11.abril.25
Cristo é tudo.
"Cristo é tudo." (Colossenses 3. 11).
As palavras do texto que encabeça esta página são poucas, curtas e logo ditas; mas contêm grandes coisas. Como aqueles ditos de ouro, "Para mim o viver é Cristo" — "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" — são singularmente ricas e sugestivas (Filipenses 1. 21; Gálatas 2. 20).
Essas três palavras são a essência e a substância do Cristianismo. Se nossos corações realmente puderem acompanhá-las, está bem com nossas almas. Se não, podemos estar certos de que ainda temos muito a aprender.
Deixe-me tentar expor aos meus leitores em que sentido "Cristo é tudo"; e permita-me pedir-lhes, enquanto leem, que julguem a si mesmos honestamente, para que não naufraguem no julgamento do último dia.
Eu propositalmente fecho este volume com um texto sobre esta notável passagem. Cristo é a mola principal tanto do Cristianismo doutrinário quanto do prático. Um conhecimento correto de Cristo é essencial para um conhecimento correto da santificação, assim como da justificação. Aquele que busca a santidade não fará progresso algum, a menos que dê a Cristo o lugar que Lhe é devido. Comecei o volume com uma declaração simples sobre o pecado. Permita-me terminá-lo com uma declaração igualmente simples sobre Cristo.
Antes de tudo, entendamos que Cristo é tudo, em todos os conselhos de Deus a respeito do homem.
(a) Houve um tempo em que esta terra não existia. Sólidas como parecem as montanhas, imenso como parece o mar, altos como parecem os céus estrelados — eles uma vez não existiram. E o homem, com todos os elevados pensamentos que hoje tem de si mesmo, era uma criatura desconhecida.
E onde estava Cristo então?
Mesmo então Cristo estava "com Deus" — e "era Deus" — e era "igual a Deus" (João 1. 1; Filipenses 2. 6). Mesmo então Ele era o Filho amado do Pai: "Tu Me amaste", diz Ele, "antes da fundação do mundo." — "Eu tinha glória contigo antes que o mundo existisse." — "Fui estabelecido desde a eternidade, desde o princípio, antes do começo da terra." (João 17. 5, 24; Provérbios 8. 23). Mesmo então Ele era o Salvador "preordenado antes da fundação do mundo" (1 Pedro 1. 20), e os crentes eram "escolhidos n'Ele" (Efésios 1. 4).
(b) Houve um tempo em que esta terra foi criada em sua presente ordem. Sol, lua e estrelas — mar, terra e todos os seus habitantes foram chamados à existência e formados a partir do caos e da confusão. E, por último, o homem foi formado do pó da terra.
E onde estava Cristo então?
Ouça o que a Escritura diz: "Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez." (João 1. 3). "Porque n'Ele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra." (Colossenses 1. 16). "E Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, e os céus são obra de Tuas mãos." (Hebreus 1. 10). "Quando Ele preparava os céus, ali estava Eu: quando traçava um círculo sobre a face do abismo: quando estabelecia as nuvens acima: quando fortificava as fontes do abismo: quando fixava ao mar o seu decreto, para que as águas não ultrapassassem o seu mandamento: quando estabelecia os fundamentos da terra: então Eu estava com Ele, como arquiteto." (Provérbios 8. 27-30). Podemos nós nos admirar que o Senhor Jesus, em Sua pregação, continuamente tirasse lições do livro da natureza? Quando Ele falava das ovelhas, dos peixes, dos corvos, do trigo, dos lírios, da figueira, da videira — Ele falava de coisas que Ele mesmo havia feito.
(c) Houve um dia em que o pecado entrou no mundo. — Adão e Eva comeram do fruto proibido e caíram. Eles perderam aquela natureza santa na qual foram primeiramente formados. Perderam a amizade e o favor de Deus e se tornaram culpados, corruptos, impotentes e desesperançados. O pecado se interpôs como uma barreira entre eles e seu santo Pai celestial. Se Deus tivesse lidado com eles segundo seus merecimentos, nada haveria diante deles senão morte, inferno e ruína eterna.
E onde estava Cristo então?
Naquele mesmo dia Ele foi revelado aos nossos pais trêmulos como a única esperança de salvação. No próprio dia em que caíram, foi-lhes dito que "a semente da mulher pisaria a cabeça da serpente" — que um Salvador nascido de mulher venceria o diabo e conquistaria para o homem pecador a entrada para a vida eterna (Gênesis 3. 15). Cristo foi apresentado como a verdadeira luz do mundo no próprio dia da queda; e desde aquele dia jamais foi dado a conhecer qualquer outro nome pelo qual as almas pudessem ser salvas, exceto o d'Ele. Por meio d'Ele todas as almas salvas entraram no céu, desde Adão até hoje; e sem Ele ninguém jamais escapou do inferno.
(d) Houve um tempo em que o mundo parecia afundado e sepultado na ignorância de Deus. Após 4.000 anos, as nações da terra pareciam ter esquecido completamente o Deus que as criou. Os impérios Egípcio, Assírio, Persa, Grego e Romano nada fizeram senão espalhar superstição e idolatria. Poetas, historiadores e filósofos provaram que, com todo o seu poder intelectual, não tinham verdadeiro conhecimento de Deus; e que o homem, deixado a si mesmo, era totalmente corrupto. "O mundo, pela sua sabedoria, não conheceu a Deus" (1 Coríntios 1. 21). Exceto uns poucos judeus desprezados num canto da terra, o mundo inteiro estava morto em ignorância e pecado.
E o que Cristo fez então?
Ele deixou a glória que tivera por toda a eternidade com o Pai e desceu ao mundo para providenciar uma salvação. Tomou a nossa natureza sobre Si e nasceu como homem. Como homem, fez perfeitamente a vontade de Deus, que todos nós deixamos de cumprir; como homem, sofreu na cruz a ira de Deus que nós deveríamos ter sofrido. Trouxe uma justiça eterna para nós. Redimiu-nos da maldição de uma lei quebrada. Abriu uma fonte para todo pecado e impureza. Morreu pelos nossos pecados. Ressuscitou para a nossa justificação. Ascendeu à direita de Deus e ali se assentou, esperando até que Seus inimigos sejam postos por estrado de Seus pés. E ali Ele está agora, oferecendo salvação a todos os que vêm a Ele, intercedendo por todos os que crêem n'Ele e administrando, por designação de Deus, tudo o que diz respeito à salvação das almas.
