08.abril.25
Você me ama?
"Você me ama?" (João 21. 16).
A pergunta que intitula este texto foi dirigida por Cristo ao apóstolo Pedro. Não poderia ser feita uma pergunta mais importante. Já se passaram mil e novecentos anos desde que essas palavras foram proferidas. Mas, até hoje, essa indagação é extremamente profunda e útil.
A disposição para amar alguém é um dos sentimentos mais comuns que Deus implantou na natureza humana. Muito frequentemente, infelizmente, as pessoas dedicam seu afeto a objetos indignos. Quero hoje reivindicar um lugar para Aquele que é o único digno dos melhores sentimentos do nosso coração. Quero que os homens dediquem parte de seu amor àquele Ser Divino que nos amou e se entregou por nós. Em todo o seu amor, gostaria que não se esquecessem de AMAR A CRISTO.
Permitam-me insistir para que cada leitor deste texto preste atenção a esse grande tema. Não se trata de algo restrito a entusiastas e fanáticos. Esse assunto merece a consideração de todo cristão sensato que acredita na Bíblia. A nossa própria salvação está ligada a isso. Vida ou morte, céu ou inferno, dependem da nossa capacidade de responder à simples pergunta: "Você ama a Cristo?"
Há dois pontos que desejo apresentar ao tratar deste tema.
Em primeiro lugar, quero mostrar o sentimento peculiar de um verdadeiro cristão em relação a Cristo — ele O ama.
Um verdadeiro cristão não é apenas um homem ou uma mulher batizados. Ele é algo mais. Não é uma pessoa que apenas frequenta uma igreja ou capela aos domingos, como uma formalidade, e vive todo o resto da semana como se Deus não existisse. Formalismo não é cristianismo. Adoração ignorante, apenas com os lábios, não é verdadeira religião. A Escritura fala expressamente: "Nem todos os que são de Israel são israelitas" (Romanos 9. 6). A lição prática dessas palavras é clara e evidente. Nem todos os que são membros da Igreja visível de Cristo são verdadeiros cristãos.
O verdadeiro cristão é aquele cuja religião está em seu coração e em sua vida. Ele a sente dentro de si mesmo, no seu íntimo. Ela é visível para os outros em sua conduta e maneira de viver. Ele sente sua pecaminosidade, culpa e corrupção, e se arrepende. Ele vê Jesus Cristo como o Salvador Divino de que sua alma necessita e entrega-se a Ele. Ele renuncia ao velho homem, com seus hábitos corruptos e carnais, e reveste-se do novo homem. Ele vive uma vida nova e santa, lutando habitualmente contra o mundo, a carne e o diabo. Cristo mesmo é a pedra angular de sua fé cristã. Se você lhe perguntar em que ele confia para o perdão dos seus muitos pecados, ele lhe responderá: na morte de Cristo. Se lhe perguntar em que justiça ele espera estar inocente no dia do juízo, ele lhe dirá: na justiça de Cristo. Se lhe perguntar qual modelo ele procura seguir em sua vida, ele lhe dirá: o exemplo de Cristo.
Mas, além de tudo isso, há algo num verdadeiro cristão que é particularmente característico dele. Esse algo é o amor por Cristo. Conhecimento, fé, esperança, reverência, obediência — todas essas são marcas visíveis no caráter de um verdadeiro cristão. Mas seu retrato ficaria muito incompleto se omitíssemos seu "amor" pelo Divino Mestre. Ele não apenas conhece, confia e obedece. Ele vai além disso — ele ama.
Essa marca peculiar do verdadeiro cristão é mencionada várias vezes na Bíblia. "Fé em nosso Senhor Jesus Cristo" é uma expressão com a qual muitos cristãos estão familiarizados. Mas nunca devemos esquecer que o amor é mencionado pelo Espírito Santo em termos quase tão fortes quanto a fé. Tão grande quanto é o perigo daquele "que não crê", igualmente grande é o perigo daquele que "não ama". Tanto não crer quanto não amar são caminhos que conduzem à ruína eterna.
Ouça o que São Paulo diz aos coríntios: "Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo, seja anátema. Maranata" (1 Coríntios 16. 22). São Paulo não concede nenhuma escapatória ao homem que não ama a Cristo. Ele não lhe deixa brechas nem desculpas. Um homem pode carecer de conhecimento claro e, mesmo assim, ser salvo. Ele pode falhar em coragem e ser vencido pelo temor dos homens, como Pedro. Ele pode cair tremendamente, como Davi, e ainda assim se levantar novamente. Mas, se um homem não ama a Cristo, ele não está no caminho da vida. A maldição ainda está sobre ele. Ele está na estrada larga que conduz à destruição.
