Boaventura (1221-1274) ou São Boaventura, nasceu em 1221 na cidade de Civita di Bagnoregio, situada no coração da Itália medieval. Filho de uma família modesta, desde cedo demonstrou uma inclinação para o pensamento filosófico e a vida religiosa. Após sobreviver a uma grave doença na infância, considerada milagrosamente curada pela intercessão de São Francisco de Assis, ele ingressou na Ordem Franciscana, onde encontrou não apenas um caminho espiritual, mas também uma oportunidade para desenvolver sua vasta inteligência e capacidade intelectual. Sua formação acadêmica foi consolidada na Universidade de Paris, onde estudou sob a orientação de grandes mestres do período, como Alexandre de Hales, cuja influência moldaria profundamente sua abordagem teológica.
Ao longo de sua vida, Boaventura tornou-se uma figura central na tradição escolástica, combinando elementos da filosofia aristotélica com a mística franciscana. Ele foi reconhecido por sua habilidade de articular conceitos complexos de maneira clara e acessível, sem perder a profundidade teológica. Seu trabalho mais célebre, Itinerarium Mentis in Deum (A Jornada da Mente até Deus), é um exemplo notável dessa síntese. Nessa obra, ele explora as etapas pelas quais a alma humana pode ascender à contemplação divina, utilizando metáforas ricas que evocam tanto a razão quanto a experiência espiritual. O texto reflete sua convicção de que a verdadeira sabedoria só pode ser alcançada através de uma harmonia entre fé e razão, guiada pela luz divina.
Além de suas contribuições filosóficas, Boaventura dedicou-se extensivamente ao comentário das Escrituras e à elaboração de tratados teológicos. Seu Comentário sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, escrito quando tinha apenas vinte e sete anos, tornou-se uma referência fundamental para seus contemporâneos e posteriores estudiosos. Nele, Boaventura analisa questões centrais da doutrina cristã, como a natureza de Deus, a criação do universo e a encarnação de Cristo, sempre enfatizando a importância da revelação divina como fonte suprema de conhecimento. Sua abordagem não era meramente especulativa; ele buscava aplicar esses princípios à vida prática dos fiéis, especialmente em obras escritas para orientar monges e leigos em sua busca espiritual.
Boaventura também foi um defensor incansável da tradição franciscana, defendendo os ideais de pobreza e simplicidade pregados por São Francisco de Assis. Em meio a disputas internas e externas que ameaçavam fragmentar a ordem, ele desempenhou um papel crucial como mediador e reformador. Sua liderança foi marcada por uma combinação de firmeza doutrinária e compaixão pastoral, qualidades que lhe renderam o título de "Doutor Serafim". Ele escreveu diversos tratados para orientar os membros da ordem, como Soliloquium de Quatuor Mentalibus Exercitiis (Solilóquio sobre os Quatro Exercícios Espirituais) e Lignum Vitae (A Árvore da Vida), ambos voltados para a formação espiritual e a vivência cotidiana dos valores franciscanos.
Seu estilo literário era profundamente influenciado pela mística cristã, mas mantinha sempre um equilíbrio entre o rigor intelectual e a linguagem poética. Boaventura acreditava que a beleza da criação era um reflexo direto da bondade divina, e essa visão permeava suas reflexões sobre temas como a natureza humana, a alma e o propósito último da existência. Em suas palavras, o universo era um livro escrito por Deus, onde cada detalhe continha pistas para compreender o mistério da criação e do Criador. Essa perspectiva integrava ciência, filosofia e teologia, oferecendo uma visão holística que transcendia as divisões disciplinares típicas de seu tempo.
Nos últimos anos de sua vida, Boaventura ocupou posições de grande responsabilidade dentro da Igreja, sendo nomeado cardeal-bispo de Albano pelo papa Gregório X. Apesar de suas obrigações administrativas, ele continuou a escrever e ensinar, deixando um legado que ultrapassou os limites de sua época. Suas obras foram traduzidas para diversas línguas e continuaram a inspirar pensadores de diferentes tradições ao longo dos séculos. Entre seus admiradores estavam figuras tão distintas quanto Dieter Hattrup, que inicialmente questionou a autenticidade de algumas de suas obras, e autores modernos como Louis Althusser, que encontraram em seus escritos fontes de reflexão filosófica.
