Papias de Hierápolis (60–130), figura proeminente entre os chamados Pais Apostólicos, foi um bispo do início do século II cuja relevância histórica e teológica repousa em sua ligação direta com os ensinamentos apostólicos e no testemunho preservado de uma tradição cristã ainda viva e fortemente enraizada na oralidade. Embora grande parte de sua obra tenha se perdido ao longo dos séculos, trechos preservados em escritos posteriores atestam seu papel como intermediário entre os discípulos diretos de Cristo e os cristãos das gerações subsequentes.
Vivendo entre os anos 60 e 130 d.C., Papias exerceu o episcopado na cidade de Hierápolis, na Frígia, região que hoje corresponde ao sudoeste da Turquia. Ali, recolheu diligentemente testemunhos e tradições provenientes daqueles que haviam convivido com os apóstolos, com especial atenção aos relatos de figuras como João, Aristião e as filhas de Filipe. Sua obra mais conhecida, Exposição das Palavras do Senhor, originalmente escrita em cinco livros, é mencionada e parcialmente citada por autores como Irineu de Lião e Eusébio de Cesareia, sendo, portanto, um eco relevante da memória e interpretação cristã do primeiro século.
Sua abordagem metodológica distingue-se pelo rigor e pela busca pela veracidade: não se contentava com relatos vagos ou derivados, mas procurava a palavra direta dos que haviam aprendido com os apóstolos. Essa atitude reflete não apenas um zelo pastoral, mas uma concepção teológica de verdade como transmissão fiel das palavras do próprio Senhor, orientada por uma escuta viva, mais valiosa do que os registros escritos, ainda em sua forma incipiente.
Embora sua data exata de atividade seja objeto de debate, convergem os indícios que o situam no início do século II, durante ou pouco após o reinado de Trajano. Há referências ao seu convívio com Policarpo de Esmirna e à sua escuta de João — provavelmente o Evangelista, apesar de disputas quanto a essa identificação. Ainda que as citações de Eusébio tenham gerado interpretações céticas, o próprio historiador eclesiástico reconhece a seriedade com que Papias se dedicava à coleta e conservação da tradição apostólica.
O valor de Papias para os estudos neotestamentários é considerável, sobretudo por seus comentários sobre a origem dos Evangelhos de Marcos e Mateus. Segundo ele, Marcos agiu como intérprete de Pedro, transcrevendo com fidelidade, ainda que sem ordem cronológica, os feitos e palavras do Senhor que ouviu do apóstolo. A respeito de Mateus, afirma que este organizou os logia — termo cujo sentido tem sido amplamente debatido — em língua hebraica, sendo que cada um os interpretava como podia. Esses testemunhos lançam luz sobre o processo de formação dos Evangelhos e oferecem uma perspectiva única sobre sua transmissão e recepção inicial.
Além de sua contribuição à tradição evangelística, Papias também é conhecido por sua escatologia, particularmente por sua adesão ao milenarismo. Ele concebia o reinado de Cristo como um período literal e terreno de abundância e paz, visão que lhe rendeu críticas por parte de Eusébio, que o considerava de entendimento limitado. No entanto, outros padres da Igreja, como Irineu, acolheram positivamente essa dimensão de sua doutrina, o que sugere que o chiliasmo de Papias era representativo de correntes respeitáveis do cristianismo primitivo.
Papias também registrou relatos sobre eventos extraordinários, preservados através da tradição oral, como o martírio de João, a morte de Judas Iscariotes e milagres atribuídos a Justo Barsabás. Esses testemunhos, por mais que contenham elementos maravilhosos, revelam o esforço do autor em recolher histórias edificantes que circulavam entre as comunidades cristãs e que visavam ilustrar o poder transformador da fé e o juízo divino sobre a impiedade.
Apesar da crítica de alguns autores antigos à sua suposta ingenuidade, Papias permanece como uma figura cuja obra reflete um momento crucial da história da Igreja, no qual a tradição viva ainda predominava sobre a fixação canônica dos textos. Seu empenho em ouvir, discernir e transmitir aquilo que recebeu como verdade ecoa a estrutura fundamental do discipulado cristão: a escuta da Palavra, o testemunho da fé e o zelo pela fidelidade à mensagem de Cristo.
A memória de Papias, portanto, não deve ser julgada apenas pelo que se perdeu de seus escritos, mas sobretudo pelo que se preservou através de seu impacto na tradição posterior. Ao reunir as vozes dos primeiros discípulos, ele ofereceu uma ponte entre a geração apostólica e a Igreja nascente, sendo instrumento de continuidade, discernimento e preservação do depósito da fé.