29.dezembro.2025
Sobre o nascimento de Cristo.
Discurso sobre a natividade do Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, sobre a admirável união da natureza divina e humana no Filho de Deus, ao assumir a natureza humana no ventre da virgem Maria, e sobre as causas pelas quais foi enviado e sobre como deve ser recebido.
Aproxima-se, como vocês sabem, o dia festivo em que se celebra a memória da obra divina maior de todas, a qual todos os anjos admiram muito mais do que a própria criação de todas as coisas, e que eles mesmos, como arautos, anunciaram ao gênero humano com esta voz alegríssima, na qual também se expressou a admiração por tão grande feito: “Eis que vos anuncio grande alegria, que será para todo o povo: que hoje vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. Para que, portanto, os ânimos dos estudantes fossem preparados ou inflamados para a reflexão e consideração desse benefício divino, instituiu-se este costume de discurso. Pois, assim como no céu não há estudo maior do que a contemplação dessa admirável união da natureza divina e humana, e a proclamação da imensa misericórdia para com os seres humanos, assim também nas igrejas e nas escolas, que são sobretudo imagem das hostes celestiais, devem ser estimulados os mesmos estudos, e com a mesma voz, juntamente com os anjos, deve ser celebrada a bondade do Deus eterno, especialmente porque o benefício diz respeito mais verdadeiramente a nós do que aos anjos. E, embora nem os anjos nem as mentes humanas possam perscrutar e compreender essa união da natureza divina e humana, todavia, porque Deus a revelou por testemunhos ilustres e ordenou que fosse celebrada, é necessário que nós recitemos e divulguemos esses mistérios que foram revelados, ainda que nossa infância não seja capaz de expressá-los plenamente, para que mais pessoas reconheçam os benefícios de Deus e os abracem com ânimo agradecido. No Salmo segundo, o próprio Filho de Deus diz: “Proclamarei o decreto: O Senhor me disse: Tu és meu Filho”. Ele, portanto, faz ressoar essa voz na Igreja, Ele mesmo envia os anjos como arautos, Ele mesmo inflama os corações e as línguas dos seres humanos, para que confessem e celebrem tão grande mistério. Ele mesmo se ira contra o diabo, invejoso de nós, que deseja apagar essa aliança da natureza humana com a divina e a memória dela.
Ele mesmo quer refutar os furores dos judeus e de Maomé, que impiamente rejeitam os testemunhos de Deus e a voz de Cristo, e negam que essa união da natureza divina e humana tenha sido realizada. Por isso, ainda que sejamos fracos, sejamos despertados pela voz de Cristo, sigamo-la, proclamemo-la, defendamo-la e infundamo-la, quanto pudermos, nos ânimos de todos. E não pensemos que foi dito em vão por Ele: “Proclamarei o decreto”. Ele quer que permaneça a memória de tão grande dom. Afirma que Deus é honrado sobretudo por esse ofício, quando esse benefício é verdadeiramente celebrado, quando essa voz se espalha amplamente, e quando a fé e a gratidão são inflamadas nas mentes.
Ainda que, portanto, eu reconheça e lamente a minha infância, contudo, porque na escola, isto é, na principal assembleia da Igreja, me foi confiada essa tarefa de falar, obedeço com modéstia. Mas desejo de coração que outros, mais eruditos, falem sobre essas mesmas coisas. Nada preferiria ouvir de homens bons e doutos do que uma exposição grave acerca dessa causa.
Isso apresenta o sumo e máximo das obras divinas; isso ilustra a grandeza da misericórdia divina para conosco; isso mostra que a dignidade da natureza humana foi restaurada e aumentada; isso ensina como somos reconduzidos da morte eterna à luz, à justiça e à vida eterna. Certamente há outros sábios que filosofam sobre as leis dos movimentos celestes, que investigam as naturezas das plantas e buscam remédios salutares para esses corpos enfermos, que delimitam a terra em espaços determinados e finitos. Não censuro esses estudos. Mas essas doutrinas, ainda que elegantes e agradáveis, servem apenas a esta vida mortal; não mostram a natureza e a vontade de Deus para conosco, não nos restauram a luz, a justiça e a vida eterna. Atribuamos, portanto, também a esta doutrina mais útil, sobre as coisas eternas, alguma dedicação; não pensemos que são fábulas essas coisas que Cristo proclama acerca da união da natureza divina e humana, quando Ele confirmou Sua pregação com tantos testemunhos: pela ressurreição dos mortos, por Sua própria ressurreição, e porque foram muitos os apóstolos e companheiros como testemunhas dessas maiores realidades; além disso, todos os testemunhos pelos quais Deus Se revelou desde o princípio — a preservação de Noé no dilúvio, a libertação dos israelitas do Egito, enfim, a defesa de toda a organização política judaica — devem ser referidos a essa obra principal.
---
Philipp Melanchthon
Em Selectae Declarationes, tomo 3, p. 390 e seguintes; em Richardus, tomo 3, p. 38; e em Servetus, tomo 3, p. 370. Penso que este discurso foi escrito no ano de 1552, porque nesse mesmo ano Melanchthon a ensinou na escola.