28.dezembro.2025
Sobre a santificação do sábado.
Deus completou no sétimo dia a obra que havia feito. Não porque no sétimo dia tenha criado alguma coisa (Gênesis 2), mas porque, quanto ao nosso conhecimento, no sétimo dia pôde ser sabido que Ele havia completado tudo desde o princípio, quando reconhecemos que nada foi feito por Ele nesse dia. Alguns pensam que a letra Coph, que é acrescentada ali, significa “antes”, e citam Deuteronômio 25: “Não amordace o boi enquanto debulha”. Mas isso não convence, porque também ali podemos entender “durante a debulha”. Aqui, porém, não há nenhuma dúvida, pois essa consumação, perfeição ou conclusão das criaturas não é alguma obra acrescentada às criadas no sexto dia, mas no sétimo dia as coisas são indicadas como já tendo existido completas e perfeitas. O fato de Ele ter descansado no sétimo dia não deve ser entendido como descanso de trabalho, mas de obra criadora; pois o descanso pode nos indicar duas coisas: ou o fim e o término da ação, e assim é tomado aqui; ou um alívio após o trabalho, o que de modo algum deve ser atribuído a Deus. Com efeito, Ele não criou o mundo com esforço, mas, como dizem os hebreus, pela letra He, que é produzida apenas pelo sopro: “Pela palavra do Senhor foram firmados os céus, e pelo sopro de Sua boca, todo o exército deles” (Salmo 33. 6).
As mistérias do número sete são aqui omitidas, com as quais Deus parece ter-se agradado profundamente, quando concluiu com ele coisas grandes e excelentes que fez e ordenou; apenas notemos isto: que, dentre quaisquer sete dias, um deve ser reservado para Deus. Como Deus cessou da obra (Gênesis 2. 9. 17), se agora também opera? (João 5). Ora, Sua ação é pura e simples, e jamais se interrompe a Sua ação felicíssima. Dizemos que isso deve ser entendido quanto a novas criaturas, das quais Deus não concedeu nenhuma depois disso (Atos 17. 28); contudo, Ele sempre age governando e preservando: “porque n’Ele vivemos, nos movemos e somos” (Atos 17). E enquanto frui em Si mesmo a felicidade eterna. Afastem-se, portanto, aqueles que esperam vários mundos depois do nosso; há apenas um, e este é o fim das criaturas, conforme aqui é descrito. Nem há motivo para o ser humano temer que alguma outra criatura venha a ser criada antes dele. Nem é pequena a glória do ser humano o fato de Deus ter descansado após a sua criação, e de, nele, ter sido imposta ao mundo inteiro a mão final. Diz-se que Deus abençoou o sétimo dia (Gênesis 2). Abençoar, porém, é dar e conceder algo. O que Deus nos concedeu nesse sétimo dia? Muito: este mundo cheio e repleto de todos os bens. Que admira, então, que depois esse mesmo dia lhe tenha sido especialmente agradável? Pois está escrito: “Aquilo com que Ele te abençoou, disso lhe darás” (Deuteronômio 1). Deus abençoou o sétimo dia, deu-lhe este preceito: que nele os seres humanos descansassem e se dedicassem ao culto divino. O rabino Agnon diz que essa bênção passa para aqueles que observam e santificam o próprio sábado. E a observância dele não começou quando a Lei foi dada no Sinai, mas já era celebrada antes da Lei, como aparece na chuva do maná (Êxodo 16. 23).
Santificar, neste contexto, significa destinar algo ao culto divino, embora o termo assuma sentidos diversos em outras passagens. Deus santificou o sábado pelo próprio ato de descansar de Sua obra. Essa santificação não apenas foi posteriormente reiterada na Lei, como também se manifestou concretamente quando, nesse dia, Deus deixou de conceder maná ao povo no deserto. Contudo, não se deve concluir daí que o povo de Deus fosse chamado à ociosidade, seja nesse número específico de dias, seja em qualquer outro. De modo algum. Assim como Deus não cessou de toda atividade, mas apenas da produção das coisas naturais, também nós somos chamados a refrear as obras provenientes de nossa natureza corrompida, sem jamais nos afastarmos da obediência aos impulsos de Deus; antes, devemos dedicar-nos ainda mais intensamente a esse único e verdadeiro trabalho, especialmente nos dias consagrados.