Após sua morte, ocorrida em 1274 durante o Concílio de Lyon, Boaventura foi canonizado e reconhecido como Doutor da Igreja, um título que atesta sua importância no pensamento cristão medieval. Seu corpo descansa na Basílica de São Francisco de Assis, simbolizando a conexão profunda entre sua vida intelectual e sua devoção aos ideais franciscanos. Até hoje, suas ideias continuam a ser estudadas e debatidas, servindo como um lembrete da importância de unir contemplação e ação, razão e fé, ciência e espiritualidade. Assim, Boaventura figura como uma das figuras mais marcantes da história do pensamento humano, cujo legado perdurará enquanto houver interesse em explorar os mistérios da existência e da transcendência.
Boaventura (1221-1274) teólogo franciscano, nasceu em 1221 em Bagnarea, na Toscana. Foi destinado pela mãe para a igreja e diz-se que recebeu seu cognome de Boaventura de São Francisco de Assis, que realizou nele uma cura milagrosa. Ele ingressou na ordem franciscana em 1243 e estudou em Paris, possivelmente sob a orientação de Alexandre de Hales e certamente sob o sucessor de Alexandre, João de Rochelle, a cuja cátedra sucedeu em 1253. Três anos antes, sua fama lhe havia garantido permissão para lecionar sobre as Sentenças, e em 1255 ele recebeu o título de doutor. Sua reputação era tão elevada que, no ano seguinte, foi eleito geral de sua ordem. Foi por suas ordens que Roger Bacon foi proibido de lecionar em Oxford e obrigado a colocar-se sob a vigilância da ordem em Paris. Ele foi instrumental na eleição de Gregório X, que o recompensou com os títulos de cardeal e bispo de Albano e insistiu em sua presença no grande concílio de Lyon em 1274. Nessa reunião, ele faleceu.
O caráter de Boaventura parece não indigno do título elogioso "Doctor Seraphicus", conferido a ele por seus contemporâneos, e do lugar atribuído a ele por Dante em seu Paraíso. Ele foi formalmente canonizado em 1482 pelo Papa Sisto IV e classificado como o sexto entre os grandes doutores da igreja pelo Papa Sisto V em 1587. Suas obras, conforme dispostas na edição de Lyon (7 volumes, folio), consistem em exposições e sermões, preenchendo os três primeiros volumes; um comentário sobre as Sentenças de Lombardo, em dois volumes, celebrado entre os teólogos medievais como a melhor exposição da terceira parte; e tratados menores preenchendo os dois volumes restantes, incluindo uma vida de São Francisco. As obras menores são as mais importantes, e entre elas estão o famoso Itinerarium Mentis ad Deum, Breviloquium, De Reductione Artium ad Theologiam, Soliloquium e De septem itineribus aeternitatis, nos quais está contida a maior parte do que é individual em seu ensinamento.
Na filosofia, Boaventura apresenta um contraste marcado com seus grandes contemporâneos, Tomás de Aquino e Roger Bacon. Enquanto estes podem ser considerados representantes, respectivamente, da ciência física ainda em sua infância e do escolasticismo aristotélico em sua forma mais perfeita, ele nos apresenta o modo místico e platonizante de especulação que já encontrara expressão em Hugo e Ricardo de São Vítor, e em Bernardo de Claraval. Para ele, o elemento puramente intelectual, embora nunca ausente, é de interesse inferior quando comparado com o poder vivo das afeições ou do coração. Ele rejeita a autoridade de Aristóteles, a quem atribui grande parte da tendência herética da época, e combate vigorosamente algumas das doutrinas fundamentais deste, como a eternidade do mundo. Mas o platonismo que ele recebeu era o Platão entendido por Santo Agostinho e transmitido pela escola alexandrina e pelo autor das obras místicas atribuídas a Dionísio, o Areopagita. Boaventura aceita como platônica a teoria de que as ideias não existem na rerum natura, mas como pensamentos da mente divina, segundo a qual as coisas reais foram formadas; e essa concepção exerce uma influência considerável em sua filosofia.
