Mahalia Jackson (1911-1972), nascida em 26 de outubro de 1911 em Nova Orleans e falecida em 27 de janeiro de 1972, foi uma das vozes mais impactantes do século XX, cuja carreira de quatro décadas transformou a música gospel em um fenômeno global. Com vendas estimadas em 22 milhões de discos, ela levou o gospel blues das igrejas afro-americanas a plateias integradas em salas de concerto e à televisão, rompendo barreiras raciais em uma era de segregação nos Estados Unidos. Sua dedicação à mensagem cristã, expressa por meio de uma voz contralto poderosa e improvisações emocionais, não apenas definiu o gênero, mas também inspirou estilos como rhythm and blues, soul e rock and roll. Apesar da pressão para gravar música secular, Jackson permaneceu fiel ao gospel, guiada por uma fé inabalável e um senso de missão divina. Sua habilidade técnica, embora autodidata, aliada a uma presença de palco avassaladora, consolidou-a como uma figura central na “Era de Ouro do Gospel” e uma defensora dos direitos civis, apoiando Martin Luther King Jr. e outros líderes com sua música e influência.
Criada em condições de pobreza, Mahalia era neta de escravizados e filha de Charity Clark e Johnny Jackson, que não se casaram. Órfã de mãe aos cinco anos, foi acolhida por tias em uma casa lotada no bairro de Water Street, Nova Orleans. Apesar de problemas de saúde na infância, como infecções nos olhos e pernas arqueadas, ela encontrou refúgio na Igreja Batista Plymouth Rock, onde a música congregacional, com seus ritmos intensos e palmas, moldou sua sensibilidade musical. Aos quatro anos, já cantava no coral infantil, absorvendo hinos protestantes e espirituals animados que contrastavam com a formalidade de sua igreja. A proximidade com uma igreja pentecostal local, cujos cultos vibrantes ecoavam tamborins e cânticos jubilantes, também a marcou profundamente, ensinando-lhe o “balanço” que caracterizaria suas apresentações. A influência de Bessie Smith, ouvida em discos tocados por seu primo, adicionou um toque de blues à sua abordagem, que ela adaptou para hinos cristãos, criando um estilo único que combinava fervor espiritual com expressão emocional crua.
Aos 16 anos, Mahalia mudou-se para Chicago, acompanhando uma tia durante a Grande Migração de afro-americanos do Sul para o Norte. Inicialmente, sonhava em ser enfermeira, mas a necessidade de trabalhar como lavadeira e faxineira a afastou da escola. Na Igreja Batista Greater Salem, encontrou um lar espiritual, integrando-se ao coral e ao grupo Johnson Singers, um dos primeiros conjuntos gospel de Chicago. Sua entrega exuberante, marcada por improvisações e gritos de êxtase, chocava os membros mais formais, acostumados a hinos solenes. Sob a orientação de Thomas Dorsey, pioneiro do gospel blues, ela refinou sua técnica, aprendendo a explorar a emoção em canções mais lentas. Dorsey, que a acompanhava ao piano, incentivava sua improvisação, permitindo-lhe criar melodias espontâneas que cativavam as plateias. Durante 15 anos, Mahalia trabalhou como uma “cantora de peixe e pão”, equilibrando empregos braçais com apresentações em igrejas, funerais e comícios políticos, ganhando reputação como a única cantora gospel profissional de Chicago na década de 1930.
O reconhecimento nacional veio em 1947 com o lançamento de “Move On Up a Little Higher” pela Apollo Records, que vendeu dois milhões de cópias e alcançou o segundo lugar nas paradas da Billboard, um marco para o gospel. A canção, gravada em duas partes para um disco de 78 rpm, capturou a atenção de fãs de jazz nos Estados Unidos e na Europa, levando Mahalia a ser a primeira artista gospel a excursionar pelo continente. Sua voz, descrita como uma força angelical, ressoava em programas de rádio e televisão, como o de Ed Sullivan, e em eventos de alto perfil, como a posse de John F. Kennedy em 1961, onde cantou o hino nacional. Apesar do sucesso, ela enfrentava desafios logísticos no Sul segregado, onde sua comitiva lutava para encontrar hospedagem segura. Sua fé a guiava em decisões profissionais: recusou propostas lucrativas para cantar blues ou atuar em teatros, mantendo um compromisso ético com o gospel, mesmo quando isso significava confrontos com seu primeiro marido, Isaac Hockenhull, de quem se divorciou em 1943.
Mahalia também desempenhou um papel significativo no movimento pelos direitos civis, usando sua música para arrecadar fundos e inspirar ativistas. Sua amizade com Martin Luther King Jr. a levou a cantar na Marcha de Washington em 1963, onde apresentou “I’ve Been ’Buked and I’ve Been Scorned” a pedido de King, e a apoiar causas como o boicote aos ônibus de Montgomery. Sua casa em Chicago tornou-se um refúgio para líderes do movimento, e ela financiou iniciativas como bolsas de estudo para jovens negros. Diagnosticada com sarcoidose na década de 1950, Mahalia enfrentou problemas de saúde crescentes, incluindo fadiga e crises cardíacas, que a forçaram a reduzir sua agenda após uma turnê exaustiva pela Europa em 1952. Mesmo assim, continuou a se apresentar, gravando para a Columbia Records a partir de 1954, onde lançou 28 álbuns que, embora mais polidos que seus trabalhos na Apollo, ampliaram seu alcance para públicos diversos.
Nos últimos anos, Mahalia expandiu seus empreendimentos, abrindo uma cadeia de restaurantes e apoiando projetos filantrópicos, como a Mahalia Jackson Foundation, que financiou estudos para 50 universitários. Sua saúde, no entanto, deteriorou-se, agravada por um segundo casamento conturbado com Sigmond Galloway, terminado em divórcio litigioso. Em 1971, ela realizou turnês pelo Japão e Índia, onde foi recebida por líderes como Indira Gandhi, mas uma obstrução intestinal levou à sua morte em 1972, após uma cirurgia. Seu funeral em Chicago e Nova Orleans atraiu dezenas de milhares, refletindo seu impacto como um ícone cultural. Tecnicamente, Mahalia era uma improvisadora genial, cuja voz oscilava entre contralto e soprano, ornamentada com melismas e inflexões de blues. Sua espiritualidade cristã, enraizada na crença de que cantava para glorificar Deus, dava autenticidade às suas performances, que evocavam catarse em igrejas e auditórios. Como uma figura que transcendia barreiras raciais e musicais, Mahalia Jackson permanece um símbolo de resiliência, fé e excelência artística.