Ouça o que São Paulo diz aos efésios: “A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo em sinceridade” (Efésios 6. 24). O apóstolo aqui envia seus bons desejos e declara sua boa vontade a todos os verdadeiros cristãos. Muitos deles, sem dúvida, ele nunca tinha visto. Muitos deles, nas igrejas primitivas, podemos ter certeza, eram fracos na fé, no conhecimento e na abnegação. Como, então, ele os descreveria ao enviar sua mensagem? Que palavras poderia usar que não desencorajassem os irmãos mais fracos? Ele escolhe uma expressão abrangente que descreve exatamente todos os verdadeiros cristãos sob um nome comum. Nem todos haviam alcançado o mesmo grau, seja em doutrina ou prática. Mas todos amavam a Cristo em sinceridade.
Ouça o que nosso Senhor Jesus Cristo mesmo diz aos judeus: “Se Deus fosse vosso Pai, certamente me amaríeis” (João 8. 42). Ele via seus inimigos iludidos satisfeitos com sua condição espiritual, baseados apenas no único argumento de que eram filhos de Abraão. Ele os via, como muitos cristãos ignorantes de nossos dias, reivindicando ser filhos de Deus por nenhuma outra razão além desta: que eram circuncidados e pertenciam à igreja judaica. Ele estabelece o princípio amplo de que nenhum homem é filho de Deus se não amar o Filho unigênito de Deus. Nenhum homem tem o direito de chamar Deus de “Pai” se não amar a Cristo. Quão bom seria para muitos cristãos se lembrassem que esse grande princípio se aplica a eles tanto quanto aos judeus. Sem amor a Cristo — então, sem filiação a Deus!
Ouça ainda mais uma vez o que nosso Senhor Jesus Cristo disse ao apóstolo Pedro depois de ressuscitar dentre os mortos. Três vezes Ele lhe fez a pergunta: “Simão, filho de Jonas, amas-me?” (João 21. 15-17). A ocasião foi notável. Ele queria lembrar gentilmente Seu discípulo errante de sua queda repetida três vezes. Desejava extrair dele uma nova confissão de fé antes de restaurá-lo publicamente à sua missão de apascentar a Igreja. E qual foi a pergunta que Lhe fez? Ele poderia ter dito: “Crês? Estás convertido? Estás pronto para me confessar? Obedecer-me-ás?” Não usa nenhuma dessas expressões. Simplesmente diz: “Amas-me?” Este é o ponto que Ele quer que saibamos sobre o qual a fé cristã de um homem se apoia. Simples como a pergunta pode soar, ela é profundamente investigativa. Clara e fácil de ser compreendida pelo mais humilde dos pobres, contém uma matéria que testa a realidade do mais avançado apóstolo. Se um homem ama verdadeiramente a Cristo, tudo está certo — se não, tudo está errado.
Gostaria de saber o segredo desse sentimento peculiar por Cristo que distingue o verdadeiro cristão? Você o encontra nas palavras de São João: “Nós o amamos porque ele nos amou primeiro” (1 João 4. 19). Esse texto, sem dúvida, aplica-se especialmente a Deus Pai. Mas não é menos verdadeiro a respeito de Deus Filho.
Um verdadeiro cristão ama Cristo por tudo o que Ele fez por ele. Ele sofreu em seu lugar e morreu por ele na cruz. Redimiu-o da culpa, do poder e das consequências do pecado, com Seu sangue. Chamou-o, por Seu Espírito, ao autoconhecimento, ao arrependimento, à fé, à esperança e à santidade. Perdoou todos os seus muitos pecados e os apagou. Libertou-o da escravidão do mundo, da carne e do diabo. Retirou-o da beira do inferno, colocou-o no caminho estreito e voltou seu rosto para o céu. Deu-lhe luz em lugar de trevas, paz de consciência em vez de inquietação, esperança em vez de incerteza, vida em vez de morte. Você pode se admirar que o verdadeiro cristão ame a Cristo?
E ele O ama, além disso, por tudo o que Ele ainda está fazendo. Ele sente que diariamente Cristo está lavando suas muitas falhas e fraquezas, e intercedendo por sua alma diante de Deus. Está suprindo diariamente todas as necessidades de sua alma e providenciando para ele uma provisão contínua de misericórdia e graça. Está guiando-o diariamente, por Seu Espírito, a uma cidade de habitação, suportando-o quando é fraco e ignorante, levantando-o quando tropeça e cai, protegendo-o contra seus muitos inimigos, preparando para ele um lar eterno no céu. Você pode se admirar que o verdadeiro cristão ame a Cristo?
