23.março.25
O combate
“Combata o bom combate da fé” — 1 Timóteo 6. 12.
É um fato curioso que não existe assunto sobre o qual a maioria das pessoas sinta tanto interesse como "lutar". Jovens e donzelas, velhos e crianças pequenas, altos e baixos, ricos e pobres, instruídos e ignorantes, todos sentem um profundo interesse por guerras, batalhas e lutas.
Este é um fato simples, por mais que tentemos explicá-lo. Consideraríamos um inglês um sujeito apático se ele não se importasse com a história de Waterloo, ou Inkermann, ou Balaclava, ou Lucknow. Acharíamos que um coração é frio e estúpido se não fosse movido e emocionado pelas lutas em Sedan, Estrasburgo, Metz e Paris, durante a guerra entre a França e a Alemanha.
Mas há outra guerra de importância muito maior do que qualquer guerra já travada por homens. É uma guerra que não diz respeito apenas a duas ou três nações, mas a todo homem e mulher cristãos nascidos no mundo. A guerra de que falo é a guerra espiritual. É a luta que todo aquele que deseja ser salvo deve travar por sua alma.
Estou ciente de que esta guerra é algo sobre o qual muitos nada sabem. Fale com eles sobre isso, e estarão prontos para chamá-lo de louco, fanático ou tolo. E, no entanto, é tão real e verdadeira quanto qualquer guerra que o mundo já viu. Ela tem seus combates corpo a corpo e suas feridas. Tem suas vigílias e fadigas. Tem seus cercos e assaltos. Tem suas vitórias e derrotas. Acima de tudo, tem consequências que são terríveis, tremendas e muito peculiares. Na guerra terrena, as consequências para as nações muitas vezes são temporárias e remediáveis. Na guerra espiritual, é muito diferente. Dessa guerra, as consequências, quando a luta termina, são imutáveis e eternas.
É dessa guerra que São Paulo falou a Timóteo, quando escreveu aquelas palavras ardentes: "Luta o bom combate da fé; apodera-te da vida eterna" (1 Timóteo 6. 12). É dessa guerra que proponho falar neste texto. Considero o tema intimamente ligado à santificação e à santidade. Aquele que quiser entender a natureza da verdadeira santidade deve saber que o cristão é "um homem de guerra". Se quisermos ser santos, devemos lutar.
A primeira coisa que tenho a dizer é esta: o verdadeiro cristianismo é uma luta.
Verdadeiro cristianismo! Prestemos atenção à palavra "verdadeiro". Há uma enorme quantidade de religião circulando no mundo que não é o verdadeiro, genuíno cristianismo. Passa despercebida; satisfaz consciências adormecidas; mas não é boa moeda. Não é a coisa real que foi chamada de cristianismo há mil e oitocentos anos. Há milhares de homens e mulheres que vão a igrejas e capelas todos os domingos e se autodenominam cristãos. Seus nomes estão no registro de batismo. São considerados cristãos enquanto vivem. Casam-se com cerimônias cristãs. Pretendem ser enterrados como cristãos quando morrem. Mas nunca se vê qualquer "luta" relacionada à sua religião! De conflito espiritual, esforço, combate, abnegação, vigilância e guerra, eles literalmente nada sabem. Tal cristianismo pode satisfazer os homens, e quem disser algo contra ele poderá ser considerado muito severo e pouco caridoso; mas certamente não é o cristianismo da Bíblia. Não é a religião que o Senhor Jesus fundou, nem a que seus apóstolos pregaram. Não é a religião que produz verdadeira santidade. O verdadeiro cristianismo é "uma luta".
O verdadeiro cristão é chamado a ser um soldado e deve comportar-se como tal desde o dia de sua conversão até o dia de sua morte. Ele não foi feito para viver uma vida de comodidade religiosa, indolência e segurança. Nunca deve imaginar, nem por um momento, que pode dormir e cochilar a caminho do céu, como alguém viajando em uma carruagem confortável. Se ele adotar como padrão de cristianismo o comportamento dos filhos deste mundo, poderá ficar satisfeito com tais noções; mas não encontrará apoio para elas na Palavra de Deus. Se a Bíblia for a regra de sua fé e prática, verá que seu caminho está muito claramente traçado nesse assunto. Ele deve "lutar".
Contra quem deve lutar o soldado cristão? Não contra outros cristãos. Miserável, de fato, é a ideia de religião daquele que imagina que ela consiste em controvérsia perpétua! Aquele que nunca está satisfeito a menos que esteja envolvido em alguma disputa entre igreja e igreja, capela e capela, seita e seita, facção e facção, partido e partido, nada sabe como deveria saber. Sem dúvida, pode ser absolutamente necessário às vezes recorrer aos tribunais, a fim de determinar a interpretação correta dos Artigos, rituais e formulários de uma Igreja. Mas, como regra geral, a causa do pecado nunca é tão favorecida quanto quando os cristãos desperdiçam suas forças brigando entre si e gastam seu tempo em contendas mesquinhas.
Não, de fato! A principal luta do cristão é contra o mundo, a carne e o diabo. Estes são seus inimigos imortais. Estes são os três principais inimigos contra os quais ele deve travar guerra. A menos que ele obtenha vitória sobre estes três, todas as outras vitórias são inúteis e vãs. Se tivesse uma natureza como a de um anjo, e não fosse uma criatura caída, a guerra não seria tão essencial. Mas com um coração corrupto, um diabo ativo e um mundo enganador, ele deve ou “lutar” ou estar perdido.
