Policarpo de Esmirna (69–155), nascido por volta de 69 d.C. e martirizado em 155 d.C., foi uma figura seminal do cristianismo primitivo, servindo como bispo de Esmirna e deixando um legado que o consagra como Pai Apostólico, ao lado de Clemente de Roma e Inácio de Antioquia. Sua vida, marcada por uma conexão direta com os apóstolos e um testemunho inabalável de fé, reflete a profundidade de seu compromisso com Cristo e a Igreja nascente. Como discípulo de João, o Apóstolo, Policarpo tornou-se um elo vital com a tradição apostólica, autenticando os ensinamentos ortodoxos em uma era de interpretações divergentes. Sua única obra sobrevivente, a Epístola aos Filipenses, e o relato de seu martírio, documentado no Martírio de Policarpo, oferecem um vislumbre de sua liderança espiritual e de sua coragem diante da perseguição, consolidando-o como santo nas tradições ortodoxa oriental, católica romana, ortodoxa oriental, luterana e anglicana.
A trajetória de Policarpo está intrinsecamente ligada à sua formação sob a tutela de João, conforme atestado por Irineu e Tertuliano. Ordenado bispo de Esmirna pelo próprio apóstolo, ele assumiu a responsabilidade de guiar uma das comunidades cristãs mais influentes da Ásia Menor. Sua proximidade com outros líderes da Igreja primitiva, como Papias e Inácio de Antioquia, reforçou seu papel como guardião da doutrina apostólica. A Epístola aos Filipenses, uma composição rica em citações das Escrituras Gregas, revela sua familiaridade com textos que mais tarde formariam o Novo Testamento, incluindo Mateus, Atos, 1 João e Filipenses, além de uma possível referência ao deuterocanônico Tobit. Essa obra, embora breve, demonstra sua habilidade em exortar os cristãos à fidelidade e à prática da virtude, enfatizando a centralidade de Cristo como Filho de Deus e Sumo Sacerdote eterno.
Policarpo também se destacou por sua postura firme contra heresias. Irineu, que o conheceu na juventude, relata que Policarpo denunciava vigorosamente falsos mestres, como Marcião, a quem chamou de "primogênito de Satanás". Sua visita a Roma, durante o episcopado de Aniceto, exemplifica sua busca pela unidade eclesiástica. Embora discordassem sobre a data da celebração da Páscoa — Policarpo defendia a prática quartodecimana de observar a festa no 14º dia de Nisã, enquanto Aniceto seguia o costume ocidental de celebrá-la no primeiro domingo após a lua cheia do equinócio — ambos mantiveram a comunhão, com Aniceto permitindo que Policarpo celebrasse a Eucaristia em sua igreja, um gesto de grande deferência. Esse episódio sublinha a abordagem de Policarpo, que priorizava a harmonia cristã acima de diferenças litúrgicas, ao mesmo tempo em que permanecia fiel às tradições herdadas dos apóstolos.
O ápice da vida de Policarpo foi seu martírio, um dos primeiros relatos autênticos de martírio cristão após os Atos dos Apóstolos. Capturado durante uma perseguição, ele enfrentou a exigência de oferecer incenso ao imperador romano, uma prática que equivalia a renunciar à fé. Com 86 anos, Policarpo declarou: "Por oitenta e seis anos servi a Cristo, e Ele nunca me fez mal. Como poderia blasfemar contra meu Rei e Salvador?" Recusando-se a ceder, foi condenado à fogueira. Segundo o Martírio de Policarpo, as chamas não o consumiram, levando os executores a perfurá-lo com uma lança. Sua morte, datada tradicionalmente em 23 de fevereiro de 155 ou 156, sob o procônsul Lúcio Estácio Quadrado, é celebrada como um testemunho de fidelidade inquebrantável. Algumas fontes, como Eusébio, sugerem uma data posterior, por volta de 166-167, mas a tradição mais antiga favorece o período anterior, coerente com sua associação com João e Inácio.
Teologicamente, Policarpo afirmou doutrinas fundamentais do cristianismo. Ele destacou a encarnação e a morte de Cristo na cruz, rejeitando o docetismo, que negava a humanidade de Jesus. Sua epístola e declarações no martírio sugerem uma teologia trinitária, referindo-se a Jesus como juiz dos vivos e dos mortos e exaltando a soberania divina. Embora sua soteriologia não seja plenamente explicitada, ele cita Efésios 2:8 para afirmar que a salvação é pela graça, exortando, contudo, os fiéis a praticarem boas obras. Sua escatologia, centrada na ressurreição dos mortos e na segunda vinda de Cristo, alinha-se com a tradição apostólica, e há indícios de que ele pode ter adotado uma visão premilenialista, como seu discípulo Irineu. A estrutura eclesial em Filipos, mencionada em sua epístola, parece indicar uma liderança compartilhada por presbíteros e diáconos, distinta da organização episcopal defendida por Inácio, embora interpretações variem.
O impacto de Policarpo transcende sua vida. Venerado como santo, seus restos mortais foram coletados pelos cristãos de Esmirna, considerados mais valiosos que pedras preciosas, e sua memória é celebrada em 23 de fevereiro nas tradições católica, ortodoxa e anglicana, e em 8 de março na Igreja Copta. Sua influência perdura como um modelo de ortodoxia, coragem e devoção, unindo a Igreja primitiva em sua missão de preservar a fé apostólica. O relato de seu martírio, um dos primeiros documentos a registrar a veneração de relíquias, estabeleceu um padrão para a comemoração dos mártires, inspirando gerações de cristãos a enfrentarem a perseguição com esperança na promessa de Cristo.