O devedor na prisão ama o amigo que inesperadamente e sem merecimento paga todas as suas dívidas, fornece-lhe novo capital e o toma como sócio? O prisioneiro de guerra ama o homem que, arriscando a própria vida, rompe as linhas inimigas, o resgata e o põe em liberdade? O marinheiro que se afoga ama o homem que mergulha no mar, o alcança pelo cabelo da cabeça e, com um esforço tremendo, o salva da sepultura aquática? Uma simples criança pode responder perguntas como estas. Da mesma maneira e pelos mesmos princípios, um verdadeiro cristão ama Jesus Cristo.
(a) Esse amor a Cristo é o companheiro inseparável da fé salvadora. Uma fé de demônios, uma fé meramente intelectual, um homem pode ter sem amor, mas não aquela fé que salva. O amor não pode usurpar a função da fé. Não pode justificar. Não une a alma a Cristo. Não pode trazer paz à consciência. Mas onde há verdadeira fé justificadora em Cristo, sempre haverá amor sincero a Cristo. Aquele que é realmente perdoado é o homem que realmente amará. (Lucas 7. 47). Se um homem não tem amor por Cristo, pode ter certeza de que não tem fé.
(b) O amor a Cristo é a mola propulsora do trabalho para Cristo. Pouco é feito pela Sua causa na terra apenas por senso de dever ou por conhecimento do que é certo e apropriado. O coração precisa estar interessado antes que as mãos se movam e continuem se movendo. A excitação pode galvanizar as mãos do cristão em uma atividade intermitente e espasmódica. Mas não haverá perseverança paciente em fazer o bem, nem trabalho incansável em missões, seja em casa ou no exterior, sem amor. A enfermeira em um hospital pode cumprir seu dever de forma adequada e correta, pode dar o remédio ao doente na hora certa, pode alimentá-lo, servi-lo e atender a todas as suas necessidades. Mas há uma enorme diferença entre essa enfermeira e uma esposa cuidando do leito de enfermidade de um marido amado, ou uma mãe velando um filho moribundo. Uma age por senso de dever — a outra age por afeto e amor. Uma faz seu trabalho porque é paga para isso — a outra é o que é por causa do coração. É exatamente o mesmo no serviço de Cristo. Os grandes trabalhadores da Igreja — os homens que lideraram missões quase impossíveis e viraram o mundo de cabeça para baixo — foram todos eminentemente amantes de Cristo.
Examine os caracteres de Owen e Baxter, de Rutherford e George Herbert, de Leighton e Hervey, de Whitfield e Wesley, de Henry Martyn e Judson, de Bickersteth e Simeon, de Hewitson e M’Cheyne, de Stowell e M’Neile. Esses homens deixaram uma marca no mundo. E qual foi a característica comum de seus caracteres? Todos amavam Cristo. Eles não apenas sustentavam um credo. Eles amavam uma Pessoa, o próprio Senhor Jesus Cristo.
(c) O amor a Cristo é o ponto que devemos especialmente enfatizar ao ensinar religião às crianças. Eleição, justiça imputada, pecado original, justificação, santificação, e até mesmo a fé, são assuntos que às vezes confundem uma criança de tenra idade. Mas o amor a Jesus parece estar muito mais ao alcance de sua compreensão. Saber que Ele os amou até a morte e que eles devem amá-Lo em retribuição é um credo que alcança a capacidade de seus pensamentos. Quão verdadeiro é que “da boca das crianças e dos que mamam tiraste o perfeito louvor” (Mateus 21. 16)! Há miríades de cristãos que conhecem cada artigo dos Credos Atanasiano, Niceno e Apostólico, e ainda assim sabem menos sobre o verdadeiro cristianismo do que uma pequena criança que apenas sabe que ama Cristo.
(d) O amor a Cristo é o ponto comum de encontro dos crentes de todos os ramos da Igreja de Cristo na terra. Quer sejam episcopais ou presbiterianos, batistas ou independentes, calvinistas ou arminianos, metodistas ou morávios, luteranos ou reformados, estabelecidos ou livres — aqui, pelo menos, eles estão de acordo. Sobre formas e cerimônias, sobre governo e modos de culto da Igreja, eles frequentemente diferem amplamente. Mas em um ponto, pelo menos, eles são unidos. Todos têm um sentimento comum em relação Àquele sobre quem edificam sua esperança de salvação. Eles “amam o Senhor Jesus Cristo em sinceridade” (Efésios 6. 24). Muitos deles, talvez, sejam ignorantes em teologia sistemática e poderiam argumentar fracamente em defesa de seu credo. Mas todos sabem o que sentem por Aquele que morreu por seus pecados. — “Eu não posso falar muito sobre Cristo, senhor,” disse uma velha cristã sem instrução ao Dr. Chalmers; “mas se não posso falar por Ele, eu poderia morrer por Ele!”