Como todos os grandes doutores escolásticos, ele inicia discutindo as relações entre razão e fé. Todas as ciências são apenas servas da teologia; a razão pode descobrir algumas das verdades morais que formam a base do sistema cristão, mas outras só podem ser recebidas e compreendidas através da iluminação divina. Para obter essa iluminação, a alma deve empregar os meios apropriados, que são a oração, o exercício das virtudes, tornando-se assim apta a aceitar a luz divina, e a meditação, que pode alcançar até mesmo uma união extática com Deus. O fim supremo da vida é essa união, uma união na contemplação ou intelecto e em um amor absorvente e intenso; mas ela não pode ser totalmente alcançada nesta vida e permanece como uma esperança para o futuro. A mente, ao contemplar Deus, tem três aspectos, estágios ou graus distintos - os sentidos, fornecendo conhecimento empírico do que está fora e discernindo as marcas (vestígios) do divino no mundo; a razão, que examina a própria alma, a imagem do Ser divino; e, por último, o intelecto puro (intelligentia), que, em um ato transcendente, apreende o Ser da causa divina. A esses três correspondem três tipos de teologia - a teologia simbólica, a teologia própria e a teologia mística. Cada estágio é subdividido, pois ao contemplar o mundo exterior, podemos usar os sentidos ou a imaginação; podemos ascender ao conhecimento de Deus per vestigia ou in vestigiis. No primeiro caso, as três grandes propriedades dos corpos físicos - peso, número, medida - no segundo, a divisão das coisas criadas em classes de coisas que têm apenas existência física, as que têm vida e as que têm pensamento, nos levam irresistivelmente a concluir o poder, a sabedoria e a bondade do Deus Triúno. Assim, no segundo estágio, podemos ascender ao conhecimento de Deus, per imaginem, pela razão, ou in imagine, pela compreensão pura (intellectus); em um caso, a tripla divisão - memória, entendimento e vontade -, no outro, as virtudes cristãs - fé, esperança e caridade -, levando novamente à concepção de uma Trindade de qualidades divinas - eternidade, verdade e bondade. Na última etapa, temos primeiro a intelligentia, intelecto puro, contemplando o ser essencial de Deus e se vendo compelido pela necessidade do pensamento a considerar o ser absoluto como a primeira noção, pois o não-ser não pode ser concebido separado do ser, do qual é apenas a privação. A essa noção de ser absoluto, que é perfeito e o maior de todos, deve ser atribuída a existência objetiva. Em sua última e mais alta forma de atividade, a mente repousa na contemplação da bondade infinita de Deus, que é apreendida por meio da faculdade mais elevada, o ápice da mente ou synderesis. Essa centelha da iluminação divina é comum a todas as formas de misticismo, mas Boaventura acrescenta a ela elementos peculiarmente cristãos. A entrega completa da mente e do coração a Deus é inatingível sem a graça divina, e nada nos torna tão aptos a receber esse dom quanto a vida meditativa e ascética do claustro. A vida monástica é o melhor meio de graça.
No entanto, Boaventura não é apenas um pensador meditativo, cujas obras podem constituir bons manuais de devoção; ele é um teólogo dogmático de alto nível e, em todas as questões disputadas do pensamento escolástico, como universais, matéria, o princípio do individualismo ou o intellectus agens, ele oferece decisões ponderadas e bem fundamentadas. Ele concorda com Alberto Magno em considerar a teologia como uma ciência prática; suas verdades, segundo sua visão, são particularmente adequadas para influenciar as afeições. Ele discute muito cuidadosamente a natureza e o significado dos atributos divinos; considera os universais como formas ideais preexistentes na mente divina, de acordo com as quais as coisas foram moldadas; considera a matéria como pura potencialidade que recebe ser individual e determinação do poder formativo de Deus, agindo de acordo com as ideias; e, finalmente, sustenta que o intellectus agens não tem existência separada. Sobre esses e muitos outros pontos da filosofia escolástica, o Doutor Seráfico exibe uma combinação de sutileza e moderação que torna suas obras peculiarmente valiosas.
Fonte: Britannica (Robert Andrews Cross).