30.junho.2025
Sentenças, Livro 4 - Livro I, Distinção 2
Capítulo 1 - Da Trindade e da Unidade.
Sobre o mistério da Trindade e da unidade.
Deve-se manter com fé verdadeira e piedosa que "a Trindade é o único e verdadeiro Deus", como diz Agostinho no primeiro livro Sobre a Trindade, ou seja, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. E essa Trindade é dita, crida e compreendida como sendo de uma única e mesma substância ou essência, que é o Sumo Bem, o qual é contemplado pelas mentes mais purificadas. Com efeito, a visão da mente humana, por ser fraca, não consegue fixar-se numa luz tão elevada, a não ser que seja purificada pela justiça da fé.
O mesmo autor, na mesma obra: "Não aprovo o que disse em uma oração: 'Ó Deus, que não quiseste que senão os puros conhecessem a verdade'; pois pode-se responder que muitos, mesmo impuros, conhecem muitas verdades".
Portanto, sobre esse assunto tão elevado e excelso, deve-se tratar com humildade e temor, e ouvir com os ouvidos mais atentos e com devoção, "quando se busca a unidade da Trindade, isto é, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, porque em nenhum outro ponto é mais perigoso errar, nem mais trabalhoso investigar, nem mais proveitoso descobrir". – Assim, todo aquele que ouve e lê o que se diz sobre a luz inefável e inacessível da Divindade deve esforçar-se por imitar e conservar o que o venerável doutor Agostinho diz sobre si mesmo no primeiro livro Sobre a Trindade: "Não me envergonharei, diz ele, de procurar onde hesito; nem terei vergonha de aprender onde erro. Quem quer que ouça ou leia estas coisas, onde estiver certo, siga comigo; onde hesitar, busque comigo; onde reconhecer seu erro, volte para mim; onde perceber o meu erro, traga-me de volta. Assim entraremos juntos pelo caminho da caridade, buscando Aquele de quem se diz: 'Buscai sempre a Sua face'" (Salmo 104. 4).
Capítulo 2 - Qual foi a intenção dos autores ao escreverem sobre a Trindade.
Qual foi a intenção dos que escreveram sobre a Trindade.
"Todos os escritores católicos", como também diz Agostinho, "que escreveram sobre a Trindade que é Deus, tiveram como intenção ensinar, segundo as Escrituras, que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são de uma só substância, e que, em igualdade inseparável, são um só Deus", de modo que haja unidade na essência e pluralidade nas pessoas. "Por isso, não há três deuses, mas um só Deus, embora o Pai tenha gerado o Filho e, por isso, o Filho não seja o mesmo que o Pai; e o Filho tenha sido gerado pelo Pai e, por isso, o Pai não seja o mesmo que o Filho; e o Espírito Santo não seja nem o Pai nem o Filho, mas somente o Espírito do Pai e do Filho, coigual a ambos e pertencente à unidade da Trindade".
Agostinho, no livro Retratações: "Onde disse sobre o Pai e o Filho: 'Aquele que gera e Aquele que é gerado são um', deveria ter dito: 'são um só', como claramente a própria Verdade fala, dizendo: 'Eu e o Pai somos um'" (João 10. 30).
"Portanto, mantenhamos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são naturalmente um só Deus", como diz Agostinho no livro Sobre a Fé a Pedro, "sem que o próprio Pai seja o Filho, nem o Filho seja o Pai, nem o Espírito Santo seja o Pai ou o Filho. Pois uma é a essência do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que os gregos chamam de 'homousion'; nela, o Pai não é algo diferente do Filho, nem o Filho algo diferente do Espírito Santo, embora pessoalmente o Pai seja distinto do Filho, o Filho distinto do Pai, e o Espírito Santo distinto de ambos".
Capítulo 3 - Qual ordem deve ser seguida ao tratar da Trindade.
