Guilherme de Ockham (1287–1347) ou William de Ockham, nasceu por volta de 1287, em uma pequena aldeia de Surrey, Inglaterra, onde iniciou sua formação no seio da ordem franciscana. Ao longo de sua vida, firmou-se como uma das figuras mais relevantes da filosofia e teologia medievais, não apenas por sua defesa incisiva da simplicidade metodológica – conhecida posteriormente como a “navalha de Ockham” –, mas também por sua dedicação a questões centrais da fé cristã e à relação entre autoridade e verdade no seio da Igreja. Sua formação teológica se consolidou na Universidade de Oxford, onde estudou entre 1309 e 1321. Apesar de ter cumprido os requisitos acadêmicos para o magistério, não foi elevado ao cargo de mestre regente, o que lhe valeu o título de “Venerabilis Inceptor” – o venerável principiante.
Em Oxford, Ockham escreveu seu comentário sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, obra padrão na formação teológica medieval. Seu comentário, no entanto, despertou controvérsias, vindo a ser julgado como problemático pelas autoridades eclesiásticas. Chamado a Avinhão para prestar esclarecimentos, envolveu-se então em uma disputa mais ampla: a controvérsia entre os franciscanos e o papado sobre a pobreza apostólica. Ockham, consultado pelo Ministro Geral dos franciscanos, Michael de Cesena, concluiu que a prática de Cristo e dos apóstolos de não possuir bens devia ser mantida como princípio normativo da Ordem. A oposição do papa João XXII a essa doutrina levou Ockham a considerar heréticas certas posições do pontífice, iniciando uma das mais ousadas críticas ao poder papal da Idade Média.
Refugiando-se na corte do imperador Luís IV da Baviera, que também se opunha ao papado, Ockham passou a redigir obras políticas nas quais argumentava pela autonomia do poder secular e pela limitação da autoridade pontifícia. Essa postura marcou o início de um pensamento mais sistemático sobre a separação entre Igreja e Estado, antecipando ideias que viriam a ganhar corpo nas formulações posteriores da soberania popular e dos direitos civis. Sua crítica à plenitudo potestatis papal não implicava uma rejeição da fé católica, mas sim uma defesa do Evangelho contra o que via como abusos institucionais. Embora excomungado por abandonar Avinhão sem autorização, nunca se desligou formalmente da Igreja.
Do ponto de vista filosófico e teológico, Ockham propôs uma reformulação metodológica da escolástica. Em contraste com os sistemas altamente estruturados de autores como Tomás de Aquino e Duns Scotus, sua abordagem era crítica e analítica. Considerava que a razão humana não poderia demonstrar dogmas centrais da fé, como a existência de Deus ou a imortalidade da alma, sustentando que tais verdades são conhecidas apenas pela revelação divina. Essa perspectiva, conhecida como fideísmo, sublinha a soberania absoluta de Deus e a gratuidade de Sua revelação, rejeitando a suposição de que o intelecto humano possa alcançar por si mesmo os mistérios da fé.
Em sua ontologia, Ockham rejeitava a existência real dos universais, defendendo que apenas os indivíduos existem concretamente, enquanto os conceitos universais são construções mentais. Essa doutrina, geralmente classificada como nominalismo, resultava em uma economia de entes e conceitos, fundamentada no princípio de que nada deve ser multiplicado sem necessidade. Embora a expressão “entia non sunt multiplicanda sine necessitate” não tenha sido usada diretamente por ele, tal formulação resume o espírito de sua proposta epistemológica e metafísica.
A aplicação desse princípio também se estendeu à sua crítica da estrutura escolástica do conhecimento. Ockham rejeitava a doutrina das espécies mediadoras entre objeto e sujeito, defendendo que o conhecimento pode ser explicado por processos de abstração mais diretos, baseados na experiência e na cognição intuitiva. Sua teoria do conhecimento influenciou decisivamente o pensamento filosófico posterior, abrindo caminho para o empirismo e para uma compreensão mais austera e funcional da linguagem e da lógica.
No âmbito da teologia política, Ockham sustentava que o poder do papa derivava, em última instância, do consenso dos fiéis, e que o imperador obtinha sua autoridade diretamente do povo. Sua defesa da liberdade cristã e de um modelo de governo fundamentado na responsabilidade mútua entre governantes e governados o coloca como precursor de ideias desenvolvidas posteriormente no conciliarismo e na teoria contratualista. Seus escritos também abordaram com rigor a natureza da propriedade e o direito de resistência contra autoridades eclesiásticas ou civis que se desviassem da justiça.
Ockham faleceu em 1347, tendo deixado uma obra extensa, que abrange lógica, teologia, filosofia natural, política e epistemologia. Sua contribuição permanece como testemunho da possibilidade de conjugar fidelidade à fé cristã com uma crítica lúcida das estruturas humanas, sempre subordinando o saber ao serviço da verdade revelada.