(e) Há um tempo vindouro em que o pecado será lançado fora deste mundo. — A maldade não florescerá para sempre sem ser punida — Satanás não reinará para sempre — a criação não gemerá eternamente sob o peso da corrupção. Haverá um tempo de restauração de todas as coisas. Haverá um novo céu e uma nova terra, onde habitará a justiça, e a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar (Romanos 8. 22; Atos 3. 21; 2 Pedro 3. 13; Isaías 11. 9).
E onde estará Cristo então? E o que fará Ele?
O próprio Cristo será Rei. Ele voltará a esta terra e fará novas todas as coisas. Virá nas nuvens do céu com poder e grande glória, e os reinos do mundo se tornarão Seus. Os gentios Lhe serão dados por herança e os confins da terra por possessão. Diante d'Ele todo joelho se dobrará, e toda língua confessará que Ele é o Senhor. Seu domínio será um domínio eterno, que não passará, e Seu reino jamais será destruído (Mateus 24. 30; Apocalipse 11. 15; Salmo 2. 8; Filipenses 2. 10, 11; Daniel 7. 14).
(f) Há um dia vindo em que todos os homens serão julgados. O mar dará os mortos que nele estão, e a morte e o inferno entregarão os mortos que neles há. Todos os que dormem no pó da terra ressuscitarão e sairão, e todos serão julgados segundo as suas obras. (Apocalipse 20. 13; Daniel 12. 2).
E onde estará Cristo então?
O próprio Cristo será o Juiz. "O Pai deu todo o juízo ao Filho." — "Quando o Filho do homem vier na sua glória, então se assentará no trono da sua glória; — e diante dele se reunirão todas as nações; e ele separará uns dos outros, como o pastor separa os bodes das ovelhas." — "Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal." (João 5. 22; Mateus 25. 32; 2 Coríntios 5. 10).
Ora, se algum leitor deste texto pensa pouco de Cristo, saiba hoje que é muito diferente de Deus! Você é de um pensamento, e Deus é de outro. Você pensa que é suficiente dar a Cristo um pouco de honra — um pouco de reverência — um pouco de respeito. Mas em todos os eternos conselhos de Deus Pai, na criação, redenção, restauração e juízo — em todos esses, Cristo é "tudo".
Certamente faremos bem em considerar essas coisas. Certamente não está escrito em vão: "Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou." (João 5. 23).
II. Em segundo lugar, entendamos que "Cristo é tudo" nos livros inspirados que compõem a Bíblia.
Em cada parte de ambos os Testamentos, Cristo pode ser encontrado — de forma obscura e indistinta no começo — mais clara e evidentemente no meio — plena e completamente no fim — mas real e substancialmente em toda parte.
O sacrifício e a morte de Cristo pelos pecadores, e o reino e a futura glória de Cristo, são a luz que devemos lançar sobre qualquer livro das Escrituras que lemos. A cruz de Cristo e a coroa de Cristo são a chave que devemos segurar firmemente se quisermos encontrar o caminho através das dificuldades das Escrituras. Cristo é a única chave que abrirá muitos dos lugares obscuros da Palavra. Algumas pessoas reclamam que não entendem a Bíblia. E a razão é muito simples. Elas não usam a chave. Para elas, a Bíblia é como os hieróglifos do Egito. É um mistério, justamente porque elas não conhecem e nem empregam a chave.
(a) Foi Cristo crucificado quem foi representado em todo sacrifício do Antigo Testamento. Cada animal morto e oferecido sobre um altar era uma confissão prática de que se esperava um Salvador que morreria pelos pecadores — um Salvador que tiraria o pecado do homem, sofrendo como seu Substituto e Portador de Pecados, em seu lugar. (1 Pedro 3. 18). É absurdo supor que uma matança sem sentido de animais inocentes, sem um objetivo claro, pudesse agradar ao Deus eterno!
(b) Foi em Cristo que Abel confiou quando ofereceu um sacrifício melhor do que Caim. Não apenas o coração de Abel era melhor do que o de seu irmão, mas ele demonstrou seu conhecimento do sacrifício vicário e sua fé em uma expiação. Ele ofereceu dos primogênitos do seu rebanho, com a gordura deles, e ao fazer isso declarou sua crença de que "sem derramamento de sangue não há remissão". (Hebreus 11. 4).
(c) Foi de Cristo que Enoque profetizou nos dias de crescente impiedade antes do dilúvio. "Eis que", disse ele, "o Senhor vem com milhares de seus santos, para exercer juízo sobre todos" (Judas 15).
(d) Foi para Cristo que Abraão olhou quando habitou em tendas na terra da promessa. Ele creu que em sua descendência — em alguém nascido de sua família — todas as nações da terra seriam abençoadas. Pela fé ele viu o dia de Cristo e alegrou-se (João 8. 56).
(e) Foi de Cristo que Jacó falou a seus filhos, ao morrer. Ele indicou a tribo da qual Ele nasceria e predisse aquele "ajuntamento" a Ele que ainda há de se cumprir. "O cetro não se arredará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló; e a Ele se congregarão os povos" (Gênesis 49. 10).
(f) Foi Cristo quem constituiu a substância da lei cerimonial que Deus deu a Israel pela mão de Moisés. O sacrifício da manhã e da tarde — o contínuo derramamento de sangue — o altar — o propiciatório — o sumo sacerdote — a páscoa — o dia da expiação — o bode emissário: — todos estes eram tantas figuras, tipos e emblemas de Cristo e Sua obra. Deus teve compaixão da fraqueza do Seu povo. Ele lhes ensinou "Cristo" linha sobre linha e, como ensinamos crianças pequenas, por similitudes. Foi nesse sentido especialmente que "a lei foi nosso aio para nos conduzir a Cristo" (Gálatas 3. 24).