Qual deve ser a ordem a ser observada quando se trata da Trindade. Além disso, como ensina Agostinho no primeiro livro Sobre a Trindade, “primeiro é preciso demonstrar, segundo as autoridades das Sagradas Escrituras, se a fé se sustenta dessa forma. Em seguida, contra os faladores racionais, mais altivos do que capazes”, deve-se usar razões católicas e semelhanças convenientes para a defesa e afirmação da fé, de modo que, satisfazendo suas investigações, instruamos melhor os mansos, e que esses, “se não conseguirem encontrar o que procuram, que reclamem antes de suas próprias mentes do que da própria verdade ou da nossa exposição”.
Capítulo 4 - Dos testemunhos do Antigo Testamento nos quais o mistério da Trindade é declarado.
Testemunhos dos Santos sobre a Trindade.
Apresentemos, portanto, as autoridades do Antigo e do Novo Testamento pelas quais se demonstra a verdade da unidade e da Trindade divinas. E que ocorram primeiramente os inícios da Lei, onde Moisés diz: “Ouve, Israel: o Senhor, teu Deus, é o único Deus”; e ainda: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito; não terás outros deuses além de mim”. Eis que aqui é indicada a unidade da natureza divina: “‘Deus’ e ‘Senhor’, como diz Ambrósio no primeiro livro Sobre a Trindade, são nomes de natureza, nomes de poder”.
– Também, em outro lugar, Deus, falando a Moisés, diz: “Eu sou Aquele que sou. E se perguntarem meu nome, vá e diga-lhes: Aquele que é, me enviou a vocês”. Pois ao dizer “Eu sou”, e não “Nós somos”, e “Aquele que é”, e não “Aqueles que são”, declarou de modo claríssimo que há um só Deus. No Cântico do Êxodo também se lê: “O Senhor, onipotente é o seu nome”; não diz “Senhores”, querendo significar a unidade.
O próprio Senhor mostrou ao mesmo tempo a pluralidade de pessoas e a unidade da natureza quando disse no Gênesis: “Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança”. Ao dizer “Façamos” e “nossa”, mostrou a pluralidade de pessoas; mas ao dizer “imagem”, a unidade da essência. Pois, como diz Agostinho no livro Sobre a Fé a Pedro, “se naquela natureza do Pai, do Filho e do Espírito Santo houvesse apenas uma única pessoa, não se diria: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’. Pois ao dizer ‘à imagem’, mostra que é uma só a natureza à qual a imagem humana se refere; ao dizer ‘nossa’, mostra que esse mesmo Deus não é uma só pessoa, mas várias”.
Mostra claramente que ali não há solidão, nem diversidade, nem singularidade, mas semelhança. Hilário também, no terceiro livro Sobre a Trindade, diz que por essas palavras se indica que na Trindade não há diversidade, nem singularidade ou solidão, mas semelhança e pluralidade ou distinção. Ele afirma assim: “Aquele que disse: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’, mostrou que são semelhantes entre si ao dizer ‘imagem e semelhança nossa’. Pois a imagem não existe sozinha, nem a semelhança é de si mesma; nem a diversidade pode ser acrescentada à semelhança de um ao outro”.
– O mesmo autor, no quarto livro: “Quis que essa expressão fosse compreendida de forma mais absoluta, não referida somente a Si, ao dizer: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’. Pois a afirmação de um consórcio exclui a compreensão de singularidade, pois um consórcio não pode existir consigo mesmo isoladamente; tampouco a solidão do solitário admite ‘façamos’, nem alguém fala ‘nossa’ referindo-se a outro que não a si mesmo. Cada uma dessas expressões – ‘façamos’ e ‘nossa’ – impede que o sujeito seja solitário e também não indica que seja outro, diferente ou estranho. Ao solitário convém dizer ‘faço’ e ‘minha’; ao que não é solitário, convém ‘façamos’ e ‘nossa’. Ambas as expressões, assim, não significam um solitário nem um diferente ou diverso. Portanto, Deus é visto agindo para criar o ser humano à imagem e semelhança comum a Ele mesmo, de modo que nem o agente implique solidão, nem a obra feita à mesma imagem e semelhança admita diversidade na divindade”.
O que se deve entender dessas palavras.