Ele deve lutar contra a carne. Mesmo após a conversão, ele carrega dentro de si uma natureza inclinada ao mal, e um coração fraco e instável como a água. Esse coração nunca estará livre de imperfeição neste mundo, e é uma miserável ilusão esperar por isso. Para manter esse coração de se desviar, o Senhor Jesus nos ordena “vigiar e orar.” O espírito pode estar pronto, mas a carne é fraca. Há necessidade de uma luta diária e uma constante batalha em oração. “Antes subjugo o meu corpo,” clama São Paulo, “e o reduzo à submissão.” — “Vejo nos meus membros outra lei que guerreia contra a lei do meu entendimento e me leva cativo.” — “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” — “Os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.” — “Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a terra.” (Marcos 14. 38; 1 Coríntios 9. 27; Romanos 7. 23, 24; Gálatas 5. 24; Colossenses 3. 5).
Ele deve lutar contra o mundo. A influência sutil desse poderoso inimigo deve ser resistida diariamente, e sem uma batalha diária nunca poderá ser vencida. O amor pelas coisas boas do mundo — o medo da zombaria ou da reprovação do mundo — o desejo secreto de se manter em amizade com o mundo — o desejo secreto de agir como os outros no mundo, e não se tornar extremado — todos estes são inimigos espirituais que continuamente cercam o cristão em seu caminho para o céu, e devem ser vencidos. “A amizade do mundo é inimizade contra Deus: portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” — “Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.” — “O mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo.” — “Todo o que é nascido de Deus vence o mundo.” — “Não vos conformeis com este mundo.” (Tiago 4. 4; 1 João 2. 15; Gálatas 6. 14; 1 João 5. 4; Romanos 12. 2).
Ele deve lutar contra o diabo. Esse antigo inimigo da humanidade não está morto. Desde a queda de Adão e Eva, ele tem estado “andando de um lado para outro na terra, e passeando por ela,” esforçando-se para alcançar um grande fim — a ruína da alma do homem. Nunca cochilando e nunca dormindo, ele está sempre “andando ao redor como um leão que ruge procurando a quem possa devorar.” Um inimigo invisível, ele está sempre próximo de nós, ao nosso redor, e espreitando todos os nossos caminhos. Um “assassino e mentiroso” desde o princípio, ele trabalha dia e noite para nos lançar no inferno. Às vezes conduzindo à superstição, às vezes sugerindo a incredulidade, às vezes por um tipo de tática e às vezes por outra, ele está sempre conduzindo uma campanha contra nossas almas. “Satanás pediu para vos peneirar como trigo.” Este poderoso adversário deve ser resistido diariamente se quisermos ser salvos. Mas “esta casta não se expulsa” senão com vigilância, oração, luta e vestindo toda a armadura de Deus. O homem forte armado nunca será mantido fora de nossos corações sem uma batalha diária. (Jó 1. 7; 1 Pedro 5. 8; João 8. 44; Lucas 22. 31; Efésios 6. 11).
Alguns homens podem pensar que essas declarações são fortes demais. Você imagina que estou indo longe demais, e exagerando. Secretamente, você diz a si mesmo que homens e mulheres na Inglaterra certamente podem chegar ao céu sem toda essa dificuldade, guerra e luta. Ouça-me por alguns minutos e eu lhe mostrarei que tenho algo a dizer em nome de Deus. Lembre-se do princípio do mais sábio general que já viveu na Inglaterra — “Em tempos de guerra, o pior erro é subestimar o inimigo e tentar fazer uma pequena guerra.” Esta guerra cristã não é algo trivial. Dê-me sua atenção e considere o que eu digo. O que diz a Escritura? — “Milita a boa milícia da fé. Toma posse da vida eterna.” — “Sofre, pois, comigo, como bom soldado de Jesus Cristo.” — “Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as ciladas do diabo. Pois não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau, e, havendo feito tudo, ficar firmes.” — “Porfiai por entrar pela porta estreita.” — “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna.” — “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.” — “Aquele que não tem espada venda a sua capa e compre uma.” — “Vigiai, estai firmes na fé; portai-vos varonilmente e fortalecei-vos.” — “Milita a boa milícia, conservando a fé e a boa consciência.” (1 Timóteo 6. 12; 2 Timóteo 2. 3; Efésios 6. 11-13; Lucas 13. 24; João 6. 27; Mateus 10. 34; Lucas 22. 36; 1 Coríntios 16. 13; 1 Timóteo 1. 18, 19).
Palavras como estas me parecem claras, simples e inconfundíveis. Todas ensinam uma mesma grande lição, se estivermos dispostos a recebê-la. Essa lição é que o verdadeiro cristianismo é uma luta, uma batalha e uma guerra. Aquele que pretende condenar “a luta” e ensina que devemos apenas “nos entregar a Deus” parece-me interpretar mal a sua Bíblia e cometer um grande erro.
O que diz o Serviço de Batismo da Igreja da Inglaterra? Sem dúvida, esse Serviço não é inspirado e, como toda composição não inspirada, tem seus defeitos; mas para milhões de pessoas ao redor do mundo, que professam e se dizem membros da Igreja da Inglaterra, sua voz deveria ter algum peso. E o que ele diz? Ele nos diz que, sobre cada novo membro que é admitido na Igreja da Inglaterra, são usadas as seguintes palavras—"Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo."—"Eu assinalo esta criança com o sinal da cruz, em sinal de que doravante ela não se envergonhará de confessar a fé em Cristo crucificado, e lutará corajosamente sob Seu estandarte contra o pecado, o mundo e o diabo, e continuará sendo fiel soldado e servo de Cristo até o fim de sua vida."—É claro que todos sabemos que, em milhares de casos, o batismo é uma mera formalidade, e que os pais trazem seus filhos à pia batismal sem fé, oração ou reflexão, e, consequentemente, não recebem bênção alguma. O homem que supõe que o batismo, em tais casos, age mecanicamente, como um remédio, e que pais piedosos e ímpios, que oram e que não oram, todos recebem igualmente o mesmo benefício para seus filhos, deve estar em um estado mental estranho. Mas uma coisa, de qualquer modo, é muito certa. Todo membro batizado da Igreja é, por sua profissão, um "soldado de Jesus Cristo", e está comprometido "a lutar sob Seu estandarte contra o pecado, o mundo e o diabo." Quem duvida disso, faria melhor em pegar seu Livro de Oração e ler, observar e aprender seu conteúdo. O pior sobre muitos dos muito zelosos membros da Igreja é a total ignorância do que seu próprio Livro de Oração contém.
