Gregório de Nissa (331-396), também conhecido como Gregório Taumaturgo, uma figura central no desenvolvimento do pensamento cristão primitivo, nasceu por volta do ano 335 em uma época de intensa reflexão teológica e espiritual. Sua formação acadêmica clássica permitiu-lhe dominar as artes da retórica e da filosofia, habilidades que ele utilizou com maestria para defender e enriquecer a fé cristã. Dotado de um estilo literário refinado, Gregório tornou-se uma das vozes mais eloquentes do cristianismo patrístico, sendo reverenciado como "o Filósofo" pelos ortodoxos e amplamente reconhecido como um dos grandes arquitetos da teologia trinitária e antropologia cristã. Seu legado está profundamente entrelaçado à defesa do credo niceno, mas também ao desenvolvimento de conceitos inovadores sobre a natureza humana e sua relação com o divino.
Desde cedo, Gregório enfrentou dilemas existenciais que moldaram sua trajetória espiritual. Educado em um ambiente cristão, mas também profundamente imerso na cultura helenística, ele oscilava entre a vida monástica e o ministério público, entre a busca pela contemplação solitária e o chamado ao serviço pastoral. Essas tensões internas refletiram-se em seus escritos, que frequentemente revelam um homem dividido entre aspirações pessoais e responsabilidades eclesiásticas. Ele mesmo questionava se deveria seguir o caminho traçado por seu pai, um bispo influente, ou buscar sua própria vocação distinta. Essa dualidade não o enfraqueceu, mas forjou nele um caráter resiliente e uma compreensão mais profunda das complexidades da vida cristã.
Sua contribuição mais notável foi como bispo de Nissa, onde liderou a Igreja durante um período de turbulência política e teológica. Embora seu episcopado tenha sido marcado por controvérsias, incluindo acusações infundadas de má gestão financeira, ele deixou marcas indeléveis. Foi sob sua liderança que os debates trinitários ganharam novas dimensões, especialmente em sua abordagem sobre a natureza indeterminada da humanidade e a liberdade ontológica como reflexo da imagem divina. Suas homilias e tratados, como De hominis opificio e De anima et resurrectione, são exemplos magistrais de como a razão clássica pode ser harmonizada com a revelação divina, oferecendo reflexões profundas sobre temas como a criação humana, a ressurreição e a esperança escatológica.
Além de suas realizações teológicas, Gregório distinguia-se por sua sensibilidade filosófica e espiritual. Seus escritos sobre a vida de Moisés, sua irmã Macrina e a oração dominical revelam um homem profundamente consciente de sua fragilidade humana e de sua dependência da graça divina. Esses textos oferecem uma visão íntima de sua alma, mostrando-o como alguém que buscava viver de maneira autêntica os princípios cristãos de humildade, renúncia e amor ao próximo. Seu estilo literário, marcado por metáforas ricas e ritmos cadenciados, influenciou gerações de teólogos e escritores religiosos, especialmente no mundo bizantino.
Ao longo de sua vida, Gregório também refletiu sobre o papel do intelecto na vida cristã. Para ele, a verdadeira sabedoria não estava apenas no domínio das Escrituras ou na eloquência retórica, mas na capacidade de integrar essas habilidades ao serviço da caridade e da justiça. Ele via a teologia como uma disciplina prática, destinada a guiar os fiéis em sua jornada espiritual. Sua abordagem equilibrada entre razão e fé inspirou figuras posteriores, como Dionísio, o Exíguo, e outros pensadores medievais que continuaram a explorar as implicações pastorais de sua obra. Além disso, ele ajudou a estabelecer um modelo de liderança episcopal que enfatizava a integridade moral e a dedicação ao bem comum.
A influência de Gregório transcendeu seu tempo e espaço geográfico. Traduções latinas de suas obras, realizadas por estudiosos renascentistas como Jorge de Trebizonda e Pietro Balbi, garantiram que suas ideias fossem acessíveis ao Ocidente medieval. Essas traduções, embora tardias, influenciaram profundamente o pensamento de figuras como Francisco Bastitta Harriet, que destacou o impacto das concepções de Gregório sobre a liberdade humana e a natureza indeterminada no Renascimento. Iconografias antigas, como as pinturas de Andrei Rublev, celebram sua figura como um exemplo de santidade e sabedoria. Seus escritos permaneceram relevantes ao longo dos séculos, sendo estudados tanto no Oriente quanto no Ocidente.
Nos últimos anos de sua vida, Gregório continuou a trabalhar incansavelmente, apesar de sofrer de problemas de saúde causados pelas condições adversas de seu tempo. Ele morreu em 25 de janeiro de 390, deixando um legado que ressoa até os dias atuais. Seus trabalhos não apenas moldaram a tradição cristã, mas também demonstraram como a fé pode ser articulada de maneira acessível e bela, sem comprometer a profundidade doutrinária. Gregório de Nissa foi, acima de tudo, um homem que buscou reconciliar o divino com o humano, o intelectual com o espiritual, e o individual com o coletivo. Seu testemunho continua a inspirar aqueles que desejam viver a fé cristã de maneira integral e transformadora.