(e) O amor a Cristo será a marca distintiva de todas as almas salvas no céu. A multidão que ninguém pode contar será de uma só mente. As velhas diferenças serão fundidas em um sentimento comum. As velhas peculiaridades doutrinárias, tão ferozmente debatidas na terra, serão encobertas por um senso comum de dívida para com Cristo. Lutero e Zuinglio não mais disputarão. Wesley e Toplady não mais perderão tempo em controvérsias. Eclesiásticos e dissidentes não mais se morderão e devorarão uns aos outros. Todos se encontrarão unindo-se com um só coração e voz naquele hino de louvor, “Àquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai; a Ele seja glória e poder para todo o sempre. Amém” (Apocalipse 1. 5-6).
As palavras que John Bunyan coloca na boca do Sr. Standfast enquanto ele estava no rio da morte são muito belas. Ele disse: “Este rio tem sido um terror para muitos; sim, o pensamento dele também frequentemente me amedrontou. Mas agora me parece que estou tranquilo: meu pé está firme sobre aquilo em que os sacerdotes que levavam a arca se firmaram enquanto Israel atravessava o Jordão. As águas, de fato, são amargas ao paladar e frias ao estômago; contudo, os pensamentos do que estou prestes a encontrar, e da escolta que me aguarda do outro lado, aquecem meu coração como uma brasa ardente. Vejo-me agora no fim da minha jornada; meus dias de labuta chegaram ao fim. Estou indo ver aquela Cabeça que foi coroada com espinhos, e aquele Rosto que foi cuspido por minha causa. Antes, vivi pela audição e pela fé, mas agora vou para onde viverei pela visão, e estarei com Aquele em cuja companhia me deleito. Amei ouvir falar do meu Senhor; e onde quer que eu tenha visto a marca de Seu pé na terra, desejei ali também colocar o meu. Seu nome foi para mim como uma caixa de almíscar; sim, mais doce do que todos os perfumes! Sua voz para mim foi sobremodo doce; e Seu semblante desejei mais do que aqueles que anseiam pela luz do sol!” Felizes são aqueles que conhecem algo dessa experiência! Aquele que deseja estar em sintonia para o céu precisa conhecer algo do amor a Cristo. Aquele que morre ignorando esse amor teria sido melhor que nunca tivesse nascido.
II. Deixe-me mostrar, em segundo lugar, as marcas peculiares pelas quais o amor a Cristo se manifesta.
O assunto é de vastíssima importância. Se não há salvação sem amor a Cristo — se aquele que não ama Cristo está em perigo de condenação eterna —, então nos convém descobrir muito distintamente o que sabemos sobre este assunto. Cristo está no céu, e nós estamos na terra. De que maneira será reconhecido o homem que O ama?
Felizmente, esta questão não é muito difícil de resolver. Como sabemos se amamos alguma pessoa aqui na terra? De que modo e maneira o amor se manifesta entre as pessoas neste mundo — entre marido e mulher — entre pais e filhos — entre irmãos — entre amigos? Que estas perguntas sejam respondidas pelo bom senso e pela observação, e não peço mais. Que sejam honestamente respondidas, e o nó diante de nós será desfeito. Como o afeto se manifesta entre nós?
(a) Se amamos uma pessoa, gostamos de pensar nela. Não precisamos ser lembrados dela. Não esquecemos seu nome, nem sua aparência, nem seu caráter, nem suas opiniões, nem seus gostos, nem sua posição, nem sua ocupação. Ela surge diante dos olhos da nossa mente muitas vezes ao dia. Ainda que talvez esteja distante, frequentemente está presente em nossos pensamentos. Bem, é exatamente assim entre o verdadeiro cristão e Cristo! Cristo “habita em seu coração” e é lembrado mais ou menos todos os dias (Efésios 3. 17). O verdadeiro cristão não precisa ser lembrado de que tem um Mestre crucificado. Ele pensa frequentemente n'Ele. Nunca esquece que Ele tem um dia, uma causa e um povo, e que entre esse povo ele está incluído. O afeto é o verdadeiro segredo de uma boa memória na religião. Nenhum homem mundano pode pensar muito em Cristo, a menos que Cristo lhe seja constantemente trazido à memória, porque ele não tem afeto por Ele. O verdadeiro cristão pensa em Cristo todos os dias em que vive, por uma razão muito simples: ele O ama.