Sejamos nós membros da Igreja ou não, uma coisa é certa—esta guerra cristã é uma grande realidade e um assunto de vastíssima importância. Não é uma questão como o governo e o cerimonial da Igreja, sobre a qual os homens podem divergir e ainda assim alcançar o céu no final. A necessidade nos é imposta. Devemos lutar. Não há promessas nas Epístolas do Senhor Jesus Cristo às Sete Igrejas, exceto para aqueles que "vencem." Onde há graça, haverá conflito. O crente é um soldado. Não há santidade sem uma guerra. Almas salvas sempre terão travado uma batalha.
É uma luta de absoluta necessidade. Não pensemos que nesta guerra podemos permanecer neutros e simplesmente ficar sentados. Tal linha de ação pode ser possível no conflito das nações, mas é totalmente impossível nesse conflito que diz respeito à alma. A tão exaltada política da não intervenção—a "inatividade magistral" que agrada a tantos estadistas—o plano de manter-se quieto e deixar as coisas seguirem—tudo isso jamais servirá na guerra cristã. Aqui, de qualquer modo, ninguém pode escapar de servir sob o pretexto de ser "um homem de paz." Estar em paz com o mundo, a carne e o diabo é estar em inimizade com Deus, e no caminho largo que conduz à destruição. Não temos escolha ou opção. Devemos lutar ou seremos perdidos.
É uma luta de necessidade universal. Nenhuma posição, classe ou idade pode alegar isenção ou escapar da batalha. Ministros e povo, pregadores e ouvintes, velhos e jovens, altos e baixos, ricos e pobres, nobres e simples, reis e súditos, proprietários e inquilinos, eruditos e ignorantes—todos, igualmente, devem pegar em armas e ir para a guerra. Todos têm, por natureza, um coração cheio de orgulho, incredulidade, preguiça, mundanismo e pecado. Todos vivem em um mundo cheio de laços, armadilhas e ciladas para a alma. Todos têm próximo de si um diabo ativo, inquieto e malicioso. Todos, desde a rainha em seu palácio até o indigente no asilo, todos devem lutar, se quiserem ser salvos.
É uma luta de necessidade perpétua. Não admite tempo para respirar, nem armistício, nem trégua. Nos dias de semana assim como nos domingos—em privado assim como em público—em casa junto à lareira da família assim como fora de casa—em pequenas coisas como o controle da língua e do temperamento, assim como em grandes coisas como o governo de reinos—a guerra do cristão deve prosseguir incessantemente. O inimigo com quem lidamos não tira férias, nunca cochila e nunca dorme. Enquanto tivermos fôlego em nossos corpos, devemos manter nossa armadura e lembrar que estamos em território inimigo. "Mesmo à beira do Jordão," disse um santo moribundo, "encontro Satanás mordiscando meus calcanhares." Devemos lutar até morrer.
Vamos considerar bem essas proposições. Cuidemos para que nossa religião pessoal seja real, genuína e verdadeira. O sintoma mais triste acerca de muitos dos chamados cristãos é a total ausência de qualquer coisa semelhante a conflito e luta em seu cristianismo. Eles comem, bebem, se vestem, trabalham, se divertem, ganham dinheiro, gastam dinheiro, participam de uma pequena rotina de serviços religiosos formais uma ou duas vezes por semana. Mas a grande guerra espiritual — suas vigílias e lutas, suas agonias e ansiedades, suas batalhas e combates — de tudo isso eles parecem nada saber. Cuidemos para que esse não seja o nosso caso. O pior estado da alma é "quando o valente guarda armado a sua casa, em segurança está tudo quanto tem" — quando ele leva homens e mulheres "cativos segundo a sua vontade", e eles não oferecem resistência. As piores correntes são aquelas que o prisioneiro nem sente nem vê (Lucas 11. 21; 2 Timóteo 2. 26).
Podemos nos consolar quanto às nossas almas se conhecemos algo de uma luta e conflito internos. É o companheiro invariável da verdadeira santidade cristã. Não é tudo, bem sei, mas é algo. Encontramos no íntimo de nosso coração uma luta espiritual? Sentimos algo da carne cobiçando contra o espírito e do espírito contra a carne, de modo que não conseguimos fazer as coisas que gostaríamos? (Gálatas 5. 17). Estamos conscientes de dois princípios dentro de nós, contendendo pela supremacia? Sentimos algo de guerra em nosso homem interior? Pois bem, demos graças a Deus por isso! É um bom sinal. É uma forte evidência provável da grande obra da santificação. Todos os verdadeiros santos são soldados. Qualquer coisa é melhor do que apatia, estagnação, morte e indiferença. Estamos em um estado melhor do que muitos. A maioria dos chamados cristãos não sente absolutamente nada. Evidentemente, não somos amigos de Satanás. Como os reis deste mundo, ele não luta contra seus próprios súditos. O simples fato de ele nos atacar deve encher nossas mentes de esperança. Digo novamente, consolemo-nos. O filho de Deus possui duas grandes marcas, e de uma delas nós temos posse. ELE PODE SER RECONHECIDO POR SUA GUERRA INTERIOR, ASSIM COMO POR SUA PAZ INTERIOR.
