John Milton (1608-1674), nascido em Londres em 1608, construiu uma obra que figura entre os maiores legados da literatura inglesa, combinando profunda erudição clássica com compromisso teológico e político inabalável. Oriundo de uma família protestante de sólida formação intelectual, teve acesso, desde cedo, a uma educação rigorosa. Seu pai, músico de prestígio, proporcionou-lhe tutores particulares e posteriormente o ingresso na St. Paul’s School, e, mais tarde, no Christ’s College, em Cambridge. Ali, mergulhou nos estudos humanísticos, aprofundando-se em latim, grego, hebraico e teologia, embora se distanciasse dos currículos formais por considerá-los insuficientes diante da grandeza da literatura clássica e das Escrituras.
Após concluir o mestrado, Milton optou por um retiro intelectual em Hammersmith e Horton, período que ele mesmo descreveu como dedicado à preparação espiritual e literária para uma vocação poética superior. Durante seis anos, entregou-se a leituras extensas de história, filosofia, teologia, ciência e literatura, desenvolvendo uma cosmovisão que integrava fé protestante, republicanismo político e uma ética de liberdade pessoal profundamente enraizada nas Escrituras. Tal dedicação formou o pano de fundo de sua posterior atuação como poeta, polemista e servidor público, bem como moldou sua compreensão do papel do poeta como intérprete do propósito divino na história.
Sua viagem pela Europa, entre 1638 e 1639, expandiu sua experiência cultural, permitindo-lhe o contato com centros de pensamento e expressão artística, especialmente em Florença e Roma. Durante esse percurso, conheceu importantes figuras do saber, incluindo o astrônomo Galileu Galilei, o que demonstra seu interesse não apenas por questões teológicas, mas também científicas. Ainda assim, sua identidade teológica permaneceu inabalavelmente protestante, e sua hostilidade ao catolicismo romano – particularmente à Companhia de Jesus – permaneceu uma constante em seus escritos.
A guerra civil inglesa e o colapso da monarquia o impulsionaram a participar ativamente da arena política. A partir de 1641, lançou uma série de panfletos em defesa da reforma eclesiástica e do republicanismo, contestando a autoridade episcopal e advogando pela soberania do povo sob Deus. Foi no contexto da ruptura matrimonial com Mary Powell que compôs seus célebres tratados sobre o divórcio, nos quais argumentava, com base bíblica, que a finalidade do casamento era o consórcio espiritual e a edificação mútua, e que sua dissolução era admissível em casos de incompatibilidade irreparável. Esses textos, ainda que polêmicos, expõem sua convicção de que a liberdade de consciência deveria reger não apenas a vida pública, mas também as relações privadas.
Areopagitica, talvez seu ensaio em prosa mais famoso, reflete seu zelo pela liberdade de expressão. Publicado em 1644, é uma defesa apaixonada contra a censura prévia, em que Milton afirma que a verdade só pode emergir no livre confronto de ideias. Esse princípio, para ele, era não apenas político, mas teológico: a verdade divina não teme a investigação humana, pois é intrinsecamente luminosa e autoevidente para a consciência regenerada.
Durante o Interregno, Milton foi nomeado Secretário para Línguas Estrangeiras no Conselho de Estado da República Inglesa. Em tal função, redigiu correspondências diplomáticas em latim e defendeu, em nome do governo, a legitimidade do regicídio de Carlos I. Sua produção panfletária desse período – em especial as Defensio pro Populo Anglicano – lhe rendeu reconhecimento internacional, consolidando sua reputação como defensor do republicanismo cristão.
A perda completa da visão em 1652 não interrompeu sua atividade literária. Ditando seus escritos a assistentes, entre os quais o poeta Andrew Marvell, Milton elaborou sua obra-prima, Paradise Lost, publicada em 1667. Este épico em versos brancos articula uma teodiceia de escopo cósmico, explorando a queda de Lúcifer, a tentação de Adão e Eva e a justiça divina diante do mal. A narrativa é atravessada por uma densa teologia protestante, com especial ênfase na liberdade, na responsabilidade moral e na providência divina. Seus personagens, sobretudo Satanás, são representados com ambiguidade dramática, mas sempre subordinados à soberania de Deus.
Com a Restauração dos Stuart, Milton foi temporariamente preso e, posteriormente, silenciado na esfera pública. Retirou-se para a vida privada, dedicando-se à composição de Paradise Regained e Samson Agonistes, além de revisões e publicações de sua obra poética e histórica. Seus últimos escritos revelam o amadurecimento de sua visão escatológica e uma confiança inabalável na vitória final da justiça divina, apesar da derrota política de seu ideal republicano.
Teologicamente, Milton é figura complexa. Suas posições frequentemente desafiavam tanto a ortodoxia anglicana quanto o dogmatismo presbiteriano. Atribui-se a ele uma simpatia pelo arianismo, além de visões pouco convencionais sobre a alma, o inferno e os anjos. Sua obra inacabada De Doctrina Christiana, descoberta postumamente, confirma seu compromisso com uma fé bíblica fundamentada no estudo diligente das Escrituras em seus idiomas originais, mas também revela uma audácia interpretativa que o colocava à margem das confissões tradicionais.
Milton faleceu em 1674, cego, pobre, mas convicto de ter servido à verdade e à liberdade. Sua obra, profundamente moldada por uma fé cristã engajada e por uma erudição extraordinária, permanece como testemunho singular de um espírito que buscou, com palavras, sondar os caminhos da providência e proclamar a dignidade do homem diante de Deus.