Afraates (280-345), conhecido como o Sábio Persa, foi um teólogo cristão sírio do século III, nascido por volta de 280 na fronteira entre a Síria romana e o Império Sassânida, e falecido cerca de 345 em território persa. De origem iraniana, ele é venerado como São Afraates, o Persa, e sua obra principal, as Demonstrações, composta por 23 homilias, oferece uma exposição sistemática da doutrina e prática cristãs. Asceta e celibatário, provavelmente membro da ordem síria dos “filhos do pacto”, uma forma primitiva de monasticismo, Afraates é associado por tradições posteriores ao mosteiro de Mar Mattai, perto de Mosul, no atual Iraque, onde teria exercido o episcopado. Contemporâneo de Efrém, o Sírio, mas vivendo fora da esfera romana, ele testemunhou as tensões entre o Império Sassânida e o nascente cristianismo, articulando uma teologia enraizada nas Escrituras e voltada para as necessidades pastorais de sua comunidade sob perseguição. Sua escrita combina rigor exegético com uma preocupação prática, refletindo tanto a espiritualidade cristã quanto a precisão técnica de um líder eclesiástico.
Nascido sob o reinado de Sapor II, Afraates provavelmente descendia de uma família zoroastrista, com possíveis raízes judaicas persas, embora sua conversão ao cristianismo seja objeto de especulação posterior. Ao ser batizado, adotou o nome cristão Jacó, o que gerou confusões com Jacó de Nísibis, um bispo que participou do Concílio de Niceia e morreu em 338. A análise de suas obras, no entanto, demonstra que Afraates viveu além dessa data, testemunhando as perseguições iniciadas por Sapor II na década de 340, motivadas por tensões políticas com o Império Romano, que se declarara cristão sob Constantino. Essas perseguições, dirigidas especialmente contra cristãos sírios e armênios suspeitos de lealdade a Roma, moldaram o tom pastoral de Afraates, que se preocupava com a resiliência espiritual de sua comunidade. Sua proeminência é evidenciada por sua escolha, em 344, para redigir uma carta sinodal aos clérigos de Ctesifonte e Selêucia, sugerindo um papel de liderança, possivelmente como bispo, embora a atribuição ao mosteiro de Mar Mattai seja questionada por sua provável inexistência à época.
As Demonstrações, sua única obra conhecida, são 23 homilias pastorais que abordam temas de fé, prática cristã e questões teológicas específicas. Compostas em três fases distintas, elas refletem o contexto histórico e as preocupações de Afraates. As primeiras dez, escritas em 337, tratam de vida cristã, ordem eclesiástica e virtudes como fé, caridade e humildade, precedendo as perseguições. As homilias de 11 a 22, redigidas em 344, durante o auge da repressão, incluem reflexões sobre temas apocalípticos, judaísmo e práticas como circuncisão e Páscoa, respondendo a movimentos que buscavam judaizar o cristianismo persa. A vigésima terceira homilia, provavelmente escrita em 344 ou 345, explora o simbolismo da videira, traçando a promessa messiânica de Adão a Cristo. Cada homilia começa com uma letra consecutiva do alfabeto sírio nas primeiras 22, demonstrando uma estrutura deliberada. A prosa de Afraates, embora clara, incorpora ritmo poético e imagens bíblicas, mantendo-se ancorada no texto sagrado, especialmente no Diatessaron, a harmonia evangélica usada pela igreja síria. Seu método exegético, semelhante ao das academias rabínicas babilônicas, privilegia a interpretação literal e prática, evitando especulações filosóficas.
A teologia de Afraates é profundamente cristã, centrada na fé como fundamento da vida espiritual e na obediência às Escrituras. Suas homilias sobre escatologia, como a quinta Demonstração, interpretam as visões de Daniel, identificando os impérios babilônico, medo-persa, macedônio e romano, com os reis selêucidas como os chifres da quarta besta. Essa leitura reflete sua preocupação com o futuro da igreja em um contexto de instabilidade política. Sua abordagem pastoral é evidente na Demonstração 14, uma carta sinodal que exorta os clérigos à unidade e fidelidade em meio à perseguição. Afraates também se posiciona contra influências judaicas, defendendo a identidade cristã distinta, mas o faz com argumentos bíblicos, não com animosidade. Sua espiritualidade ascética, enraizada na disciplina do “pacto”, enfatiza a renúncia pessoal e a dedicação a Deus, um reflexo de sua própria vida celibatária.
As Demonstrações foram originalmente escritas em siríaco, mas traduzidas para armênio, georgiano e árabe, com algumas versões incorretamente atribuídas a Jacó de Nísibis ou Efrém, o Sírio. A tradução armênia, publicada em 1756, inclui apenas 19 homilias, enquanto as versões em georgiano e ge’ez preservam a riqueza do texto. A organização das homilias revela um projeto teológico coeso, destinado a formar uma exposição completa da fé cristã, desde os fundamentos doutrinários até as práticas éticas. A influência de Afraates é atestada por autores posteriores, como Bar Bahlul e Bar Hebraeus, que o reconhecem como uma figura central na igreja persa. Sua seleção para redigir documentos sinodais e sua estima entre o clero, conforme notado por Jorge, bispo dos árabes em 714, confirmam sua autoridade.
Afraates faleceu por volta de 345, deixando um legado que combina devoção cristã e habilidade técnica. Suas homilias, preservadas em manuscritos como o de 512, oferecem um testemunho da fé em um contexto de adversidade, enquanto sua administração pastoral demonstra uma capacidade de liderança em tempos de crise. Como o Sábio Persa, ele representa a vitalidade do cristianismo sírio fora do mundo romano, articulando uma teologia que equilibra a confiança nas Escrituras com a resposta prática aos desafios de sua era. Sua obra continua a ser um marco da literatura cristã primitiva, ilustrando a resiliência de uma fé fundamentada na palavra divina.