Passo agora para a segunda coisa que tenho a dizer ao tratar do meu tema: o verdadeiro cristianismo é a luta da fé.
Nesse aspecto, a guerra cristã é totalmente diferente dos conflitos deste mundo. Não depende do braço forte, do olhar rápido ou do pé veloz. Não é travada com armas carnais, mas com espirituais. A fé é a dobradiça sobre a qual a vitória gira. O sucesso depende inteiramente de crer.
Uma fé geral na verdade da Palavra escrita de Deus é o fundamento primário do caráter do soldado cristão. Ele é o que é, faz o que faz, pensa como pensa, age como age, espera como espera, comporta-se como se comporta, por uma razão simples — ele crê em certas proposições reveladas e estabelecidas na Sagrada Escritura. "Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam" (Hebreus 11. 5).
Uma religião sem doutrina ou dogma é algo de que muitos gostam de falar nos dias de hoje. À primeira vista soa muito bem. De longe parece muito bonito. Mas no momento em que nos sentamos para examinar e considerar, descobrimos que é uma simples impossibilidade. Seria como falar de um corpo sem ossos e tendões. Nenhum homem jamais será ou fará qualquer coisa na religião a menos que creia em algo. Mesmo aqueles que professam sustentar as visões miseráveis e desconfortáveis dos deístas são obrigados a confessar que creem em algo. Com todas as suas amargas zombarias contra a teologia dogmática e a credulidade cristã, como chamam, eles próprios têm uma espécie de fé.
Quanto aos verdadeiros cristãos, a fé é a própria espinha dorsal de sua existência espiritual. Ninguém jamais luta com sinceridade contra o mundo, a carne e o diabo, a menos que tenha gravados no coração certos grandes princípios nos quais crê. Quais sejam esses princípios, talvez ele mal saiba, e certamente não seja capaz de defini-los ou escrevê-los. Mas eles estão ali e, consciente ou inconscientemente, formam as raízes de sua religião. Sempre que você vir um homem, seja rico ou pobre, instruído ou ignorante, lutando bravamente contra o pecado e tentando vencê-lo, pode ter certeza de que existem certos grandes princípios nos quais esse homem crê. O poeta que escreveu os famosos versos:
"Que os sectários sem graça lutem pelos modos de fé,
Não pode estar errado aquele cuja vida está certa",
era um homem inteligente, mas um teólogo fraco. Não existe tal coisa como viver corretamente sem fé e crença.
Uma fé especial na pessoa, obra e ofício de nosso Senhor Jesus Cristo é a vida, o coração e a mola mestra do caráter do soldado cristão.
Ele vê pela fé um Salvador invisível, que o amou, entregou-Se por ele, pagou suas dívidas, carregou seus pecados, suportou suas transgressões, ressuscitou por ele e aparece no céu por ele como seu Advogado à direita de Deus. Ele vê Jesus e a Ele se apega. Vendo esse Salvador e confiando nEle, sente paz e esperança, e combate de boa vontade contra os inimigos de sua alma.
Ele vê seus próprios muitos pecados — seu coração fraco, um mundo tentador, um diabo atuante; e, se olhasse apenas para eles, poderia muito bem desesperar. Mas ele também vê um Salvador poderoso, um Salvador que intercede, um Salvador que se compadece — Seu sangue, Sua justiça, Seu sacerdócio eterno — e crê que tudo isso lhe pertence. Ele vê Jesus e lança todo o seu peso sobre Ele. Vendo-O, combate alegremente, com plena confiança de que sairá "mais do que vencedor por aquele que o amou" (Rom. 8. 37).
A fé viva habitual na presença de Cristo e em Sua disposição de ajudar é o segredo do sucesso na luta do soldado cristão.
Jamais se deve esquecer que a fé admite graus. Nem todos creem da mesma maneira, e até a mesma pessoa tem suas marés de fé, crendo mais fortemente em certos momentos do que em outros. Conforme o grau de sua fé, o cristão luta bem ou mal, vence batalhas ou sofre repulsas ocasionais, sai triunfante ou perde uma batalha. Aquele que tem mais fé será sempre o soldado mais feliz e mais confortável. Nada torna tão leves as ansiedades da guerra como a certeza do amor e da proteção contínua de Cristo. Nada capacita tanto a suportar a fadiga da vigilância, da luta e do combate contra o pecado como a confiança interior de que Cristo está ao seu lado e o sucesso é certo. É o "escudo da fé" que apaga todos os dardos inflamados do maligno (Ef. 6. 16). É o homem que pode dizer: "Eu sei em quem tenho crido" — que pode dizer, no tempo de sofrimento: "Não me envergonho" (2 Tim. 1. 12). Aquele que escreveu aquelas palavras ardentes: "Por isso não desfalecemos" — "Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente" — foi o mesmo que escreveu: "Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas" (2 Cor. 4. 17, 18). Foi o homem que disse: "Já estou crucificado com Cristo" — que disse, na mesma Epístola: "O mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo" (Gal. 2. 20; 6. 14). Foi o homem que disse: "Porque para mim o viver é Cristo" — que disse, na mesma Epístola: "Aprendi a contentar-me com o que tenho" — "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (Fil. 1. 21; 4. 11, 13). Quanto mais fé, mais vitória! Quanto mais fé, mais paz interior!