É isso que o apóstolo Paulo expõe na Epístola aos Hebreus, no capítulo 4, ao exortar-nos a descansar não de quaisquer obras, mas das nossas próprias — isto é, daquelas que procedem da carne. Tal descanso é precisamente aquilo que o cristão deve buscar em vista da vida eterna. Por essa razão, o cristianismo não pode ser acusado de negligenciar o sábado, pois consagra todo o tempo da vida à realidade que o sábado prefigurava. Nesse sentido, deve-se compreender de modo alegórico o fato de que o sétimo dia não é descrito como tendo manhã ou tarde: ele representa o descanso perpétuo destinado aos filhos de Deus.
Observe-se ainda a ordem da criação: todas as demais coisas foram criadas por causa do ser humano; por isso, o ser humano é criado após elas. O ser humano, porém, existe para o culto de Deus; por essa razão, imediatamente após sua criação, introduz-se a bênção e a santificação do sábado. Daí se segue que, quando a Igreja determina que em determinado dia da semana os fiéis se dediquem ao culto divino, tal prescrição não é uma invenção meramente humana nem algo restrito à Lei Mosaica, mas possui fundamento já no princípio da criação e visa à imitação do próprio Deus.
Se alguém perguntar por que esse dia específico não foi mantido na observância da Igreja cristã, respondemos que, na verdade, o sábado foi mantido de modo ainda mais pleno, pois somos chamados a considerar todos os dias como sábados, descansando continuamente de nossas próprias obras. Quanto à escolha de um dia específico, em detrimento de outro, para o culto externo de Deus, isso foi deixado por Cristo à liberdade da Igreja, para que ela adotasse aquilo que julgasse mais conveniente. E a Igreja não errou ao preferir, na observância do dia do Senhor, a memória da restauração perfeita — isto é, da ressurreição de Cristo — àquela que recordava apenas a estrutura do mundo criado (cf. 1 Coríntios). Quando Paulo menciona “um dos sábados”, refere-se ao dia da assembleia sagrada.
Certamente Deus poderia ter destinado todos os dias, ou muitos deles, ao Seu culto. Contudo, sabendo que o ser humano está sujeito ao preceito de comer o pão com o suor do rosto, determinou que ao menos um dia na semana fosse reservado, no qual, deixando de lado as demais ocupações, nos dedicássemos exclusivamente a Ele. Assim como em outras cerimônias há elementos perpétuos e eternos, ao lado de aspectos mutáveis e temporários — como ocorre na circuncisão e no batismo, em que é permanente o princípio de que os membros da aliança sejam assinalados por um sinal externo, embora o modo desse sinal varie conforme o arbítrio divino —, assim também é firme e imutável o princípio de que um dia da semana seja consagrado ao culto divino. Todavia, a determinação de qual dia específico deve ser observado pertence à ordem do que é temporário e mutável.
Antigamente, por disposição da Lei, observava-se o sábado para manter viva a memória da criação do mundo; agora, porém, observa-se o dia do Senhor para recordar a ressurreição de Cristo e, assim, fortalecer a esperança da futura ressurreição dos fiéis. Quanto ao momento exato dessa mudança, não temos uma determinação explícita nas Sagradas Escrituras. No entanto, no Apocalipse de João encontramos menção expressa ao dia do Senhor, e é verossímil que, por algum tempo, os primeiros cristãos tenham conservado o costume judaico de se reunirem no sábado. Posteriormente, contudo, como é sabido, essa prática foi gradualmente modificada.
Muitas outras causas ainda podem ser apontadas pelas quais, além do sábado, Deus quis que Seu povo subisse todos os anos ao lugar que Ele tivesse escolhido, por motivo de religião. Primeiro, isso foi estabelecido para que a memória de Seus benefícios não se apagasse, mas fosse renovada pelas peregrinações anuais; pois na Páscoa celebrava-se o memorial da libertação do Egito; no Pentecostes, o da Lei dada por meio de Moisés. Depois, em ambas as solenidades, davam-se graças pelas novas colheitas: porque na Páscoa ofereciam as primícias da cevada, e no Pentecostes, pães feitos do trigo novo. Por fim, na festa dos tabernáculos, recordava-se o benefício pelo qual Deus sustentou os pais no deserto por quarenta anos, e rendiam-se graças porque já haviam recolhido todo tipo de frutos. Com razão, porém, esses três principais dons de Deus eram recordados por meio dessas três peregrinações, pois são os principais bens de que se compõe a sociedade humana. Com efeito, a primeira felicidade de algum povo é que exista uma república e que seja livre, o que os judeus obtiveram quando foram libertados da dura servidão egípcia. A seguinte é que possua leis e cultos próprios, pois nenhuma república subsiste sem leis e culto. A terceira é que nada falte para a subsistência. Por isso, a memória desses benefícios era renovada anualmente por ordem de Deus.