(b) Se amamos uma pessoa, gostamos de ouvi-la mencionada. Sentimos prazer em ouvir aqueles que falam dela. Interessamo-nos por qualquer relato que outros façam a seu respeito. Estamos atentos quando outros falam dela e descrevem seus modos, suas palavras, seus feitos e seus planos. Alguns podem ouvir seu nome com total indiferença, mas nossos corações saltam dentro de nós ao mero som de seu nome. Bem, é exatamente assim entre o verdadeiro cristão e Cristo! O verdadeiro cristão se deleita em ouvir algo sobre seu Mestre. Ele gosta mais daqueles sermões que são cheios de Cristo. Ele aprecia mais aquela sociedade em que as pessoas falam das coisas que pertencem a Cristo. Li sobre uma velha crente galesa que costumava caminhar vários quilômetros todo domingo para ouvir um clérigo inglês pregar, embora não entendesse uma palavra de inglês. Perguntaram-lhe por que fazia isso. Ela respondeu que aquele clérigo mencionava o nome de Cristo tantas vezes em seus sermões que isso lhe fazia bem. Ela amava até mesmo o nome de seu Salvador.
(c) Se amamos uma pessoa, gostamos de ler sobre ela. Que prazer intenso uma carta de um marido ausente proporciona a uma esposa, ou uma carta de um filho ausente à sua mãe. Outros podem ver pouco de interessante na carta. Mal conseguem se dar ao trabalho de lê-la até o fim. Mas aqueles que amam o escritor veem algo na carta que mais ninguém vê. Eles a carregam consigo como um tesouro. Leem-na repetidas vezes. Pois bem, assim é entre o verdadeiro cristão e Cristo! O verdadeiro cristão se deleita em ler as Escrituras, porque elas lhe falam sobre seu amado Salvador. Não é para ele uma tarefa cansativa lê-las. Raramente precisa ser lembrado de levar sua Bíblia consigo ao viajar. Ele não pode ser feliz sem ela. E por que tudo isso? Porque as Escrituras testificam d’Aquele que sua alma ama, o próprio Cristo.
(d) Se amamos uma pessoa, gostamos de agradá-la. Ficamos felizes em consultar seus gostos e opiniões, agir segundo seus conselhos e fazer aquilo que ela aprova. Até mesmo negamos a nós mesmos para atender seus desejos, abstendo-nos de coisas que sabemos que ela não gosta, e aprendendo a fazer coisas às quais não somos naturalmente inclinados, porque achamos que isso lhe dará prazer. Pois bem, assim é entre o verdadeiro cristão e Cristo! O verdadeiro cristão se empenha em agradá-Lo, sendo santo tanto no corpo quanto no espírito. Mostre-lhe qualquer coisa em sua prática diária que Cristo odeia, e ele a abandonará. Mostre-lhe qualquer coisa em que Cristo se deleita, e ele a seguirá. Ele não murmura contra os requisitos de Cristo como sendo demasiadamente rigorosos e severos, como fazem os filhos do mundo. Para ele, os mandamentos de Cristo não são penosos, e o fardo de Cristo é leve. E por que tudo isso? Simplesmente porque ele O ama.
(e) Se amamos uma pessoa, gostamos dos seus amigos. Sentimos simpatia por eles, mesmo antes de conhecê-los. Somos atraídos a eles pelo vínculo comum do amor a uma mesma pessoa. Quando os encontramos, não sentimos que somos totalmente estranhos. Há entre nós um laço de união. Eles amam a pessoa que nós amamos, e isso por si só é uma apresentação. Pois bem, assim é entre o verdadeiro cristão e Cristo! O verdadeiro cristão considera todos os amigos de Cristo como seus amigos, membros do mesmo corpo, filhos da mesma família, soldados do mesmo exército, viajantes para o mesmo lar. Quando os encontra, sente como se já os conhecesse há muito tempo. Em poucos minutos, sente-se mais à vontade com eles do que com muitas pessoas mundanas após anos de convivência. E qual é o segredo de tudo isso? É simplesmente o afeto ao mesmo Salvador e o amor ao mesmo Senhor.
