Jerônimo (347-420), nascido por volta de 347/349 em Stridon, Dalmácia, e falecido em 30 de setembro de 420 em Belém, Síria Palestina, foi um dos mais influentes Pais da Igreja Latina, cuja erudição e rigor ascético moldaram profundamente o cristianismo ocidental. Autor da Vulgata, a tradução latina da Bíblia que se tornou padrão na Igreja, ele combinou uma dedicação incansável ao estudo bíblico com uma vida de renúncia, tornando-se mentor de aristocratas cristãs e tradutor de textos teológicos gregos. Apesar de sua natureza combativa, que o colocou em conflitos doutrinários, Jerônimo permaneceu um presbítero, nunca bispo, mas foi honrado desde o século VIII como um dos quatro Doutores da Igreja, ao lado de Ambrósio, Agostinho e Gregório Magno. Como cristão, ele via a Escritura como a revelação divina suprema, e sua obra reflete um compromisso com a verdade bíblica, temperado por uma espiritualidade austera que buscava a glória de Deus acima de tudo.
Originário de uma família cristã abastada, Jerônimo cresceu em Stridon, uma localidade hoje incerta, destruída pelos godos após 378. Sua educação começou localmente, mas sua família financiou estudos avançados em Roma, onde, no Ateneu, sob a tutela de Aelius Donatus, dominou gramática, retórica e filosofia. Em Roma, frequentava as catacumbas com amigos cristãos, como Pammachius e Rufino de Aquileia, e foi batizado, provavelmente por Liberius, um evento que mencionou sem ênfase dramática. Por volta de 367, viajou a Tréveris, sede imperial, possivelmente buscando uma carreira administrativa, mas, às margens do Reno, com seu amigo Bonosus, decidiu abraçar o ascetismo. De volta à Itália, em Aquileia, integrou um círculo ascético, escrevendo sua primeira obra, a Vita de uma cristã de Vercelli, que gerou controvérsias locais, levando-o a deixar a região em 375.
Entre 375 e 378, Jerônimo viveu como eremita na deserto de Calcis, perto de Antioquia, hospedado no domínio de Evágrio. Lá, enfrentou privações físicas, aprendeu hebraico com um judeu convertido e aprofundou seu grego, enquanto mantinha uma biblioteca e escribas. Envolvido no cisma antioqueno, tentou, sem sucesso, que o bispo Dâmaso de Roma arbitrasse a disputa entre os bispos Meletius e Paulino, alinhando-se com este último, que o ordenou presbítero em 379, com a condição de não exercer funções litúrgicas. Em Constantinopla, entre 379 e 382, Jerônimo traduziu textos de Orígenes e buscou apoio para Paulino junto a figuras como Gregório de Nazianzo, sem sucesso no Concílio de 381. Sua estada na capital reforçou sua reputação como tradutor e sua adesão à ortodoxia nicena.
Retornando a Roma em 382, Jerônimo serviu Dâmaso, revisando os Evangelhos e o Saltério em latim a partir do grego, um precursor da Vulgata. Tornou-se mentor de um círculo de mulheres aristocráticas, como Marcela, Paula e Eustóquio, promovendo uma ascese rigorosa que gerou críticas. Após a morte de Dâmaso em 384 e acusações de impropriedade com Paula, deixou Roma em 385. Com Paula e Eustóquio, peregrinou pela Palestina e Egito, estabelecendo-se em Belém, onde Paula financiou um complexo monástico. Ali, Jerônimo dedicou-se à tradução da Bíblia diretamente do hebraico, priorizando a "Hebraica Veritas" sobre a Septuaginta, uma inovação que provocou resistências, como a de Agostinho, que defendia a inspiração da versão grega. Seus contatos com rabinos, como Baranina, enriqueceram sua exegese, embora seu uso da tradição judaica fosse limitado.
A Vulgata, iniciada em Belém por volta de 386, abrangeu o Antigo Testamento, traduzido do hebraico, e revisões do Novo Testamento, criando um texto estilisticamente uniforme que definiu a liturgia e teologia medievais. Jerônimo complementou-a com comentários, como o "In Danielem", que identificava Roma como o último império antes do Anticristo, e obras lexicais, como o "Liber interpretationis hebraicorum nominum". Sua produção incluiu a "Chronica", uma continuação de Eusébio de Cesareia, e "De viris illustribus", um catálogo de 135 biografias eclesiásticas. Apesar de sua dívida intelectual com Orígenes, Jerônimo envolveu-se no conflito origenista, denunciando-o como herético em traduções tendenciosas, o que o afastou de Rufino, seu antigo amigo.
Nos últimos anos, Jerônimo enfrentou adversidades: a morte de Paula em 404, saques em Belém em 416, que destruíram sua biblioteca, e a perda de Eustóquio em 418. Faleceu em 420, sepultado na Igreja da Natividade. Sua teologia, centrada na autoridade das Escrituras e na ascese como caminho para Deus, evitava especulações dogmáticas, focando na exegese e na santidade. Como patrono dos tradutores, seu dia, 30 de setembro, é celebrado mundialmente. Apesar de polêmicas, sua erudição e espiritualidade fizeram dele um pilar da Igreja, cuja obra exalta a Palavra divina como luz para a humanidade.