Outra causa desses deslocamentos foi a preservação da união do povo no culto e na religião. Pois, quando os judeus se reuniam e sacrificavam segundo um único e mesmo rito, prevenia-se com grande prudência que surgissem religiões diversas. A quinta causa foi que os sacerdotes e levitas instruíssem publicamente o povo na Lei e no culto, de modo que o povo retornava muito mais bem instruído do que havia chegado. Aponta-se também uma sexta causa: que, nesse encontro e convívio mútuo, a caridade entre as tribos se fortalecesse e aumentasse. Com efeito, viam-se mutuamente, conversavam entre si, celebravam refeições em comum e, o que é principal, uniam-se em orações públicas e solenes. Em seguida, decorria dessas peregrinações a necessária sustentação do ministério sagrado, pois se multiplicavam as oblações e os sacrifícios, cuja maior parte cabia aos sacerdotes e levitas. Além disso, o ânimo dos que oravam era confirmado pela experiência de que suas súplicas eram ouvidas por Deus. Pois Ele havia prometido que cumpriria, naquele lugar, os votos do povo; razão que certamente também deve mover-nos a celebrar as assembleias sagradas. Porque, embora possamos orar a Deus em casa, como Ele prometeu que admitiria nossas orações onde dois ou três estivessem reunidos em Seu nome, por isso não podem ser negligenciadas as celebrações regulares das assembleias eclesiásticas.
Além disso, Deus quis que, por meio dessas peregrinações sagradas, dessem testemunho de obediência, sobretudo porque o lugar para o qual deveriam ir não era escolhido por eles, mas determinado pelo arbítrio de Deus. Não se deve omitir que esse lugar remetia os pais ao Messias, sem o qual nenhuma obra humana, por mais bela e esplêndida que seja, pode agradar a Deus. Por fim, isso era uma obra, um exercício notável de fé: pois, todas as vezes que deviam subir ao lugar destinado ao culto, os hebreus eram obrigados a deixar todas as suas coisas em casa, vazias e sem guarda. Com efeito, seria possível que, nesse meio-tempo, os inimigos irrompessem e saqueassem tudo; mas eles obedeciam à palavra de Deus e tinham por pouco tudo o que pudesse acontecer, confiando todas as suas coisas à fé divina. E tão grande era a confiança deles em Deus que não duvidavam de que Ele defenderia seus territórios, ainda que estivessem desguarnecidos. Três vezes ao ano, porém, todos os homens deviam apresentar-se perante o Senhor, e isso em solenidades fixas e determinadas, que já mencionamos. As mulheres, porém, por essa Lei não eram obrigadas, pois ou estavam grávidas ou podiam facilmente ser impedidas por outras causas justas; contudo, quando não havia impedimento, vinham espontaneamente.
Celebrar solenemente o dia do nascimento foi costume de todos os povos, e, a meu juízo, isso não é feito de modo vicioso, contanto que se observe uma piedosa moderação. Pois é, sem dúvida, um dom notável que, entre as criaturas de Deus, possamos ser lembrados ao fim; e dar graças a Deus por isso, e manifestar a alegria do ânimo no ato de agradecer por meio de algum símbolo externo de um convívio moderado: quem duvida de que isso seja feito corretamente? Esse é o uso dos prazeres honestos: que sempre estejam acompanhados de piedade. Lembremo-nos, entretanto, do que vemos ter ocorrido no banquete de Herodes, quando celebrava o dia de seu nascimento (Gênesis 46. 14); pois, como introduziu coisas indevidas, danças de moças e juramentos temerários, seguiu-se aquele exemplo funesto de que a cabeça de João foi cortada. Isso não é dar graças a Deus por um grande benefício, mas servir ao ventre e às cobiças. Nem se deve, além disso, aprovar entre os cristãos que deem tamanha importância ao nascimento carnal e se esqueçam da regeneração em Cristo. Esse benefício, sobretudo, deveria permanecer profundamente gravado em nossos ânimos: que fomos enxertados e iniciados em Cristo.
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Peter Martyr Vermigli
Loci Communes (1576).