Nessas palavras, Hilário quis que se entendesse a pluralidade de pessoas pelo nome “consórcio”; e mostrou que com esse termo não se afirma algo, mas se nega algo. Pois quando se fala em pluralidade ou consórcio de pessoas, nega-se a solidão e a singularidade; ao dizermos que há várias pessoas, indicamos que não há apenas uma única. Por isso Hilário, querendo que isso fosse compreendido de modo sutil e correto, disse: “A afirmação do consórcio eliminou a compreensão de singularidade”; não diz que colocou algo. Da mesma forma, quando dizemos três pessoas, negamos a singularidade e a solidão; e significamos que o Pai não está sozinho, nem o Filho está sozinho, nem o Espírito Santo está sozinho, e que não é somente o Pai e o Filho, nem somente o Pai e o Espírito Santo, nem somente o Filho e o Espírito Santo.
– Sobre isso, no entanto, trataremos mais plenamente adiante, quando também se mostrará em que sentido as três Pessoas são chamadas semelhantes e se há ali, de algum modo, diversidade ou diferença.
Retorno ao que havia começado, ou seja, propor outras autoridades.
Voltemos agora ao que foi proposto, e para mostrar a pluralidade de pessoas e a unidade da essência divina, apresentemos outras autoridades dos Santos.
– Moisés diz: “No princípio, Deus criou o céu e a terra”, significando com “Deus” o Pai, com “princípio” o Filho. E em vez do que em nossa língua se traduz como “Deus”, o original hebraico traz “Elohim”, que é o plural do singular “El”. Portanto, por não se dizer “El”, que é “Deus”, mas “Elohim”, que pode ser interpretado como “deuses” ou “juízes”, se refere à pluralidade de pessoas.
– Também parece referir-se a isso o que o diabo disse por meio da serpente: “Sereis como deuses”, para o que em hebraico está escrito “Elohim”, como se dissesse: Sereis como as Pessoas divinas.
Aquele também que é o maior entre os Profetas e Reis, Davi, que se antepõe aos demais em sabedoria ao dizer: “Compreendi mais que os anciãos”, ao mostrar a unidade da natureza divina, diz: “O Senhor é o nome d'Ele”; não diz “Senhores”.
– Em outro lugar também, mostrando ao mesmo tempo a unidade e a eternidade, diz na pessoa de Deus: “Israel, se me ouvires, não haverá em ti um deus recente, nem adorarás um deus estrangeiro”. “Um desses termos”, como diz Ambrósio no primeiro livro Sobre a Trindade, “significa a eternidade; o outro, a unidade da substância indiferente, para que não se creia que o Filho ou o Espírito Santo são posteriores ao Pai ou pertencem a outra divindade. Pois se o Filho ou o Espírito Santo fossem posteriores ao Pai, seriam recentes; e se não fossem da mesma divindade, seriam estrangeiros. Mas não são posteriores, pois não são recentes; nem estrangeiros, pois o Filho é gerado do Pai, e o Espírito Santo procede do Pai”.
Em outro lugar também, insinuando a distinção das Pessoas, diz: “Pela palavra do Senhor foram firmados os céus, e pelo sopro da Sua boca todo o seu exército”.
– E ainda: “Abençoe-nos Deus, o nosso Deus, abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra O temam”; pois a tripla menção a “Deus” exprime a Trindade das pessoas; e a unidade da essência é revelada quando acrescenta de forma singular: “O temam”.
– Isaías também diz ter ouvido os Serafins clamando: “Santo, santo, santo é o Senhor Deus”; ao dizer “santo” três vezes, indica a Trindade; ao dizer “Senhor Deus”, a unidade da essência.
Davi também insinua claramente a geração eterna do Filho, dizendo na pessoa do Filho: “O Senhor disse a mim: Tu és meu Filho, Eu hoje te gerei”. Sobre essa geração inefável, Isaías diz: “Quem narrará Sua geração?”