Creio ser impossível superestimar o valor e a importância da fé. Bem pode o apóstolo Pedro chamá-la de "preciosa" (2 Ped. 1. 1). Faltaria tempo se eu tentasse enumerar a centésima parte das vitórias que os soldados cristãos obtiveram pela fé.
Vamos pegar nossas Bíblias e ler com atenção o capítulo 11 da Epístola aos Hebreus. Vamos observar a longa lista de valorosos cujos nomes estão ali registrados, desde Abel até Moisés, mesmo antes de Cristo nascer da Virgem Maria e trazer à plena luz a vida e a imortalidade pelo Evangelho. Vamos notar bem as batalhas que eles venceram contra o mundo, a carne e o diabo. E então vamos nos lembrar que foi a fé que realizou tudo isso. Esses homens olharam para o Messias prometido. Eles viram aquele que é invisível. "Pela fé os antigos alcançaram bom testemunho" (Hebreus 11. 2-27).
Vamos voltar às páginas da história da Igreja primitiva. Vamos ver como os primeiros cristãos mantiveram firme sua religião até a morte, e não foram abalados pelas mais ferozes perseguições dos imperadores pagãos. Durante séculos nunca faltaram homens como Policarpo e Inácio, que estavam prontos a morrer antes de negar Cristo. Multas, prisões, torturas, fogo e espada não conseguiram esmagar o espírito do nobre exército de mártires. Todo o poder da Roma imperial, a senhora do mundo, mostrou-se incapaz de extinguir a religião que começou com alguns pescadores e publicanos na Palestina! E então vamos nos lembrar que crer em um Jesus invisível foi a força da Igreja. Eles venceram pela fé.
Vamos examinar a história da Reforma Protestante. Vamos estudar a vida de seus principais campeões — Wycliffe, Huss, Lutero, Ridley, Latimer e Hooper. Vamos observar como esses valentes soldados de Cristo permaneceram firmes contra uma hoste de adversários e estavam prontos a morrer por seus princípios. Que batalhas eles travaram! Que controvérsias sustentaram! Que contradições suportaram! Que tenacidade de propósito demonstraram contra um mundo em armas! E então vamos nos lembrar que crer em um Jesus invisível foi o segredo de sua força. Eles venceram pela fé.
Vamos considerar os homens que deixaram as maiores marcas na história da Igreja nos últimos cem anos. Vamos observar como homens como Wesley, Whitfield, Venn e Romaine se mantiveram sozinhos em seu tempo e geração, e reviveram a religião inglesa diante da oposição de homens em altos cargos e diante da calúnia, zombaria e perseguição de nove décimos dos cristãos nominais em nossa terra. Vamos observar como homens como William Wilberforce, Havelock e Hedley Vicars testemunharam de Cristo nas posições mais difíceis, e ergueram uma bandeira para Cristo até mesmo na mesa de refeições do regimento ou no salão da Câmara dos Comuns. Vamos observar como esses nobres testemunhos nunca vacilaram até o fim e conquistaram o respeito até mesmo de seus piores adversários. E então vamos nos lembrar que crer em um Cristo invisível é a chave para todos os seus caracteres. Pela fé eles viveram, caminharam, permaneceram e venceram.
Alguém deseja viver a vida de um soldado cristão? Que ore por fé. É um dom de Deus; e um dom que aqueles que pedem nunca pedirão em vão. É preciso crer antes de agir. Se os homens nada fazem na religião, é porque não creem. A fé é o primeiro passo rumo ao céu.
Alguém deseja lutar o combate do soldado cristão com sucesso e prosperidade? Que ore por um contínuo aumento de fé. Que permaneça em Cristo, se aproxime mais de Cristo, aperte sua ligação com Cristo a cada dia que vive. Que sua oração diária seja a dos discípulos — "Senhor, aumenta a nossa fé" (Lucas 17. 5). Vigie ciumentamente sobre sua fé, se a tiver. É a cidadela do caráter cristão, da qual depende a segurança de toda a fortaleza. É o ponto que Satanás ama atacar. Tudo fica à mercê dele se a fé for derrubada. Aqui, se amamos a vida, devemos especialmente permanecer em guarda.
A última coisa que tenho a dizer é esta: o verdadeiro cristianismo é um bom combate.
"Bom" é uma palavra curiosa para se aplicar a qualquer guerra. Toda guerra mundana é mais ou menos má. Sem dúvida, é uma necessidade absoluta em muitos casos — para garantir a liberdade das nações, para impedir que os fracos sejam esmagados pelos fortes — mas ainda assim é um mal. Implica uma enorme quantidade de derramamento de sangue e sofrimento. Lança miríades na eternidade completamente despreparados para sua mudança. Desperta as piores paixões do homem. Causa enorme desperdício e destruição de propriedades. Enche lares pacíficos de viúvas e órfãos em luto. Espalha amplamente pobreza, tributação e sofrimento nacional. Desorganiza toda a ordem da sociedade. Interrompe o trabalho do Evangelho e o crescimento das missões cristãs. Em suma, a guerra é um imenso e incalculável mal, e todo homem que ora deveria clamar dia e noite, "Dá-nos paz em nossos dias." E ainda assim há uma guerra que é enfaticamente "boa", e um combate no qual não há mal algum. Essa guerra é a guerra cristã. Esse combate é o combate da alma.
Agora, quais são as razões pelas quais a luta cristã é uma "boa luta"? Em que pontos sua batalha é superior à batalha deste mundo? Permita-me examinar esta questão e desenvolvê-la de maneira ordenada. Não ouso passar por este assunto sem lhe dar a devida atenção. Não quero que ninguém comece a vida de soldado cristão sem antes calcular o custo. Não quero ocultar de ninguém que, se deseja ser santo e ver o Senhor, precisa lutar, e que a luta cristã, embora espiritual, é real e severa. Ela exige coragem, ousadia e perseverança. Mas desejo que meus leitores saibam que há abundante encorajamento, se apenas começarem a batalha. A Escritura não chama a luta cristã de "boa luta" sem motivo e causa. Deixe-me tentar mostrar o que quero dizer.
