João Duns Escoto (1266–1308), teólogo e filósofo escocês nascido por volta de 1266, destaca-se como uma das figuras mais influentes da tradição escolástica tardia. Membro da Ordem dos Frades Menores, sua trajetória intelectual se estendeu por centros acadêmicos de prestígio como Oxford, Paris e Colônia, onde lecionou e produziu grande parte de sua obra. Sua contribuição à teologia cristã e à metafísica filosófica não foi sistemática no sentido tradicional das grandes summae, mas caracterizou-se por uma aguda análise de problemas específicos, marcada por rigor técnico e profundidade argumentativa. Seu estilo meticuloso e a capacidade de lidar com distinções conceituais finas lhe valeram o epíteto de Doctor Subtilis.
O pensamento de Escoto desenvolveu-se no contexto do confronto entre diversas escolas teológicas e filosóficas que marcaram o século XIII, especialmente entre as abordagens dominicana e franciscana. Enquanto Tomás de Aquino procurava harmonizar razão e fé, filosofia e teologia, Escoto optou por uma separação metodológica mais acentuada. Para ele, a teologia era uma ciência prática, ordenada ao fim último do ser humano, ou seja, à bem-aventurança eterna, e não um mero prolongamento da filosofia. Esta, por sua vez, encontrava seus limites diante dos mistérios da fé, que não podiam ser alcançados por dedução racional, mas deviam ser aceitos mediante a revelação divina.
Entre suas proposições mais notáveis, encontra-se a defesa da vontade como faculdade superior à inteligência. Ao contrário de Tomás, que via a razão como princípio ordenador da ação moral, Escoto entendia que o intelecto serve ao arbítrio, fornecendo-lhe os meios para deliberar entre diferentes bens. Essa primazia do querer permitiu-lhe formular uma doutrina mais robusta sobre a liberdade humana, entendida como capacidade real de escolha entre alternativas contrárias. Essa concepção influenciaria não apenas o debate teológico posterior, mas também a filosofia moral moderna.
Sua doutrina da predestinação é igualmente significativa. Escoto sustentava que a encarnação do Verbo não dependeria da queda de Adão; mesmo sem o pecado original, Cristo teria se encarnado. Tal tese, fundamentada na ideia da absoluta liberdade e soberania de Deus, sublinhava a primazia do amor divino sobre qualquer resposta humana. Nessa perspectiva, o plano salvífico não é reação a uma falha, mas expressão positiva da benevolência de Deus.
No campo da metafísica, Escoto formulou a teoria da haecceitas – o “isto-aqui” que confere singularidade irrepetível a cada ente. Enquanto os universais, ou natura communis, explicam o que é comum aos indivíduos, é a haecceitas que fundamenta o caráter único de cada ser. Com isso, ofereceu uma resposta original à antiga controvérsia sobre os universais e preparou terreno para o realismo moderado e o surgimento de concepções modernas sobre individualidade e pessoa.
Sua epistemologia distingue dois modos fundamentais de conhecimento: o conhecimento abstrativo, baseado na mediação dos sentidos e na elaboração conceitual, e o conhecimento intuitivo, direto e imediato, pelo qual se apreende a existência de algo presente. Essa distinção revela a valorização da experiência concreta e da apreensão singular, em contraste com uma tradição mais intelectualista.
Duns Escoto elaborou também importantes contribuições à teologia sacramental. Em sua definição, o sacramento é um sinal sensível instituído por Cristo para significar e comunicar a graça. Diferenciando-se de Tomás, que via o sacramento como instrumento causal da graça, Escoto preferia concebê-lo como ocasião à qual Deus livremente associa sua ação graciosa, respeitando a soberania do querer divino. Essa noção se insere em sua doutrina da potentia ordinata, segundo a qual Deus institui uma ordem estável, mas que não esgota sua liberdade, pois Ele conserva sempre sua potentia absoluta para agir de modo diverso.
No campo da mariologia, destacou-se por sua defesa da Imaculada Conceição de Maria. Sustentava que, por uma graça preventiva, Maria foi preservada do pecado original desde sua concepção, em vista dos méritos futuros de Cristo. Esse argumento, que se tornou decisivo na formulação posterior do dogma, foi resumido pela fórmula: “Potuit, decuit, ergo fecit” – Deus podia fazê-lo, convinha que o fizesse, logo, fê-lo.
Escoto também se posicionou sobre temas sensíveis à época, como a catequese de crianças não cristãs, defendendo, dentro da perspectiva de seu tempo, que o príncipe cristão poderia impor o batismo a filhos de judeus ou infiéis, desde que fosse em benefício da salvação das almas. Tais posicionamentos, embora hoje sejam vistos criticamente, evidenciam sua compreensão de que a ordem espiritual, por ser superior, legitimaria certas intervenções na esfera civil, desde que guiadas pelo bem último.
Falecido em Colônia, em 1308, Duns Escoto deixou manuscritos e comentários inacabados que passaram por séculos de edição e interpretação. Sua influência, embora mais discreta que a de Tomás, permaneceu ativa através do escotismo, particularmente na tradição franciscana. O reconhecimento de sua santidade culminou com a beatificação em 1991 por João Paulo II, que o chamou de “cantor do Verbo encarnado”. Sua filosofia, profundamente enraizada na teologia cristã, continua a oferecer contribuições relevantes para a reflexão sobre a liberdade, a individualidade e a relação entre razão e fé.