(g) Foi para Cristo que Deus dirigiu a atenção de Israel por todos os milagres diários feitos diante de seus olhos no deserto. A coluna de nuvem e de fogo que os guiava — o maná do céu que toda manhã os alimentava — a água da rocha ferida que os seguia — todos e cada um eram figuras de Cristo. A serpente de bronze, naquela ocasião memorável em que a praga das serpentes ardentes lhes foi enviada, foi um emblema de Cristo (1 Coríntios 10. 4; João 3. 14).
(h) Foi de Cristo que todos os Juízes foram tipos. Josué, Davi, Gideão, Jefté, Sansão e todos os demais que Deus levantou para libertar Israel do cativeiro — todos foram emblemas de Cristo. Fracos, inconstantes e falhos como alguns deles eram, foram estabelecidos como exemplos de coisas melhores no futuro distante. Todos foram destinados a lembrar às tribos aquele Libertador muito mais elevado que ainda estava por vir.
(i) Foi de Cristo que Davi, o rei, foi um tipo. Ungido e escolhido quando poucos lhe davam honra — desprezado e rejeitado por Saul e por todas as tribos de Israel — perseguido e obrigado a fugir para salvar sua vida — um homem de dores por toda a sua vida, e ainda assim, finalmente, um conquistador — em todas essas coisas Davi representou Cristo.
(j) Foi de Cristo que todos os profetas, de Isaías a Malaquias, falaram. Eles viam através de um espelho, em enigma. Às vezes falavam de Seus sofrimentos, e às vezes de Sua glória que havia de seguir (1 Pedro 1. 11). Nem sempre distinguiam claramente a primeira vinda de Cristo da segunda. Como duas velas alinhadas uma atrás da outra, às vezes viam ambos os adventos ao mesmo tempo e falavam deles em um só fôlego. Às vezes eram movidos pelo Espírito Santo a escrever sobre os tempos de Cristo crucificado, e outras vezes sobre o reino de Cristo nos últimos dias. Mas Jesus morrendo ou Jesus reinando era o pensamento que sempre predominava em suas mentes.
(k) É de Cristo, nem preciso dizer, que todo o Novo Testamento está cheio. Os Evangelhos são "Cristo" vivendo, falando e movendo-se entre os homens. Atos são "Cristo" pregado, publicado e proclamado. As Epístolas são "Cristo" escrito, explicado e exaltado. Mas em toda parte, do começo ao fim, há um nome acima de todos os outros, e esse é o nome de Cristo.
Ordeno a cada leitor deste texto que pergunte frequentemente a si mesmo o que a Bíblia é para ele. É uma Bíblia na qual você encontrou nada mais do que bons preceitos morais e conselhos sábios? Ou é uma Bíblia na qual você encontrou Cristo? É uma Bíblia na qual "Cristo é tudo"? Se não, digo-lhe francamente, você tem usado sua Bíblia até agora com muito pouco proveito. Você é como um homem que estuda o sistema solar e deixa de fora, em seus estudos, o sol, que é o centro de tudo. Não é de se admirar que você ache sua Bíblia um livro enfadonho!
Em terceiro lugar, compreendamos que "Cristo é tudo" na religião de todos os verdadeiros cristãos na terra.
Ao dizer isto, desejo me precaver contra ser mal interpretado. Sustento a absoluta necessidade da eleição de Deus Pai e da santificação de Deus Espírito para efetuar a salvação de todo aquele que é salvo. Sustento que há uma perfeita harmonia e união na ação das três Pessoas da Trindade ao levar qualquer homem à glória, e que todas as três cooperam e realizam uma obra conjunta na libertação dele do pecado e do inferno. Assim como é o Pai, assim é o Filho, e assim é o Espírito Santo. O Pai é misericordioso, o Filho é misericordioso, o Espírito Santo é misericordioso. Os mesmos três que disseram no princípio, "Façamos", disseram também, "Redimamos e salvemos". Sustento que todo aquele que alcançar o céu atribuirá toda a glória de sua salvação ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, três Pessoas em um só Deus.
Mas, ao mesmo tempo, vejo prova clara nas Escrituras de que é a vontade da bendita Trindade que Cristo seja exaltado de maneira proeminente e distinta na questão da salvação das almas. Cristo é apresentado como o "Verbo", por meio do qual o amor de Deus aos pecadores é manifestado. A encarnação de Cristo e Sua morte expiatória na cruz são a grande pedra angular sobre a qual todo o plano de salvação repousa. Cristo é o caminho e a porta pelos quais somente se pode chegar a Deus. Cristo é a raiz na qual todos os pecadores eleitos devem ser enxertados. Cristo é o único ponto de encontro entre Deus e o homem, entre o céu e a terra, entre a Santa Trindade e o pobre filho pecador de Adão. É Cristo a quem Deus Pai "selou" e designou para transmitir vida a um mundo morto. (João 6. 27). É a Cristo que o Pai entregou um povo para ser levado à glória. É de Cristo que o Espírito testifica e para quem sempre conduz uma alma em busca de perdão e paz. Em suma, "aprouve ao Pai que, em Cristo, habitasse toda a plenitude". (Colossenses 1. 19). O que o sol é no firmamento dos céus, Cristo é no verdadeiro cristianismo.
Digo estas coisas a título de explicação. Quero que meus leitores compreendam claramente que, ao dizer "Cristo é tudo", não pretendo excluir a obra do Pai e do Espírito. Agora, deixem-me mostrar o que quero dizer.
(a) Cristo é tudo na justificação do pecador diante de Deus.
Somente por meio Dele podemos ter paz com um Deus Santo. Somente por Ele podemos ter acesso à presença do Altíssimo e ali permanecer sem temor. "Temos ousadia e acesso com confiança pela fé n'Ele". Nele somente Deus pode ser justo e justificar o ímpio. (Efésios 3. 12; Romanos 3. 26).
Com que poderemos nós, meros mortais, nos apresentar diante de Deus? Que podemos trazer como argumento para absolvição diante desse Ser Glorioso, cujos olhos não veem pureza nem mesmo nos céus?