(a) A luta do cristão é boa porque é travada sob o comando do melhor dos generais. O Líder e Comandante de todos os crentes é o nosso Salvador Divino, o Senhor Jesus Cristo — um Salvador de perfeita sabedoria, amor infinito e poder onipotente. O Capitão da nossa salvação nunca deixa de conduzir Seus soldados à vitória. Ele nunca faz movimentos inúteis, nunca erra no julgamento, nunca comete enganos. Seu olhar está sobre todos os Seus seguidores, do maior ao menor. O servo mais humilde em Seu exército não é esquecido. O mais fraco e doente é cuidado, lembrado e guardado para a salvação. As almas que Ele comprou e redimiu com Seu próprio sangue são preciosas demais para serem desperdiçadas e lançadas fora. Certamente isto é bom!
(b) A luta do cristão é boa porque é travada com as melhores ajudas. Embora cada crente seja fraco em si mesmo, o Espírito Santo habita nele, e seu corpo é templo do Espírito Santo. Escolhido por Deus Pai, lavado no sangue do Filho, renovado pelo Espírito, ele não vai à guerra às suas próprias custas, nem jamais está sozinho. Deus, o Espírito Santo, diariamente o ensina, conduz, guia e dirige. Deus Pai o guarda com Seu poder onipotente. Deus Filho intercede por ele a todo momento, como Moisés no monte, enquanto ele luta no vale abaixo. Um cordão triplo como este jamais pode ser quebrado! Suas provisões e suprimentos diários nunca falham. Sua intendência nunca é defeituosa. Seu pão e sua água são garantidos. Embora pareça fraco em si mesmo, como um verme, é forte no Senhor para realizar grandes feitos. Certamente isto é bom!
(c) A luta cristã é uma boa luta porque é travada com as melhores promessas. A cada crente pertencem promessas grandíssimas e preciosas — todas "Sim" e "Amém" em Cristo — promessas certas de serem cumpridas, porque feitas por Aquele que não pode mentir, e que tem poder assim como vontade para cumprir Sua palavra. "O pecado não terá domínio sobre vós." — "O Deus de paz esmagará Satanás debaixo dos vossos pés em breve." — "Aquele que começou a boa obra em vós há de completá-la até o dia de Jesus Cristo." — "Quando passares pelas águas, estarei contigo; e pelos rios, eles não te submergirão." — "As minhas ovelhas jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão." — "O que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora." — "Nunca te deixarei, nem te desampararei." — "Estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem o presente, nem o porvir, poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus." (Rom. 6. 14; Rom. 16. 20; Filip. 1. 6; Isa. 43. 2; João 10. 28; João 6. 37; Heb. 13. 5; Rom. 8. 38). Palavras como estas valem seu peso em ouro! Quem não sabe que promessas de ajuda vindoura já animaram os defensores de cidades sitiadas, como Lucknow, e os elevaram acima de sua força natural? Nunca ouvimos dizer que a promessa de "socorro antes da noite" teve grande influência na vitória de Waterloo? Contudo, todas essas promessas não são nada comparadas ao rico tesouro dos crentes: as promessas eternas de Deus. Certamente isto é bom!
(d) A luta do cristão é boa porque é travada com os melhores desfechos e resultados. Sem dúvida é uma guerra que envolve lutas tremendas, conflitos agonizantes, feridas, contusões, vigílias, jejuns e fadigas. Mas ainda assim, todo crente, sem exceção, é "mais do que vencedor, por aquele que o amou." (Rom. 8. 37). Nenhum soldado de Cristo jamais se perde, desaparece ou é deixado morto no campo de batalha. Jamais haverá necessidade de luto ou lágrimas por qualquer recruta ou oficial no exército de Cristo. A lista de convocados, quando chegar a última noite, será exatamente a mesma da manhã. A Guarda inglesa marchou de Londres para a campanha da Crimeia como um magnífico corpo de homens; mas muitos desses valentes jazem hoje em túmulos estrangeiros, e nunca mais viram Londres. Muito diferente será a chegada do exército cristão à "cidade que tem fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus." (Heb. 11. 10). Nenhum será encontrado em falta. As palavras do nosso grande Capitão se mostrarão verdadeiras: "Dos que me deste, nenhum deles perdi." (João 18. 9). Certamente isto é bom!
(e) A luta do cristão é boa porque faz bem à alma daquele que a trava. Todas as outras guerras têm uma tendência má, degradante e desmoralizante. Elas despertam as piores paixões da mente humana. Endurecem a consciência e minam as bases da religião e da moralidade. Apenas a guerra cristã tende a despertar o que há de melhor no homem. Ela promove a humildade e a caridade, diminui o egoísmo e o mundanismo, e induz os homens a colocarem suas afeições nas coisas do alto. Os velhos, os enfermos e os moribundos jamais se arrependem de ter lutado as batalhas de Cristo contra o pecado, o mundo e o diabo. Seu único arrependimento é não terem começado a servir a Cristo muito antes. A experiência daquele eminente santo, Philip Henry, não é caso isolado. Em seus últimos dias, ele disse à sua família: "Tomo-vos todos como testemunhas de que uma vida gasta no serviço de Cristo é a vida mais feliz que um homem pode viver na terra." Certamente isto é bom!