(f) Se amamos uma pessoa, somos zelosos por seu nome e honra. Não gostamos de ouvi-la ser difamada sem defendê-la e tomar sua causa. Sentimo-nos obrigados a manter seus interesses e sua reputação. Consideramos quem a trata mal com quase a mesma aversão como se tivesse nos tratado mal. Pois bem, assim é entre o verdadeiro cristão e Cristo. O verdadeiro cristão tem um zelo piedoso por todo esforço que visa depreciar a palavra, o nome, a Igreja ou o dia de seu Mestre. Ele O confessará diante de príncipes, se necessário, e será sensível ao menor desonra que Lhe seja feita. Não ficará em silêncio nem permitirá que a causa de seu Mestre seja envergonhada sem dar testemunho contra isso. E por que tudo isso? Simplesmente porque ele O ama.
(g) Se amamos uma pessoa, gostamos de conversar com ela. Contamos todos os nossos pensamentos e derramamos todo o nosso coração. Não encontramos dificuldade em descobrir assuntos de conversa. Por mais calados e reservados que sejamos com outros, achamos fácil conversar com um amigo muito amado. Por mais frequente que seja o encontro, nunca nos falta assunto. Sempre temos muito a dizer, muito a perguntar, muito a descrever, muito a comunicar. Pois bem, assim é entre o verdadeiro cristão e Cristo! O verdadeiro cristão não encontra dificuldade em falar com seu Salvador. Todos os dias ele tem algo a lhe contar, e não fica feliz enquanto não o faz. Fala com Ele em oração todas as manhãs e todas as noites. Conta-Lhe seus desejos e necessidades, seus sentimentos e temores. Pede-Lhe conselho na dificuldade. Pede-Lhe consolo na tribulação. Não consegue evitar. Precisa conversar continuamente com seu Salvador, ou desfaleceria no caminho. E por que isso? Simplesmente porque ele O ama.
(h) Finalmente, se amamos uma pessoa, gostamos de estar sempre com ela. Pensar, ouvir, ler e ocasionalmente conversar são boas coisas, cada uma a seu tempo. Mas, quando realmente amamos, queremos algo mais. Desejamos estar sempre em sua companhia. Queremos conviver continuamente e ter comunhão sem interrupções ou despedidas. Pois bem, assim é entre o verdadeiro cristão e Cristo. O coração de um verdadeiro cristão anseia pelo dia abençoado em que verá seu Mestre face a face e nunca mais se separará d’Ele. Anseia terminar com o pecar, o arrepender-se e o crer, e começar aquela vida eterna em que verá como foi visto, e não pecará mais. Ele achou doce viver pela fé, e sente que será ainda mais doce viver pela visão. Achou agradável ouvir falar de Cristo, conversar sobre Cristo e ler sobre Cristo. Quão mais agradável será ver Cristo com seus próprios olhos e nunca mais afastar-se d’Ele! "Melhor é a vista dos olhos do que o vaguear do desejo" (Eclesiastes 6. 9). E por que tudo isso? Simplesmente porque ele O ama.
Tais são as marcas pelas quais o verdadeiro amor pode ser descoberto. Elas são todas claras, simples e fáceis de entender. Não há nada de obscuro, abstruso ou misterioso nelas. Use-as com honestidade e trate-as com justiça, e você não poderá deixar de obter alguma luz sobre o assunto deste texto.
Talvez você tenha tido um filho amado no exército durante uma grande guerra. Talvez ele tenha estado ativamente envolvido nessa guerra, bem no meio da luta. Você não se lembra de quão fortes, profundas e ansiosas eram suas emoções em relação a esse filho? — Isso era amor!
Talvez você tenha conhecido o que é ter um marido amado na marinha, frequentemente chamado pelo dever para longe de casa, separado de você por muitos meses ou até anos. Você não se recorda dos sentimentos de tristeza nesse tempo de separação? — Isso era amor!
Talvez você tenha neste momento um irmão amado em Londres, lançado pela primeira vez no meio das tentações de uma grande cidade, para fazer seu caminho nos negócios. Como ele se sairá? Como ele conseguirá progredir? Você o verá novamente? Você não sabe que frequentemente pensa nesse irmão? — Isso é afeto!
Talvez você esteja noivo de uma pessoa que é, em todos os aspectos, adequada para você. Mas a prudência torna necessário adiar o casamento para um período distante, e o dever faz com que você esteja separado daquele a quem prometeu fazer sua esposa. Você não deve confessar que ela está frequentemente em seus pensamentos? — Não deve confessar que gosta de ouvir notícias dela e receber suas cartas, e que anseia por vê-la? — Isso é afeto!