Diremos que cumprimos nosso dever para com Deus? Diremos que cumprimos nosso dever para com o próximo? Apresentaremos nossas orações? — nossa regularidade? — nossa moralidade? — nossas emendas? — nossa frequência à igreja? Pediremos para ser aceitos com base em qualquer uma dessas coisas?
Qual dessas coisas resistirá à minuciosa inspeção dos olhos de Deus? Qual delas realmente nos justificará? Qual delas nos fará atravessar o julgamento e nos conduzirá seguros à glória?
Nenhuma, nenhuma, nenhuma! Tomemos qualquer mandamento dos dez e examinemo-nos por ele. Nós o quebramos repetidamente. Não podemos responder a Deus nem uma em mil vezes. Tomem qualquer um de nós e examinem cuidadosamente nossos caminhos — e nada somos senão pecadores. Há apenas um veredito: somos todos culpados — todos merecemos o inferno — todos deveríamos morrer. Com que poderemos comparecer diante de Deus?
Devemos comparecer em nome de Jesus — firmados em nenhum outro fundamento — apresentando nenhum outro argumento senão este: "Cristo morreu na cruz pelos ímpios, e eu confio n'Ele. Cristo morreu por mim, e eu creio n'Ele".
A veste de nosso Irmão Mais Velho — a justiça de Cristo — esta é a única túnica que pode nos cobrir e nos capacitar a permanecer na luz do céu sem vergonha.
O nome de Jesus é o único nome pelo qual obteremos entrada pelo portão da glória eterna. Se formos a esse portão em nossos próprios nomes, estaremos perdidos, não seremos admitidos, bateremos em vão. Se formos em nome de Jesus, é um passaporte e um "Shibboleth", e entraremos e viveremos.
A marca do sangue de Cristo é a única marca que pode nos salvar da destruição. Quando os anjos estiverem separando os filhos de Adão no último dia, se não formos encontrados marcados com esse sangue expiatório, teria sido melhor nunca termos nascido.
Oh, nunca nos esqueçamos de que Cristo deve ser "tudo" para a alma que deseja ser justificada! Devemos estar contentes em ir para o céu como mendigos — salvos pela graça gratuita, simplesmente como crentes em Jesus — ou nunca seremos salvos.
Há alguma alma descuidada e mundana entre os leitores deste livro? Há alguém que pensa alcançar o céu dizendo apressadamente no final: "Senhor, tem misericórdia de mim" sem Cristo? Amigo, você está semeando miséria para si mesmo e, a menos que mude, despertará para uma eterna desgraça.
Há alguma alma orgulhosa e formal entre os leitores deste livro? Há alguém pensando em tornar-se apto para o céu e bom o suficiente para passar no teste por suas próprias obras? Irmão, você está construindo uma Babel, e nunca alcançará o céu em seu estado atual.
Mas há algum trabalhador, sobrecarregado, entre os leitores deste livro? Há alguém que deseja ser salvo e se sente um pecador vil? Eu digo a tal pessoa: "Venha a Cristo, e Ele o salvará. Venha a Cristo e lance sobre Ele o fardo da sua alma. Não tema: apenas creia."
Você teme a ira? Cristo pode livrá-lo da ira vindoura. Você sente o peso da maldição da lei quebrada? Cristo pode redimi-lo da maldição da lei. Você se sente distante? Cristo sofreu para aproximá-lo de Deus. Você se sente impuro? O sangue de Cristo pode purificar todo pecado. Você se sente imperfeito? Você será completo em Cristo. Você se sente como se não fosse nada? Cristo será "tudo em todos" para sua alma. Nunca um santo chegou ao céu com outra história além desta: "Fui lavado e embranquecido no sangue do Cordeiro" (Apocalipse 7. 14).
(b) Mas, novamente, Cristo não é apenas tudo na justificação de um verdadeiro cristão, mas também é tudo em sua santificação.
Eu não gostaria que alguém me entendesse mal. Não quero, nem por um momento, desvalorizar a obra do Espírito. Mas digo que nenhum homem jamais é santo até que venha a Cristo e se una a Ele. Até então, suas obras são obras mortas, e ele não possui santidade alguma. Primeiro você deve ser unido a Cristo, e então será santo. "Sem Ele — separado d’Ele — nada podeis fazer" (João 15. 5).
E nenhum homem pode crescer em santidade, a não ser que permaneça em Cristo. Cristo é a grande raiz da qual todo crente deve extrair força para prosseguir. O Espírito é Seu dom especial, Seu dom comprado para Seu povo. Um crente não deve apenas "receber a Cristo Jesus, o Senhor", mas "andar n’Ele e ser enraizado e edificado n’Ele" (Colossenses 2. 6, 7).
Você deseja ser santo? Então Cristo é o maná que você deve comer diariamente, como Israel no deserto antigamente. Você deseja ser santo? Então Cristo deve ser a rocha da qual você deve beber diariamente a água viva. Você deseja ser santo? Então deve estar sempre olhando para Jesus — olhando para Sua cruz e aprendendo novos motivos para uma caminhada mais próxima com Deus — olhando para Seu exemplo e tomando-O como seu modelo. Olhando para Ele, você se tornará semelhante a Ele. Olhando para Ele, seu rosto brilhará sem que você perceba. Olhe menos para si mesmo e mais para Cristo, e verá pecados persistentes caindo e o deixando, e seus olhos sendo iluminados mais e mais a cada dia (Hebreus 12. 2; 2 Coríntios 3. 18).
O verdadeiro segredo de sair do deserto é sair "apoiado no Amado" (Cantares 8. 5). O verdadeiro caminho para ser forte é perceber nossa fraqueza e sentir que Cristo deve ser tudo. O verdadeiro caminho para crescer na graça é usar Cristo como uma fonte para cada necessidade do momento. Devemos usá-Lo como a esposa do profeta usou o azeite — não apenas para pagar nossas dívidas, mas para viver também. Devemos nos esforçar para poder dizer: "A vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim" (2 Reis 4. 7; Gálatas 2. 20).