– No livro da Sabedoria, a eternidade do Filho com o Pai é mostrada, onde a Sabedoria fala assim: “O Senhor me possuiu no início de Seus caminhos, antes de fazer qualquer coisa desde o princípio. Desde a eternidade fui estabelecida, antes que a terra fosse feita. Ainda não existiam os abismos, e eu já havia sido concebida; ainda não havia fontes, nem montes ou colinas, e eu era gerada. Ainda não tinha feito a terra e os fundamentos do mundo: quando preparava os céus, eu estava lá; quando fixava os fundamentos da terra, com Ele estava ordenando todas as coisas e me alegrava todos os dias, brincando diante dEle”. Eis aí um testemunho claro da geração eterna, no qual a própria Sabedoria atesta que foi concebida e gerada antes do mundo, e que existe eternamente junto ao Pai.
– A mesma ainda diz em outro lugar: “Eu saí da boca do Altíssimo, primogênita antes de toda criatura”. O profeta Miqueias também insinua ao mesmo tempo a geração eterna do Verbo e a temporal de Maria ao dizer: “E tu, Belém-Efrata, pequena entre os milhares de Judá: de ti sairá aquele que há de governar Israel; e Sua origem é desde o princípio, desde os dias da eternidade”.
Testemunhos específicos sobre o Espírito Santo.
Também temos testemunhos explícitos sobre o Espírito Santo no Antigo Testamento.
– No Gênesis se lê: “O Espírito do Senhor pairava sobre as águas”.
– E Davi diz: “Para onde irei, longe do Teu Espírito?”
– E no livro da Sabedoria está escrito: “O Espírito Santo da disciplina fugirá da falsidade, pois é benigno o Espírito da sabedoria”.
– Isaías também diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim etc.”.
Capítulo 5 - Dos testemunhos do Novo Testamento que tratam do mesmo assunto.
Dos testemunhos do Novo Testamento. Agora, depois dos testemunhos do Antigo Testamento sobre a fé na santa Trindade e na Unidade, passemos às autoridades do Novo Testamento, para que "no meio de dois animais" se reconheça a verdade; e da "tenaz do altar" se tome a "brasa", com a qual sejam tocados os lábios dos fiéis.
O Senhor Cristo, portanto, insinua claramente a unidade da essência divina e a Trindade das Pessoas ao dizer aos Apóstolos: "Ide, batizai todas as nações em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". "Em nome", Ele disse, como afirma Ambrósio no primeiro livro Sobre a Trindade, e não "em nomes", para mostrar a unidade da essência; e pelos três nomes que apresentou, declarou que são três Pessoas. – Ele mesmo também disse: "Eu e o Pai somos um". Disse "um", como diz Ambrósio no mesmo livro, para que não se faça distinção quanto ao poder ou à natureza; mas acrescentou "somos", para que se conheça o Pai e o Filho, ou seja, para que se creia que o Pai perfeito gerou o Filho perfeito, e que o Pai e o Filho são um, não por confusão, mas por unidade de natureza.
João também, em sua Epístola canônica, afirma: "Três são os que dão testemunho no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo; e esses três são um". Ele mesmo, no início do seu Evangelho, diz: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus"; onde mostra claramente que o Filho sempre esteve, e eternamente, com o Pai – como um junto a outro.
O Apóstolo também distingue claramente a Trindade ao dizer: "Enviou o Espírito de Seu Filho aos nossos corações"; e em outro lugar: "Se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus habita em nós", etc. – Ainda em outro lugar, ele recomenda com máxima clareza tanto a Trindade quanto a Unidade, dizendo: "Porque d’Ele, por Ele e n’Ele são todas as coisas; a Ele a glória". "D’Ele", diz, como explica Agostinho no livro Sobre a Trindade, referindo-se ao Pai; "por Ele", ao Filho; "n’Ele", ao Espírito Santo. E pelo fato de não dizer "d’Eles, por Eles e n’Eles", nem "a Eles a glória", mas "a Ele", insinuou que essa Trindade é um só Senhor Deus.
Mas, como quase cada sílaba do Novo Testamento insinua concordemente essa inefável verdade da Unidade e da Trindade, suspendamos a enumeração dos testemunhos sobre essa questão, e mostremos, conforme nossa fraqueza permite, que isso é assim por razões e por semelhanças convenientes.
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Pedro Lombardo, Sentenças.