real dos universais. Para os nominalistas, os universais são apenas nomes ou conceitos mentais, sem correspondência ontológica fora da mente. Ockham, com sua famosa "navalha", argumentava que positar a existência de universais como entidades reais era desnecessário e contraditório. Ele via os universais como constructs linguísticos, úteis para a comunicação, mas sem realidade própria. Apesar de sua abordagem aparentemente secular, Ockham, como frade franciscano, situava sua filosofia dentro de uma visão cristã, enfatizando a simplicidade e a soberania de Deus, que não requer entidades intermediárias para explicar a criação.
Na filosofia moderna, o problema dos universais continuou a evoluir. Hegel, com sua dialética, propôs que universais e particulares existem em uma relação interdependente, onde um não pode ser compreendido sem o outro. Essa visão ressoa com a ideia cristã de unidade na diversidade, onde a multiplicidade da criação aponta para a unidade do Criador. John Stuart Mill, por outro lado, adotou uma perspectiva nominalista, argumentando que os universais são abstrações mentais derivadas da experiência, mas sem existência independente. Charles Sanders Peirce, o pai do pragmatismo, via os universais como realidades extramentais, refletidas na ordem inteligível do mundo, uma ideia que ecoa a crença cristã em uma criação ordenada.
Na filosofia indiana, o problema dos universais também foi abordado, especialmente nas escolas Nyāya-Vaiśeṣika e Mīmaṃsā, que defendem uma forma de realismo. Para a Nyāya, os universais são entidades eternas que caracterizam os particulares, como a "vacuidade" que define uma vaca. A Mīmaṃsā, embora realista, rejeita a relação de inerência proposta pela Nyāya, argumentando que ela leva a regressões infinitas. Em contraste, o budismo, com sua teoria *apoha*, adota uma perspectiva nominalista, negando a existência de universais e explicando os conceitos gerais por meio de uma dupla negação, como "não-não-vaca". Essas abordagens, embora distintas do pensamento cristão, oferecem paralelos interessantes ao debate ocidental, especialmente na tensão entre realismo e nominalismo.
Na filosofia contemporânea, pensadores como W. V. O. Quine e David Malet Armstrong trouxeram novas perspectivas. Quine, com sua abordagem epistemológica, sugeriu que os universais são pressupostos por certos tipos de discurso, mas evitou tomar uma posição metafísica definitiva. Armstrong, por outro lado, defendeu um realismo científico, argumentando que os universais são necessários para explicar a ordem natural observada pela ciência. Sua visão, que busca conciliar a metafísica com a ciência moderna, encontra paralelos na tradição cristã, que vê a ordem do universo como um reflexo da sabedoria divina.
Roger Penrose, ao discutir os fundamentos da matemática, defendeu uma forma de platonismo, sugerindo que verdades matemáticas, como universais, existem independentemente da mente humana. Essa ideia ressoa com a visão cristã de uma verdade objetiva que transcende o homem, apontando para um fundamento divino. Nino Cocchiarella, por sua vez, argumentou que o realismo é necessário para evitar paradoxos lógicos, uma abordagem técnica que, no entanto, pode ser vista como uma tentativa de preservar a coerência da ordem racional do mundo, um princípio caro à teologia cristã.
Em síntese, o problema dos universais revela a profundidade da busca humana por compreender a realidade. Para os filósofos cristãos, essa busca não é apenas intelectual, mas também espiritual, pois reflete a tentativa de discernir a ordem divina inscrita na criação. Seja pelo realismo de Platão e Aquino, que enxergam os universais como reflexos da eternidade, seja pelo nominalismo de Ockham, que enfatiza a simplicidade divina, ou pela mediação conceitualista, que vê os universais como constructs mentais ancorados na realidade, a questão permanece um testemunho da complexidade do mundo e da capacidade humana de contemplá-lo.