Compadeço-me daqueles que tentam ser santos sem Cristo! Seu trabalho é todo em vão. Você está colocando dinheiro em um saco furado. Você está derramando água em uma peneira. Você está rolando uma enorme pedra redonda morro acima. Você está construindo um muro com argamassa não temperada. Creia em mim, você está começando pelo lado errado. Você deve vir a Cristo primeiro, e Ele lhe dará Seu Espírito santificador. Você deve aprender a dizer com Paulo: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4. 13).
(c) Mas, ainda, Cristo não é apenas tudo na santificação de um verdadeiro cristão, mas também tudo no seu consolo no tempo presente.
Uma alma salva tem muitas dores. Ela tem um corpo como outros homens — fraco e frágil. Tem um coração como outros homens — e muitas vezes um mais sensível também. Tem provações e perdas para suportar como outros — e frequentemente mais. Tem sua parte de lutos, mortes, decepções, cruzes. Tem o mundo a lhe opor — um lugar na vida para ocupar de maneira irrepreensível — parentes não convertidos com quem ter paciência — perseguições para suportar — e uma morte para morrer.
E quem é suficiente para estas coisas? O que capacitará um crente a suportar tudo isso? Nada além da “consolação em Cristo” (Filipenses 2. 1).
Jesus é de fato o irmão nascido para a adversidade. Ele é o amigo que é mais chegado que um irmão, e só Ele pode consolar Seu povo. Ele pode compadecer-Se das nossas fraquezas, pois Ele próprio sofreu (Hebreus 4. 15). Ele sabe o que é tristeza, pois foi um Homem de dores. Ele sabe o que é um corpo dolorido, pois Seu corpo foi torturado pela dor. Ele clamou: “Todos os meus ossos estão desconjuntados” (Salmo 22. 14). Ele sabe o que é pobreza e cansaço, pois muitas vezes Se cansou e não tinha onde reclinar a cabeça. Ele sabe o que é a falta de bondade familiar, pois nem mesmo Seus irmãos criam n'Ele. Ele não teve honra em Sua própria casa.
E Jesus sabe exatamente como consolar Seu povo aflito. Ele sabe como derramar azeite e vinho nas feridas do espírito — como preencher os vazios dos corações vazios — como falar uma palavra a seu tempo ao cansado — como curar o coração quebrantado — como preparar toda a nossa cama na enfermidade — como se aproximar quando estamos desfalecidos e dizer: “Não temas: eu sou a tua salvação” (Lamentações 3. 57).
Falamos que a simpatia é agradável. Não há simpatia como a de Cristo. Em todas as nossas aflições Ele é afligido. Ele conhece as nossas dores. Em toda a nossa dor Ele Se compadece, e como o bom Médico, não nos dará uma gota de sofrimento a mais do que podemos suportar. Davi disse certa vez: “Na multidão dos meus pensamentos dentro de mim, as tuas consolações recriaram a minha alma” (Salmo 94. 19). Muitos crentes, tenho certeza, poderiam dizer o mesmo. “Se o Senhor não estivesse ao meu lado, as águas teriam transbordado sobre a minha alma” (Salmo 124. 5).
Como um crente atravessa todas as suas tribulações parece algo maravilhoso. Como ele é sustentado através do fogo e da água que atravessa parece além da compreensão. Mas a verdadeira explicação é esta — que Cristo não é apenas justificação e santificação, mas também consolação.
Oh, vocês que desejam um consolo infalível, recomendo-vos a Cristo! Nele somente não há falha. Homens ricos se decepcionam com seus tesouros. Homens instruídos se decepcionam com seus livros. Maridos se decepcionam com suas esposas. Esposas se decepcionam com seus maridos. Pais se decepcionam com seus filhos. Políticos se decepcionam quando, após muitas lutas, alcançam posição e poder. Descobrem, para seu prejuízo, que há mais dor do que prazer—que há decepção, aborrecimento, incessante trabalho, preocupação, vaidade e aflição de espírito. Mas jamais alguém se decepcionou em Cristo.
(d) Mas assim como Cristo é tudo no consolo de um verdadeiro cristão no tempo presente, Cristo também é tudo em suas esperanças para o tempo futuro.
Poucos homens e mulheres, suponho, deixam de alimentar algum tipo de esperança acerca de suas almas. Mas as esperanças da grande maioria não passam de vãs ilusões. Não estão edificadas sobre nenhum fundamento sólido. Nenhum ser vivente, exceto o verdadeiro filho de Deus—o cristão sincero e íntegro—pode dar uma explicação razoável da esperança que há nele. Nenhuma esperança é razoável se não for bíblica.
Um verdadeiro cristão tem uma boa esperança quando olha para o futuro; o homem mundano não tem nenhuma. Um verdadeiro cristão vê luz à distância; o homem mundano não vê senão trevas. E qual é a esperança de um verdadeiro cristão? É exatamente esta—que Jesus Cristo virá outra vez, virá sem pecado—virá com todo o Seu povo, virá para enxugar toda lágrima—virá para ressuscitar Seus santos adormecidos do túmulo—virá para reunir toda a Sua família, para que estejam para sempre com Ele.
Por que um crente é paciente? Porque ele espera pela vinda do Senhor. Ele pode suportar coisas difíceis sem murmurar. Ele sabe que o tempo é curto. Ele espera tranquilamente pelo Rei.
Por que ele é moderado em todas as coisas? Porque ele espera que seu Senhor logo retornará. Seu tesouro está no céu, suas boas coisas ainda estão por vir. O mundo não é seu descanso, mas uma hospedaria; e uma hospedaria não é o lar. Ele sabe que “aquele que há de vir virá, e não tardará" (Hebreus 10. 37).
Esta é, de fato, uma “bem-aventurada esperança" (Tito 2. 13). Agora é o tempo de escola—então, o feriado eterno. Agora são as ondas agitadas de um mundo turbulento—então, o porto tranquilo. Agora é o tempo de dispersão—então, o de reunião. Agora é o tempo de semeadura—então, a colheita. Agora é o tempo de trabalho—então, os salários. Agora é a cruz—então, a coroa.
