O Iluminismo, movimento intelectual que floresceu na Europa do século 18, costuma ser lembrado como a “Era da Razão”, período em que se exaltou a autonomia do pensamento humano, a confiança no método científico e a valorização da evidência empírica. Foi, de fato, uma época de transformações profundas, que desafiou estruturas tradicionais de poder e procurou abrir caminho para novas formas de sociabilidade e política. Contudo, esse processo não pode ser compreendido apenas como ruptura com a fé ou como vitória de um racionalismo hostil ao cristianismo. Muitos dos maiores nomes ligados ao Iluminismo eram profundamente religiosos e encontravam justamente na fé cristã a base para seu trabalho intelectual e científico. O movimento, portanto, não deve ser visto como um bloco homogêneo, mas como um campo de tensões, no qual vozes cristãs exerceram papel essencial, oferecendo contribuições mais sólidas e duradouras do que certas propostas que buscavam simplesmente instaurar uma nova elite cultural.
Entre os protagonistas do período, é impossível ignorar Isaac Newton, cuja visão da criação era inseparável de sua fé em um Deus racional e providente. Seus Principia Mathematica (1687) não apenas sistematizaram a física moderna, mas foram concebidos como um esforço de decifrar a ordem divina inscrita no cosmos. Do mesmo modo, Gottfried Wilhelm Leibniz via no universo um reflexo da sabedoria de Deus, desenvolvendo sua filosofia da harmonia preestabelecida como um testemunho da racionalidade divina sustentando todas as coisas. Leonhard Euler, talvez o maior matemático do século 18, foi um cristão convicto que escreveu não só obras técnicas de altíssimo rigor, mas também defesas da fé em diálogo com o ceticismo de seus contemporâneos. Thomas Bayes, igualmente, uniu sua vida pastoral à elaboração do teorema que revolucionaria a estatística, demonstrando que a investigação científica e a confiança em Deus não eram esferas opostas, mas dimensões que se enriqueciam mutuamente.
O avanço da ciência experimental, tão característico da época, deve muito a cristãos que viam sua atividade como uma forma de culto e gratidão ao Criador. Antonie van Leeuwenhoek, pioneiro da microbiologia, contemplava nos microrganismos que descobria a infinita complexidade da obra de Deus. Carl Linnaeus, pai da taxonomia moderna, afirmava que seu trabalho de classificação era apenas “ler o catálogo” já escrito pelo Criador na natureza. Albrecht von Haller, médico e fisiologista suíço, escreveu extensamente sobre ciência, mas também sobre teologia, considerando inseparáveis a pesquisa natural e a reverência religiosa. Antoine Lavoisier, cuja química revolucionou a compreensão da matéria, não via em sua ciência uma negação da fé, mas um modo de revelar a ordem com que Deus governa o mundo. Esses nomes mostram que as contribuições cristãs para o Iluminismo não foram marginais: em muitos casos, elas foram mais significativas e consistentes do que as de pensadores que buscavam, ao contrário, minar a tradição religiosa.
Na vida social, também se destacaram figuras cristãs que aplicaram os ideais de justiça e dignidade em terrenos em que o Iluminismo mais radical fracassou. Enquanto muitos intelectuais falavam de liberdade e igualdade sem estendê-las às mulheres ou aos escravizados, Hannah More promoveu a educação feminina e popular ancorada em princípios morais cristãos, defendendo que o progresso verdadeiro só poderia ocorrer com a formação de caráter e a restauração de valores. William Wilberforce, movido por sua fé evangélica, liderou o movimento pela abolição da escravidão no Império Britânico, mostrando que a aplicação concreta da justiça exigia mais do que discursos filosóficos: requeria convicção moral enraizada no Evangelho. Esses exemplos evidenciam que os maiores desafios da época não residiam em identificar injustiças, mas em transformá-las com base em princípios que resistissem ao oportunismo político e ao modismo intelectual.
De fato, o Iluminismo frequentemente proclamava igualdade universal, mas manteve práticas de exclusão e dominação. A escravidão persistiu como pilar da economia europeia e colonial, e os debates sobre direitos raramente incluíam os povos não europeus ou as classes populares. Muitas vezes, a retórica de liberdade servia menos para emancipar os marginalizados e mais para instaurar uma nova aristocracia cultural, formada por elites letradas que substituíam a autoridade da tradição cristã por uma ortodoxia racionalista igualmente restritiva. Foi nesse contexto que as vozes cristãs se tornaram decisivas, lembrando que a dignidade humana não é fruto de convenções sociais ou da razão autônoma, mas deriva do fato de cada pessoa ser criada à imagem e semelhança de Deus.
Politicamente, o movimento iluminista inspirou documentos de grande importância, como a Declaração de Independência americana (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Contudo, o próprio desenrolar da Revolução Francesa, com seu culto da razão e perseguição religiosa, revelou os riscos de uma racionalidade desenraizada da fé. Sem uma base moral transcendental, o ideal de liberdade degenerou em violência e tirania. Já em contextos em que o cristianismo continuou a moldar o ethos público, como na Inglaterra ou nos Estados Unidos, a aplicação dos ideais de justiça e liberdade foi mais duradoura e construtiva.
O legado do Iluminismo, portanto, é ambíguo. Ele contribuiu para o avanço da ciência, da educação e das liberdades civis, mas também alimentou uma visão autossuficiente do homem, inclinada a substituir Deus pela razão como árbitro absoluto. O que a história revela, no entanto, é que os frutos mais sólidos desse período brotaram justamente onde fé e razão caminharam juntas. Cientistas, filósofos e reformadores cristãos mostraram que o verdadeiro progresso não consiste em abandonar a tradição espiritual, mas em integrá-la ao esforço humano de compreender e transformar o mundo.
Assim, ao revisitar o Iluminismo, é preciso reconhecer que sua maior riqueza não está apenas nos slogans da razão, mas nas contribuições daqueles que, iluminados pela fé, souberam unir ciência, moralidade e esperança em um horizonte que transcende a história.