J. R. R. Tolkien (1892–1973), John Ronald Reuel Tolkien, nasceu em 3 de janeiro de 1892, em Bloemfontein, no então Estado Livre de Orange, colônia que mais tarde seria incorporada ao Império Britânico. De origem inglesa, sua família possuía ascendência germânica remota, mas sua identidade cultural e religiosa sempre esteve ancorada no universo britânico e cristão. Órfão de pai aos quatro anos e de mãe aos doze, Tolkien foi marcado profundamente pela educação religiosa recebida de sua mãe, Mabel, que se converteu ao catolicismo e transmitiu aos filhos um senso de fé sólida, mesmo diante da adversidade. Essa formação, intensificada após sua morte sob os cuidados do padre franciscano Francis Xavier Morgan, moldaria não apenas seu caráter, mas também a sensibilidade espiritual de sua produção literária.
Desde a infância, Tolkien demonstrou habilidades notáveis para a linguagem e a imaginação. Ainda muito jovem, já se interessava por línguas antigas e criava códigos e idiomas próprios, movido por um impulso criativo que unia a fonética, a estética verbal e a construção de universos ficcionais. Essa vocação linguística conduziu-o aos estudos de filologia na Universidade de Oxford, onde se destacou pelo domínio de línguas germânicas e pela pesquisa em literatura medieval inglesa. Em 1915, graduou-se com distinção, sendo rapidamente convocado para servir no Exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial. A experiência no front, especialmente nas trincheiras de Somme, marcou-o profundamente e deixou rastros perceptíveis na atmosfera sombria e heroica de suas futuras obras.
Durante sua recuperação após contrair febre das trincheiras, Tolkien começou a escrever os primeiros esboços de uma mitologia própria. Esse esforço, que ele descrevia como uma tentativa de oferecer à Inglaterra um corpo mitológico comparável ao das culturas clássicas, culminaria mais tarde em um conjunto vasto e coerente de narrativas, línguas e histórias conhecido como legendário de Arda. Seu primeiro sucesso editorial veio em 1937 com a publicação de O Hobbit, livro inicialmente concebido para crianças, mas que, por sua riqueza narrativa, ultrapassou os limites do público juvenil. A esse seguir-se-ia sua obra mais influente, O Senhor dos Anéis, publicada entre 1954 e 1955, resultado de mais de uma década de escrita e revisão.
Tolkien sempre compreendeu sua criação literária como uma expressão da verdade cristã, ainda que não alegórica. Via o bem, o mal, o sacrifício e a esperança como realidades espirituais profundas, que suas histórias buscavam retratar de forma simbólica e mitopoética. Sua visão da beleza, da ordem e da liberdade refletia a estrutura moral do universo criado por Deus. Em cartas a seus filhos e amigos, não hesitava em afirmar que sua obra literária estava permeada por sua fé católica, e considerava a Eucaristia como o ponto central de sua vida espiritual. Recusava reducionismos moralistas ou utilitaristas, preferindo evocar a presença do sagrado por meio da imaginação.
Durante sua carreira acadêmica, foi professor de anglo-saxão e de literatura inglesa na Universidade de Oxford, onde também se tornou figura central de um círculo literário informal conhecido como os Inklings, do qual participava seu amigo C. S. Lewis. Com eles discutia textos, ideias e fé cristã, num ambiente em que a literatura era vista como meio legítimo de expressão do sentido espiritual da existência. Tolkien não separava sua atividade filológica de sua criação poética: considerava que os idiomas inventados precisavam de histórias que lhes dessem alma, e que a linguagem era portadora de memória, cultura e visão de mundo.
A recepção popular de sua obra, especialmente a partir da década de 1960, excedeu todas as expectativas. Embora sentisse certo desconforto com a fama repentina, reconhecia com humildade que muitos haviam encontrado consolo, beleza e sentido em seus livros. Mesmo assim, manteve-se discreto, longe da exaltação pública, preferindo a rotina de leitura, escrita e oração. Após a morte de sua esposa Edith, em 1971, Tolkien viveu seus últimos anos em Oxford, onde faleceu em 2 de setembro de 1973. No túmulo do casal, ele mandou gravar os nomes “Beren” e “Lúthien”, evocando os personagens de uma de suas histórias mais queridas, símbolo do amor que transcende a morte.
A influência de Tolkien estende-se muito além da literatura. Seu cuidado com a linguagem, sua visão do imaginário como via para a verdade e sua convicção de que a criação artística pode ser um ato de participação na obra do Criador fazem dele uma figura singular entre os escritores modernos. Sua herança permanece como exemplo de como fé, erudição e imaginação podem convergir para dar forma a mundos que, embora fictícios, espelham com profundidade o drama humano à luz da eternidade.