(f) A luta do cristão é uma boa luta, porque faz bem ao mundo. Todas as outras guerras têm um efeito devastador, arrasador e prejudicial. A passagem de um exército por uma terra é um terrível flagelo para os habitantes. Onde quer que vá, empobrece, devasta e causa dano. Danos às pessoas, propriedades, sentimentos e moral acompanham-no invariavelmente. Bem diferentes são os efeitos produzidos pelos soldados cristãos. Onde quer que vivam, são uma bênção. Eles elevam o padrão da religião e da moralidade. Invariavelmente freiam o progresso da embriaguez, da quebra do sábado, da devassidão e da desonestidade. Até mesmo seus inimigos são obrigados a respeitá-los. Vá onde quiser, raramente encontrará que quartéis e guarnições façam bem à vizinhança. Mas vá onde quiser, você encontrará que a presença de alguns poucos cristãos verdadeiros é uma bênção. Certamente isto é bom!
(g) Finalmente, a luta do cristão é boa, porque termina com uma gloriosa recompensa para todos os que lutam nela. Quem pode dizer o salário que Cristo pagará a todo o Seu povo fiel? Quem pode estimar as boas coisas que o nosso Divino Capitão reservou para aqueles que O confessam diante dos homens? Um país grato pode dar a seus guerreiros bem-sucedidos medalhas, Cruz de Vitória, pensões, títulos de nobreza, honrarias e distinções. Mas não pode dar nada que dure e perdure para sempre, nada que possa ser levado além do túmulo. Palácios como Blenheim e Stratfieldsay só podem ser desfrutados por alguns anos. Os generais e soldados mais valentes devem um dia sucumbir diante do Rei dos Terrores. Melhor, muito melhor, é a posição daquele que luta sob a bandeira de Cristo contra o pecado, o mundo e o diabo. Ele pode receber pouco louvor dos homens enquanto vive, e descer ao túmulo com pouca honra; mas terá aquilo que é muito melhor, porque é muito mais duradouro. Ele terá "uma coroa de glória que não se desvanecerá" (1 Pedro 5. 4). Certamente isto é bom!
64 Fixemos em nossas mentes que a luta cristã é uma boa luta — realmente boa, verdadeiramente boa, enfaticamente boa. Vemos apenas parte dela por enquanto. Vemos a luta, mas não o fim; vemos a campanha, mas não a recompensa; vemos a cruz, mas não a coroa. Vemos alguns poucos humildes, quebrantados de espírito, penitentes e orando, suportando dificuldades e sendo desprezados pelo mundo; mas não vemos a mão de Deus sobre eles, o rosto de Deus sorrindo para eles, o reino de glória preparado para eles. Essas coisas ainda serão reveladas. Não julguemos pelas aparências. Existem mais coisas boas na guerra cristã do que vemos.
E agora permita-me concluir todo o meu assunto com algumas palavras de aplicação prática. Nosso destino foi lançado em tempos em que o mundo parece pensar em pouco mais do que batalhas e lutas. O ferro está entrando na alma de mais de uma nação, e a alegria de muitos belos distritos desapareceu completamente. Certamente em tempos como estes um ministro pode legitimamente chamar os homens a se lembrarem da sua guerra espiritual. Permita-me dizer algumas palavras finais sobre a grande luta da alma.
(1) Pode ser que você esteja lutando arduamente pelas recompensas deste mundo. Talvez esteja forçando cada nervo para obter dinheiro, posição, poder ou prazer. Se este for o seu caso, tenha cuidado. A sua semeadura levará a uma colheita de amarga decepção. A menos que você preste atenção ao que está fazendo, o seu fim será deitar-se em tristeza.
Milhares trilharam o caminho que você está seguindo, e despertaram tarde demais para descobrir que ele termina em miséria e ruína eterna. Lutaram duramente por riqueza, honra, cargos e promoções, e deram as costas a Deus, a Cristo, ao céu e ao mundo vindouro. E qual foi o seu fim? Muitas vezes, com demasiada frequência, descobriram que toda a sua vida foi um grande erro. Experimentaram amargamente os sentimentos do estadista moribundo que clamou em seus últimos momentos: "A batalha foi travada: a batalha foi travada: mas a vitória não foi vencida."
Por amor à sua própria felicidade, resolva neste dia unir-se ao lado do Senhor. Livre-se da sua antiga negligência e incredulidade. Saia dos caminhos de um mundo irrefletido e irracional. Tome a cruz e torne-se um bom soldado de Cristo. "Lute o bom combate da fé", para que você seja feliz assim como seguro.
Pense no que os filhos deste mundo frequentemente fazem pela liberdade, sem qualquer princípio religioso. Lembre-se de como gregos, romanos, suíços e tiroleses suportaram a perda de todas as coisas, e até mesmo da vida, antes de curvarem seus pescoços a um jugo estrangeiro. Que o exemplo deles o provoque à emulação. Se homens podem fazer tanto por uma coroa corruptível, quanto mais você deveria fazer por uma que é incorruptível! Desperte para o senso da miséria de ser um escravo. Pela vida, felicidade e liberdade, levante-se e lute.
Não temas começar e alistar-te sob a bandeira de Cristo. O grande Capitão da tua salvação não rejeita nenhum que vem a Ele. Como Davi na caverna de Adulão, Ele está pronto para receber todos os que a Ele se achegam, por mais indignos que se sintam. Nenhum que se arrepende e crê é tão mau que não possa ser alistado nas fileiras do exército de Cristo. Todos os que a Ele vêm pela fé são admitidos, vestidos, armados, treinados e finalmente conduzidos à vitória completa. Não temas começar hoje mesmo. Ainda há lugar para ti.