Falo de coisas que são familiares a todos. Não preciso me alongar mais nelas. São tão antigas quanto as colinas. São compreendidas em todo o mundo. Raramente há um ramo da família de Adão que não saiba algo sobre afeto e amor. Então, que nunca se diga que não podemos descobrir se um cristão realmente ama a Cristo. Isso pode ser conhecido; pode ser descoberto; as provas estão todas à sua disposição. Você as ouviu neste mesmo dia. O amor ao Senhor Jesus Cristo não é uma coisa escondida, secreta e intangível. É como a luz — será visto. É como o som — será ouvido. É como o calor — será sentido. Onde existe, não pode ser ocultado. Onde não pode ser visto, pode-se ter certeza de que não existe.
É hora de concluir este texto. Mas não posso terminar sem fazer um esforço para levar seu assunto à consciência individual de cada um em cujas mãos ele tenha caído. Faço isso com todo amor e afeto. O desejo do meu coração e a minha oração a Deus, ao escrever este texto, é fazer bem às almas.
Permita-me perguntar-lhe, antes de mais nada, que encare a questão que Cristo fez a Pedro e tente respondê-la por si mesmo. Encare-a seriamente. Examine-a cuidadosamente. Pese-a bem. Depois de ler tudo o que eu disse sobre isso, você pode honestamente dizer que ama a Cristo?
Não é resposta dizer-me que você acredita na verdade do cristianismo e aceita os artigos da fé cristã. Uma religião como essa nunca salvará sua alma. Os demônios creem de certa forma e tremem" (Tiago 2. 19). O verdadeiro cristianismo salvador não é apenas crer em um certo conjunto de opiniões e sustentar um certo conjunto de ideias. Sua essência é conhecer, confiar e amar uma certa Pessoa viva que morreu por nós — o próprio Cristo, o Senhor. Os primeiros cristãos, como Febe, Pérsida, Trifena, Trifosa, Gaio e Filemom, provavelmente conheciam pouco de teologia dogmática. Mas todos tinham essa grande característica em sua religião: amavam a Cristo.
Não é resposta dizer-me que você desaprova uma religião de sentimentos. Se com isso você quer dizer que não gosta de uma religião que consiste apenas em sentimentos, concordo inteiramente com você. Mas se você quer excluir completamente os sentimentos, então pouco conhece do Cristianismo. A Bíblia nos ensina claramente que um homem pode ter bons sentimentos sem possuir verdadeira religião. Mas ensina com igual clareza que não pode haver verdadeira religião sem algum sentimento para com Cristo.
É inútil esconder que, se você não ama Cristo, sua alma está em grande perigo. Você não pode ter fé salvadora enquanto vive. Você está inapto para o céu se morrer. Aquele que vive sem amor a Cristo não pode sentir nenhuma obrigação para com Ele. Aquele que morre sem amor a Cristo nunca poderia ser feliz naquele céu onde Cristo é tudo, e em todos. Desperte para conhecer o perigo da sua posição. Abra seus olhos. Considere seus caminhos e seja sábio. Só posso adverti-lo como amigo. Mas faço isso com todo o meu coração e alma. Que Deus conceda que esta advertência não seja em vão!
Em seguida, se você não ama Cristo, permita-me dizer-lhe claramente qual é a razão. Você não tem senso de dívida para com Ele. Você não sente obrigação para com Ele. Você não tem lembrança constante de ter recebido algo d’Ele. Sendo este o caso, não é provável, nem razoável, que você O ame.
Há apenas um remédio para este estado de coisas. Esse remédio é o autoconhecimento e o ensino do Espírito Santo. Os olhos do seu entendimento precisam ser abertos. Você deve descobrir o que é por natureza. Deve descobrir aquele grande segredo, sua culpa e vazio diante de Deus.
Talvez você nunca leia a sua Bíblia, ou apenas leia ocasionalmente um capítulo, como mera formalidade, sem interesse, entendimento ou aplicação pessoal. Aceite o meu conselho neste dia e mude seu plano. Comece a ler a Bíblia como alguém que está verdadeiramente empenhado, e não descanse até que se familiarize com ela. Leia o que a lei de Deus exige, conforme exposto pelo Senhor Jesus no capítulo 5 de Mateus. Leia como Paulo descreve a natureza humana nos dois primeiros capítulos de sua Epístola aos Romanos. Estude passagens como essas com oração pedindo o ensino do Espírito, e então diga se você não é um devedor para com Deus e um devedor que precisa urgentemente de um Amigo como Cristo.