As pessoas falam de suas “expectativas" e esperanças neste mundo. Nenhum tem expectativas tão sólidas quanto uma alma salva. Ele pode dizer: “Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa, porque dele vem a minha esperança" (Salmo 62. 5).
Em toda verdadeira religião salvadora Cristo é tudo: tudo na justificação—tudo no consolo—tudo na esperança. Bendito é o filho daquela mãe que sabe disso, e muito mais bendito é aquele que também o sente. Oh, que os homens se provem e vejam o que sabem disso para suas próprias almas!
IV. Mais uma coisa acrescentarei, e então terei terminado. Compreendamos que Cristo será tudo no céu.
Não posso me alongar muito sobre este ponto. Não tenho capacidade, mesmo que tivesse espaço e oportunidade. Mal posso descrever coisas invisíveis e um mundo desconhecido. Mas sei isto: que todos os homens e mulheres que alcançarem o céu descobrirão que também ali “Cristo é tudo.”
Como o altar no templo de Salomão, Cristo crucificado será o grande objeto no céu. Aquele altar chamava a atenção de todos que entravam pelos portões do templo. Era um grande altar de bronze, vinte côvados de largura—tão largo quanto a frente do próprio templo (2 Crônicas 3. 4; 4. 1). Assim também Jesus encherá os olhos de todos os que entrarem na glória. No meio do trono e cercado por anjos e santos adoradores, estará “o Cordeiro que foi morto”. E “o Cordeiro será a luz” do lugar (Apocalipse 5. 6; 21. 23).
O louvor ao Senhor Jesus será o cântico eterno de todos os habitantes do céu. Eles dirão com grande voz: “Digno é o Cordeiro que foi morto. Louvor, e honra, e glória, e poder sejam para aquele que está assentado no trono, e para o Cordeiro para todo o sempre” (Apocalipse 5. 12. 13).
O serviço ao Senhor Jesus será uma ocupação eterna de todos os habitantes do céu. Nós “o serviremos dia e noite no seu templo” (Apocalipse 7. 13). Bendito é o pensamento de que, finalmente, nós o serviremos sem distração e trabalharemos para Ele sem cansaço.
A presença do próprio Cristo será um prazer eterno dos habitantes do céu. Nós “veremos a sua face”, ouviremos a sua voz e falaremos com Ele como amigo fala com amigo (Apocalipse 22. 4). Doce é o pensamento de que, qualquer que seja o que possa faltar na ceia das bodas, o próprio Mestre estará lá. A sua presença satisfará todas as nossas necessidades (Salmo 17. 15).
Que lar doce e glorioso será o céu para aqueles que amaram o Senhor Jesus Cristo com sinceridade! Aqui nós vivemos pela fé Nele, e encontramos paz, embora não o vejamos. Lá nós o veremos face a face e descobriremos que Ele é totalmente amável. “Melhor” de fato será o “ver com os olhos do que o vaguear do desejo” (Eclesiastes 6. 9).
Mas, ai de muitos que falam em “ir para o céu” quando morrerem, enquanto manifestamente não têm fé salvadora nem real conhecimento de Cristo. Você não dá honra a Cristo aqui. Você não tem comunhão com Ele. Você não o ama. Ai! o que você poderia fazer no céu? Não seria um lugar para você. Suas alegrias não seriam alegrias para você. Sua felicidade seria uma felicidade na qual você não poderia entrar. Seus trabalhos seriam um cansaço e um fardo para o seu coração. Oh, arrependa-se e mude antes que seja tarde demais!
Confio que mostrei quão profundas são as fundações daquela pequena expressão, “Cristo é tudo”.
Eu poderia facilmente acrescentar às coisas que disse, se o espaço permitisse. O assunto não está esgotado. Apenas caminhei pela sua superfície. Existem minas de verdades preciosas ligadas a ele que deixei inexploradas.
Eu poderia mostrar como Cristo deveria ser tudo em uma Igreja visível. Magníficos edifícios religiosos, numerosos cultos, cerimônias suntuosas, multidões de homens ordenados, tudo, tudo isso nada é aos olhos de Deus, se o próprio Senhor Jesus, em todos os seus ofícios, não for honrado, magnificado e exaltado. Aquela Igreja é apenas um cadáver morto em que Cristo não é “tudo”.
Eu poderia mostrar como Cristo deveria ser tudo em um ministério. A grande obra que os homens ordenados são destinados a realizar é exaltar Cristo. Devemos ser como o poste sobre o qual a serpente de bronze foi levantada. Somos úteis enquanto exaltamos o grande objeto da fé, mas úteis até aí apenas. Devemos ser embaixadores para levar notícias a um mundo rebelde acerca do Filho do Rei, e se ensinarmos os homens a pensar mais sobre nós e sobre nosso ofício do que sobre Ele, não somos dignos de nosso lugar. O Espírito jamais honrará aquele ministro que não testifica de Cristo — que não faz de Cristo "tudo".
Eu poderia mostrar como a linguagem parece esgotada na Bíblia ao descrever os diversos ofícios de Cristo. Eu poderia descrever como as figuras parecem intermináveis ao serem empregadas para revelar a plenitude de Cristo. O Sumo Sacerdote, o Mediador, o Redentor, o Salvador, o Advogado, o Pastor, o Médico, o Noivo, a Cabeça, o Pão da Vida, a Luz do Mundo, o Caminho, a Porta, a Videira, a Rocha, a Fonte, o Sol da Justiça, o Precursor, o Fiador, o Capitão, o Príncipe da Vida, o Amém, o Todo-Poderoso, o Autor e Consumador da Fé, o Cordeiro de Deus, o Rei dos Santos, o Maravilhoso, o Deus Forte, o Conselheiro, o Bispo das Almas — todos estes, e muitos mais, são nomes dados a Cristo nas Escrituras. Cada um é uma fonte de instrução e consolo para todo aquele que estiver disposto a beber dela. Cada um fornece matéria para meditação proveitosa.