Gregório de Nissa (331-396), um dos quatro grandes Pais da Igreja Oriental, designado por um dos concílios ecumênicos posteriores como “um pai dos pais”, era irmão mais novo de Basílio (o Grande), bispo de Cesareia, e nasceu (provavelmente) em Neocesareia por volta do ano 331. Sua educação deve-se principalmente ao seu irmão mais velho. Em idade relativamente jovem, ingressou na igreja e ocupou por algum tempo o ofício de anagnosta ou leitor; posteriormente, manifestou o desejo de se dedicar à vida secular como retórico, impulso esse que foi refreado pelas veementes advertências de Gregório de Nazianzo. Finalmente, em 371 ou 372, foi ordenado por seu irmão Basílio ao bispado de Nissa, uma pequena cidade da Capadócia. Costuma-se dizer (ainda que com dados insuficientes) que, nessa época, adotou a opinião então crescente em favor do celibato do clero e separou-se de sua esposa Teosebia, que se tornou diaconisa na igreja. Sua rigorosa ortodoxia quanto à Trindade e à Encarnação, somada à sua eloquência vigorosa, fizeram com que se tornasse particularmente detestado pela facção ariana, que então predominava sob a proteção do imperador Valente; e, em 375, o sínodo de Ancyra, convocado por Demétrio, governador ariano do Ponto, condenou-o por supostas irregularidades em sua eleição e na administração das finanças da diocese. Em 376 foi privado de sua sé e Valente o enviou ao exílio, de onde só retornou após a publicação do édito de Graciano em 378. Pouco depois, participou das deliberações do sínodo reunido em Antioquia da Cária, principalmente em conexão com o cisma meleciano. No grande concílio ecumênico realizado em Constantinopla em 381, foi destacado defensor da fé ortodoxa; segundo Nicephorus, de fato, as adições feitas ao credo niceno foram inteiramente de sua sugestão, embora tal afirmação tenha autoridade duvidosa. Que sua eloquência era altamente apreciada se mostra nos fatos de ter proferido o discurso na consagração de Gregório de Nazianzo e de ter sido escolhido para fazer a oração fúnebre por ocasião da morte de Melecio, o primeiro presidente do concílio. No ano seguinte (382), foi comissionado pelo concílio a inspecionar e reorganizar as igrejas da Arábia, missão durante a qual também visitou Jerusalém. As impressões colhidas nessa viagem podem ser, ao menos em parte, extraídas de sua famosa carta De euntibus Hierosolyma, na qual expressa opinião fortemente desfavorável às peregrinações. Em 383, provavelmente estava novamente em Constantinopla, onde, em 385, proferiu as orações fúnebres da princesa Pulquéria e, depois, da imperatriz Placila. Mais uma vez é mencionado em 394 como presente naquela metrópole no sínodo realizado sob a presidência de Nectário para resolver uma controvérsia surgida entre os bispos da Arábia; no mesmo ano, participou da consagração da nova igreja dos apóstolos em Calcedônia, ocasião na qual se acredita que tenha sido proferido seu discurso comumente, mas erroneamente, conhecido como Εἰς τὴν ἑαυτοῦ χειροτονίαν. A data exata de sua morte é desconhecida; algumas autoridades a situam em 396, outras em 400. Sua festa é celebrada pela Igreja Grega em 10 de janeiro; nos martirológios ocidentais, é comemorado em 9 de março.
Gregório de Nissa não foi um administrador tão firme e capaz quanto seu irmão Basílio, nem um orador tão magnífico quanto Gregório de Nazianzo, mas os superou a ambos, tanto como teólogo especulativo e construtivo quanto pela vasta extensão de seus conhecimentos. Seu ensino, embora estritamente trinitário, revela considerável liberdade e originalidade de pensamento; em muitos aspectos, suas afinidades mentais e espirituais com Orígenes se mostram vantajosas, como em sua doutrina da apocatástase, ou restauração final. Há tendências marcadamente panteístas, como a inclusão do pecado como parte necessária do processo cósmico, que o aproximam dos monofisitas panteístas e de alguns pensadores modernos.
Seu estilo foi frequentemente elogiado por autoridades competentes por sua doçura, riqueza e elegância. Suas numerosas obras podem ser classificadas em cinco categorias: (1) Tratados de teologia doutrinária e polêmica. Dentre esses, o mais importante é o Contra Eunômio, em doze livros. Sua tese doutrinária (sustentada com grande acuidade filosófica e poder retórico) é a divindade e consubstancialidade do Verbo; incidentalmente, o caráter de Basílio, que Eunômio havia difamado, é defendido, e o herege é exposto ao escárnio e desprezo. Esta é a obra que, provavelmente em uma versão mais curta, foi lida por seu autor em Constantinopla diante de Gregório Nazianzeno e Jerônimo em 381 (Jerônimo, De viris illustribus 128). Da mesma categoria fazem parte o tratado A Ablávio, contra os triteístas; Sobre a Fé, contra os arianos; Sobre as Noções Comuns, em explicação dos termos usados correntemente a respeito da Trindade; Dez Silogismos, contra os maniqueus; A Teófilo, contra os apolinaristas; uma Antirrése contra os mesmos; Contra o Destino, uma disputa com um filósofo pagão; Sobre a Alma e a Ressurreição, um diálogo com sua irmã Macrina moribunda; e a Grande Oração Catequética, um argumento em favor da encarnação como a melhor forma possível de redenção, destinado a convencer pagãos e judeus instruídos. (2) Tratados práticos. A esta categoria pertencem os tratados Sobre a Virgindade e Sobre as Peregrinações; assim como a Epístola Canônica sobre as regras da penitência. (3) Obras expositivas e homiléticas, incluindo o Hexaemeron e várias séries de discursos Sobre a Obra do Homem, Sobre as Inscrições dos Salmos, Sobre o Salmo 6, Sobre os três primeiros capítulos de Eclesiastes, Sobre o Cântico dos Cânticos, Sobre a Oração do Senhor e Sobre as Oito Bem-aventuranças. (4) Biográficas, consistindo principalmente em orações fúnebres. (5) Cartas.
Fonte: Britannica.