Não temas prosseguir lutando, uma vez alistado. Quanto mais completo e de coração inteiro fores como soldado, mais confortável acharás o teu combate. Sem dúvida, muitas vezes encontrarás dificuldades, fadigas e lutas árduas antes que a tua guerra esteja concluída. Mas que nada disso te comova. Maior é o que está contigo do que todos os que estão contra ti. Liberdade eterna ou cativeiro eterno são as alternativas diante de ti. Escolhe a liberdade e luta até o fim.
(2) Pode ser que já saibas algo sobre a guerra cristã e sejas já um soldado experimentado e provado. Se esse for o teu caso, aceita uma palavra final de conselho e encorajamento de um companheiro de batalha. Deixa-me falar a mim mesmo tanto quanto a ti. Vamos despertar as nossas mentes por meio da recordação. Há coisas que não podemos lembrar demais.
Lembremo-nos de que, se quisermos lutar com sucesso, devemos vestir toda a armadura de Deus e nunca deixá-la de lado até morrer. Nenhuma peça da armadura pode ser dispensada. O cinto da verdade, a couraça da justiça, o escudo da fé, a espada do Espírito, o capacete da esperança — todos são necessários. Nem um único dia podemos prescindir de qualquer parte dessa armadura. Bem disse um velho veterano do exército de Cristo, que morreu há 200 anos: "No céu, apareceremos não em armaduras, mas em vestes de glória. Mas aqui, as armas devem ser usadas dia e noite. Devemos andar, trabalhar e dormir com elas, ou então não somos verdadeiros soldados de Cristo" (Armadura Cristã de Gurnall).
Lembremo-nos das palavras solenes de um guerreiro inspirado, que foi para o seu descanso há 1.800 anos: "Nenhum soldado em serviço se embaraça com os negócios desta vida, a fim de agradar aquele que o alistou para a guerra" (2 Timóteo 2. 4). Que jamais esqueçamos essa afirmação!
Lembremo-nos de que alguns pareceram bons soldados por um curto tempo, falaram com grande entusiasmo sobre o que fariam, e ainda assim voltaram atrás vergonhosamente no dia da batalha.
Jamais nos esqueçamos de Balaão, de Judas, de Demas e da mulher de Ló. Seja qual for a nossa condição, e por mais fracos que sejamos, sejamos reais, genuínos, verdadeiros e sinceros.
Lembremo-nos de que o olhar do nosso amável Salvador está sobre nós, manhã, tarde e noite. Ele nunca permitirá que sejamos tentados além do que podemos suportar. Ele pode compadecer-se das nossas fraquezas, pois foi tentado, assim como nós. Ele sabe o que são batalhas e conflitos, pois também foi atacado pelo Príncipe deste mundo. Tendo tal Sumo Sacerdote, Jesus, o Filho de Deus, retenhamos firmemente a nossa confissão (Hebreus 4. 14).
Lembremo-nos de que milhares de soldados antes de nós lutaram a mesma batalha que estamos lutando, e saíram mais do que vencedores por meio daquele que os amou. Eles venceram pelo sangue do Cordeiro; e nós também podemos vencer. O braço de Cristo é tão forte quanto sempre foi, e o coração de Cristo é tão amoroso quanto sempre foi. Aquele que salvou homens e mulheres antes de nós é o mesmo que nunca muda. Ele é "poderoso para salvar totalmente os que por Ele se chegam a Deus" (Hebreus 7. 25). Então lancemos fora dúvidas e medos. Sigamos "os que pela fé e paciência herdam as promessas" e que estão à nossa espera para que nos juntemos a eles (Hebreus 6. 12).
Finalmente, lembremos que o tempo é curto, e a vinda do Senhor se aproxima. Mais algumas batalhas e a última trombeta soará, e o Príncipe da Paz virá reinar sobre uma terra renovada. Mais algumas lutas e conflitos, e então nos despediremos eternamente da guerra, do pecado, da tristeza e da morte. Então, lutemos até o fim, e nunca nos rendamos. Assim diz o Capitão da nossa salvação—"Quem vencer herdará todas as coisas; e eu serei seu Deus, e ele será meu filho" (Apocalipse 21. 7).
Permita-me concluir tudo com as palavras de John Bunyan, em uma das partes mais belas de O Peregrino. Ele está descrevendo o fim de um dos seus mais nobres e santos peregrinos:—
"Depois disso, correu-se a notícia de que o Sr. Valor-por-verdade havia sido chamado por uma convocação, pela mesma parte que os outros. E ele teve esta palavra como sinal de que a convocação era verdadeira, 'O cântaro foi quebrado junto à fonte' (Eclesiastes 12. 6). Quando ele entendeu, chamou seus amigos e contou-lhes. Então disse ele: 'Estou indo para a casa de meu Pai; e embora com grande dificuldade tenha chegado até aqui, não me arrependo de todos os problemas que passei para alcançar onde estou. Minha espada eu dou àquele que me sucederá em minha peregrinação, e minha coragem e habilidade àquele que puder obtê-las. Minhas marcas e cicatrizes levo comigo, para serem testemunhas de que combati as batalhas d'Ele, que agora será meu galardoador.' Quando chegou o dia em que deveria ir para casa, muitos o acompanharam até a beira do rio, onde, ao descer, disse: 'Ó morte, onde está o teu aguilhão?' E ao descer mais profundamente, clamou: 'Ó sepultura, onde está a tua vitória?' Assim ele passou, e todas as trombetas soaram por ele do outro lado."
Que nosso fim seja como este! Que nunca esqueçamos que sem luta não pode haver santidade enquanto vivermos, nem coroa de glória quando morrermos!
~
J. C. Ryle
Holiness.