Mas confio que tenha dito o suficiente para lançar luz sobre o ponto que desejo gravar na mente de todos que lerem este texto. Confio que tenha dito o suficiente para mostrar a imensa importância das conclusões práticas com as quais agora desejo encerrar o assunto.
(1) Cristo é tudo? Então aprendamos a completa inutilidade de uma religião sem Cristo.
Há apenas homens e mulheres batizados demais que, na prática, nada sabem sobre Cristo. Sua religião consiste em algumas poucas noções vagas e expressões vazias. "Confiam que não são piores do que os outros. Permanecem em sua igreja. Tentam fazer seu dever. Não fazem mal a ninguém. Esperam que Deus seja misericordioso para com eles. Confiam que o Todo-Poderoso perdoará seus pecados e os levará para o céu quando morrerem." Esta é praticamente toda a sua religião!
Mas o que essas pessoas sabem, na prática, sobre Cristo? Nada: absolutamente nada! Que conhecimento experimental têm dos Seus ofícios e obra, Seu sangue, Sua justiça, Sua mediação, Seu sacerdócio, Sua intercessão? Nenhum: absolutamente nenhum! Pergunte-lhes sobre a fé salvadora — pergunte-lhes sobre o novo nascimento do Espírito — pergunte-lhes sobre a santificação em Cristo Jesus. Que resposta você receberá? Você será um bárbaro para eles. Você lhes fez perguntas simples da Bíblia. Mas eles não sabem mais sobre isso, experimentalmente, do que um budista ou um turco. E ainda assim esta é a religião de centenas e milhares de pessoas chamadas cristãs, por todo o mundo!
Se algum leitor deste texto for um homem desse tipo, eu o aviso claramente que tal cristianismo jamais o levará ao céu. Pode até servir muito bem aos olhos dos homens. Pode parecer bastante aceitável na reunião da sacristia, no local de trabalho, na Câmara dos Comuns ou nas ruas. Mas jamais o confortará. Jamais satisfará sua consciência. Jamais salvará sua alma.
Advirto-o claramente que todas as noções e teorias sobre Deus ser misericordioso sem Cristo, e exceto por meio de Cristo, são ilusões sem fundamento e fantasias vãs. Tais teorias são tão meramente um ídolo da invenção humana quanto o ídolo de Juggernaut. São todas da terra, terrenas. Jamais vieram do céu. O Deus do céu selou e designou Cristo como o único Salvador e caminho de vida, e todos os que desejam ser salvos devem se contentar em ser salvos por Ele, ou nunca serão salvos.
Que todo leitor tome nota. Dou-lhe um aviso justo neste dia. Uma religião sem Cristo jamais salvará a sua alma.
(2) Permita-me dizer outra coisa. Cristo é tudo? Então APRENDA A ENORME LOUCURA DE JUNTAR QUALQUER COISA A CRISTO NA QUESTÃO DA SALVAÇÃO.
Há multidões de homens e mulheres batizados que professam honrar a Cristo, mas na realidade lhe fazem grande desonra. Dão a Cristo certo lugar em seu sistema religioso, mas não o lugar que Deus determinou que Ele ocupasse. Cristo sozinho não é "tudo em todos" para suas almas. — Não! É Cristo e a Igreja — ou Cristo e os sacramentos — ou Cristo e seus ministros ordenados — ou Cristo e seu próprio arrependimento — ou Cristo e sua própria bondade — ou Cristo e suas próprias orações — ou Cristo e sua própria sinceridade e caridade, sobre os quais descansam praticamente suas almas.
Se algum leitor deste texto for um cristão desse tipo, também o advirto claramente que sua religião é uma ofensa a Deus. Você está mudando o plano de salvação de Deus por um plano de sua própria invenção. Você, em efeito, está deposto Cristo de seu trono, dando a glória devida a Ele a outro.
Não me importa quem ensine tal religião e em cuja palavra você confie. Seja ele Papa ou Cardeal, Arcebispo ou Bispo, Deão ou Arquidiácono, Presbítero ou Diácono, Episcopaliano ou Presbiteriano, Batista ou Independente, Wesleyano ou Irmão de Plymouth, quem quer que adicione qualquer coisa a Cristo está lhe ensinando o erro.
Não me importa o que você adicione a Cristo. Seja a necessidade de se unir à Igreja de Roma, ou de ser Episcopaliano, ou de se tornar um membro da Igreja Livre, ou de abandonar a Liturgia, ou de ser imerso — qualquer coisa que você, na prática, adicione a Cristo na questão da salvação, você está prejudicando a Cristo.
Atente para o que está fazendo. Cuidado para não dar aos servos de Cristo a honra devida somente a Cristo. Cuidado para não dar às ordenanças do Senhor a honra devida ao Senhor. Cuidado para não descansar o peso de sua alma sobre qualquer coisa além de Cristo, e somente Cristo.
(3) Permita-me dizer outra coisa. Cristo é tudo? Então QUE TODOS OS QUE DESEJAM SER SALVOS, DIRIJAM-SE DIRETAMENTE A CRISTO.
Há muitos que ouvem falar de Cristo com os ouvidos e acreditam em tudo o que lhes é dito sobre Ele. Concordam que não há salvação senão em Cristo. Reconhecem que somente Jesus pode livrá-los do inferno e apresentá-los irrepreensíveis diante de Deus.
Mas parecem nunca passar deste reconhecimento geral. Nunca se apegam firmemente a Cristo para suas próprias almas. Permanecem presos num estado de desejar, querer, sentir e pretender, e nunca avançam além disso. Eles veem o que queremos dizer: sabem que tudo isso é verdade. Esperam um dia obter pleno benefício disso: mas no presente não obtêm benefício algum. O mundo é o seu "tudo". A política é o seu "tudo". O prazer é o seu "tudo". Os negócios são o seu "tudo". Mas Cristo não é o seu tudo.