Talvez você seja alguém que nunca conheceu nada da oração real, sincera e diligente. Você tem considerado a religião como um assunto de igrejas, capelas, formas, cultos e domingos, mas não como algo que requer a atenção séria e sincera do homem interior. Aceite o meu conselho neste dia e mude seu plano. Comece o hábito de suplicar de verdade a Deus por sua alma. Peça-Lhe luz, ensino e autoconhecimento. Suplique a Ele que lhe mostre tudo o que você precisa saber para a salvação da sua alma. Faça isso com todo o seu coração e mente, e não tenho dúvida de que em pouco tempo você sentirá sua necessidade de Cristo.
O conselho que ofereço pode parecer simples e antiquado. Não o despreze por isso. É o bom e velho caminho no qual milhões já andaram e encontraram paz para suas almas. Não amar a Cristo é estar em perigo iminente de ruína eterna. Ver sua necessidade de Cristo e sua imensa dívida para com Cristo é o primeiro passo para amá-Lo. Conhecer a si mesmo e descobrir sua real condição diante de Deus é o único meio de ver sua necessidade. Examinar o Livro de Deus e pedir luz a Deus em oração é o caminho certo para alcançar o conhecimento que salva. Não se considere acima de aceitar o conselho que ofereço. Aceite-o e seja salvo.
Por fim, se você realmente conhece algo do amor por Cristo, aceite duas palavras finais de conforto e conselho. Que o Senhor conceda que elas lhe façam bem.
Em primeiro lugar, se você ama a Cristo de fato e de verdade, alegre-se ao pensar que possui uma boa evidência sobre o estado da sua alma. O amor, digo-lhe neste dia, é uma evidência da graça.
Ainda que você, às vezes, se veja perplexo com dúvidas e temores; ainda que ache difícil afirmar se sua fé é genuína e sua graça real; ainda que seus olhos, muitas vezes, estejam tão embaciados de lágrimas que não consiga ver claramente sua vocação e eleição de Deus — ainda assim há motivo para esperança e forte consolação, se seu coração pode testificar que você ama a Cristo. Onde há verdadeiro amor, há fé e graça. Você não O amaria se Ele não tivesse feito algo por você. Seu próprio amor é um sinal para o bem.
Em segundo lugar, se você ama a Cristo, nunca tenha vergonha de deixar que outros vejam e saibam disso. Fale por Ele. Testemunhe d’Ele. Viva por Ele. Trabalhe por Ele. Se Ele o amou e o lavou dos seus pecados em Seu próprio sangue, você nunca precisará se envergonhar de deixar os outros saberem que sente isso e que O ama em retribuição.
"Homem", disse um viajante inglês descuidado e ímpio a um convertido indígena norte-americano, "homem, qual é a razão de você fazer tanto caso de Cristo e falar tanto d’Ele? O que este Cristo fez por você, para que você faça tanto alvoroço a respeito d’Ele?".
O indígena convertido não respondeu com palavras. Reuniu algumas folhas secas e musgo e formou um círculo com elas no chão. Pegou uma minhoca viva e a colocou no meio do círculo. Acendeu um fogo e ateou o musgo e as folhas. As chamas logo se ergueram e o calor começou a queimar a minhoca. Ela se contorceu em agonia e, depois de tentar em vão escapar para todos os lados, encolheu-se no meio, como se fosse morrer em desespero. Nesse momento, o indígena estendeu a mão, pegou a minhoca gentilmente e a colocou em seu peito. "Estrangeiro", disse ele ao inglês, "você vê essa minhoca? Eu era aquela criatura perecendo. Eu estava morrendo em meus pecados, sem esperança, sem ajuda, à beira do fogo eterno. Foi Jesus Cristo quem estendeu o braço de Seu poder. Foi Jesus Cristo quem me libertou com a mão de Sua graça e me arrancou das chamas eternas. Foi Jesus Cristo quem me colocou, um pobre verme pecador, junto ao coração de Seu amor. Estrangeiro, essa é a razão pela qual falo de Jesus Cristo e faço tanto caso d’Ele. Não me envergonho disso, porque O amo".
Se conhecemos algo do amor por Cristo, que tenhamos o mesmo espírito desse indígena norte-americano! Que nunca pensemos que podemos amar a Cristo demais, viver para Ele de forma exagerada, confessá-Lo de maneira excessiva, dedicar-nos a Ele com intensidade excessiva! De todas as coisas que nos surpreenderão na manhã da ressurreição, creio que esta será a maior surpresa: que não amamos mais a Cristo enquanto vivíamos.
~
J. C. Ryle
Holiness.