Se algum leitor deste escrito for um homem desse tipo, eu também o advirto claramente: ele está em um mau estado de alma. Você está tão verdadeiramente a caminho do inferno em sua condição atual quanto Judas Iscariotes, ou Acabe, ou Caim. Creia em mim: é necessário ter fé real em Cristo, caso contrário, Cristo morreu em vão no que lhe diz respeito. Não é olhar para o pão que alimenta o homem faminto, mas comê-lo de fato. Não é contemplar o barco salva-vidas que salva o marinheiro náufrago, mas entrar nele de fato. Não é saber e crer que Cristo é um Salvador capaz de salvar a sua alma, a menos que haja transações reais entre você e Cristo. Você deve ser capaz de dizer: “Cristo é meu Salvador, porque vim a Ele pela fé e O tomei como meu”. “Muito da religião”, disse Lutero, “gira em torno de ser capaz de usar pronomes possessivos. Tire de mim a palavra ‘meu’, e você tira de mim Deus!”
Ouça o conselho que lhe dou neste dia e aja de acordo imediatamente. Não permaneça mais parado, esperando por sentimentos e sensações imaginárias que nunca virão. Não hesite mais sob a ideia de que você deve primeiro obter o Espírito para então vir a Cristo. Levante-se e venha a Cristo como você está. Ele o espera, e está tão disposto a salvar quanto é poderoso. Ele é o Médico designado para almas enfermas pelo pecado. Trate com Ele como trataria com seu médico sobre a cura de uma doença do seu corpo. Faça uma aplicação direta a Ele e conte-Lhe todas as suas necessidades. Traga palavras com você neste dia, e clame com força ao Senhor Jesus por perdão e paz, como fez o ladrão na cruz. Faça como aquele homem: clame, “Senhor, lembra-te de mim” (Lucas 23. 42). Diga-Lhe que ouviu que Ele recebe pecadores, e que você é um deles. Diga-Lhe que deseja ser salvo e peça-Lhe que o salve. Não descanse até ter provado, por si mesmo, que o Senhor é gracioso. Faça isso e você descobrirá, mais cedo ou mais tarde, se estiver realmente decidido, que “Cristo é tudo”.
Uma coisa mais quero acrescentar. Cristo é tudo? Então QUE TODOS OS SEUS CONVERTIDOS LIDEM COM ELE COMO SE REALMENTE CRESSEM NISSO. QUE ELES SE APOIEM NELE E CONFIE nele MUITO MAIS DO QUE JÁ FIZERAM ATÉ AGORA.
Ah, há muitos do povo do Senhor que vivem muito aquém de seus privilégios! Há muitas almas verdadeiramente cristãs que se privam da própria paz e abandonam as próprias misericórdias. Há muitos que, insensivelmente, unem sua própria fé, ou a obra do Espírito em seus próprios corações, a Cristo, e assim perdem a plenitude da paz do Evangelho. Há muitos que fazem pouco progresso em sua busca pela santidade e brilham com uma luz muito tênue. E por que tudo isso? Simplesmente porque, em dezenove casos de vinte, os homens não fazem de Cristo seu tudo em tudo.
Agora, eu conclamo todo leitor deste escrito que é um crente, suplico-lhe, para seu próprio bem, que se certifique de que Cristo é realmente e plenamente seu tudo em tudo. Cuidado para não permitir que qualquer coisa sua se misture com Cristo.
Você tem fé? É uma bênção de valor inestimável. Felizes, de fato, são aqueles que estão dispostos e prontos para confiar em Jesus. Mas cuidado para não fazer de sua fé um Cristo. Não descanse em sua própria fé, mas em Cristo.
A obra do Espírito está em sua alma? Agradeça a Deus por isso. É uma obra que nunca será destruída. Mas, oh, cuidado para que, sem perceber, você não faça da obra do Espírito um Cristo! Não descanse na obra do Espírito, mas em Cristo.
Você tem sentimentos interiores de religião e experiência da graça? Agradeça a Deus por isso. Milhares não têm mais sentimento religioso do que um gato ou um cachorro. Mas, oh, cuidado para não fazer de seus sentimentos e sensações um Cristo! Eles são coisas pobres, incertas e tristemente dependentes de nossos corpos e das circunstâncias externas. Descanse somente em Cristo.
Aprenda, eu lhe suplico, a olhar cada vez mais para o grande objeto da fé, Jesus Cristo, e a manter sua mente fixada Nele. Fazendo assim, você verá que a fé e todas as demais graças crescerão, ainda que o crescimento possa ser imperceptível para você no momento. Aquele que deseja ser um arqueiro habilidoso não deve olhar para a flecha, mas para o alvo.
Ai de mim, temo que ainda haja um grande traço de orgulho e incredulidade arraigado no coração de muitos crentes! Poucos parecem perceber o quanto necessitam de um Salvador. Poucos parecem entender o quanto estão em dívida para com Ele. Poucos parecem compreender o quanto precisam dEle a cada dia. Poucos parecem sentir o quanto devem, de maneira simples e como uma criança, depender dEle com suas almas. Poucos parecem estar conscientes de quão cheio de amor Ele é para com Seu povo pobre e fraco, e de quão disposto está a ajudá-los! E, por isso, poucos parecem conhecer a paz, a alegria, a força e o poder para viver uma vida piedosa que há para se obter em Cristo.
Mude seu plano, leitor, se sua consciência lhe disser que você é culpado: mude seu plano e aprenda a confiar mais em Cristo. Os médicos gostam de ver pacientes vindo consultá-los: é seu ofício receber os doentes e, se possível, efetuar curas. O advogado gosta de ser contratado: é a sua vocação. O marido gosta que a esposa confie nele e nele se apoie: é seu prazer amá-la e promover seu conforto. E Cristo ama que Seu povo dependa dEle, descanse nEle, clame a Ele, permaneça nEle.
Aprendamos e nos esforcemos todos a fazer isso cada vez mais. Vivamos de Cristo. Vivamos em Cristo. Vivamos com Cristo. Vivamos para Cristo. Fazendo assim, provaremos que compreendemos plenamente que "Cristo é tudo". Fazendo assim, sentiremos grande paz e alcançaremos mais daquela "santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor" (Hebreus 12. 14).
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J. C. Ryle
Holiness.