Matthew Henry (1662-1714) nasceu em 1662, na região de fronteira entre Flintshire e Shropshire, no seio de uma família profundamente moldada pelos dilemas religiosos da Inglaterra do século XVII. Seu pai, Philip Henry, fora expulso do ministério da Igreja Anglicana devido ao Ato de Uniformidade de 1662, o que marcou a infância de Matthew com os valores e desafios do não-conformismo religioso. Ainda criança, foi atormentado por enfermidades frequentes, mas demonstrou desde cedo uma mente aguçada e uma aptidão singular para os estudos. Aos nove anos já dominava o latim e lia partes do Novo Testamento em grego. Sob a orientação de seu pai e de tutores como William Turner, teve acesso a uma formação clássica sólida e cristã, que unia erudição à piedade.
Embora tenha iniciado estudos jurídicos em Londres, no Gray's Inn, a vocação pastoral logo falou mais alto. Abandonou o direito para dedicar-se inteiramente à teologia e ao ministério cristão. Em 1687, foi ordenado por um grupo de ministros não-conformistas e passou a liderar uma congregação presbiteriana em Chester. Sua atuação pastoral foi marcada por uma espiritualidade fervorosa, uma oratória viva e um compromisso doutrinário firme. Ele não apenas fundou e fez crescer a igreja local, como também viajou por diversas cidades da região, pregando e encorajando outros fiéis.
A vida pessoal de Henry foi entremeada por tragédias familiares. Casou-se duas vezes, e das muitas crianças que teve, várias faleceram ainda na infância. Apesar dessas perdas dolorosas, manteve-se fiel a sua vocação e ao ensino cristão, sendo sustentado por uma fé robusta que o mantinha ativo mesmo quando enfermo. Seu ministério se distinguia pelo estilo expositivo: escolhia passagens bíblicas centrais e construía sermões a partir delas, sempre com a preocupação de torná-las claras, acessíveis e aplicáveis à vida cristã. Seu lema era: “Escolha para o púlpito as verdades mais claras e necessárias, e esforce-se para torná-las ainda mais claras”.
Ao longo de sua vida, Henry manteve uma disciplina intelectual intensa. Era meticuloso na preparação de seus sermões e conferências, escrevendo-os com antecedência, sempre comprometido com a fidelidade ao texto bíblico. Essa dedicação o levou à produção de sua obra mais conhecida: o comentário expositivo das Escrituras, uma empreitada monumental que ele conduziu até pouco antes de sua morte. Dividido em seis volumes, o comentário cobre todo o Antigo Testamento e os Evangelhos com Atos, enquanto as epístolas e o Apocalipse foram concluídos por outros ministros, com base em suas anotações e estilo.
A abordagem teológica de Henry sempre privilegiou a edificação espiritual do leitor. Ele não buscava especulações acadêmicas, mas uma exposição prática e devocional da Palavra de Deus. Nesse sentido, seu comentário tornou-se ferramenta valiosa para pregadores e leigos piedosos. George Whitefield lia sua obra com devoção, chegando a estudá-la ajoelhado; Charles Spurgeon recomendava que todo pastor a lesse integralmente ao menos uma vez. John Wesley, por sua vez, elogiou seu equilíbrio, clareza e profundidade espiritual, considerando-o um modelo de exegese fiel e pastoral.
Entre os temas tratados por Henry, destaca-se sua leitura crítica do papado, presente em sua exposição de 2 Tessalonicenses, onde identifica a figura do anticristo com a estrutura eclesiástica romana. Essa passagem, no entanto, foi redigida por colaboradores após sua morte. Mesmo assim, reflete uma preocupação comum entre os reformados de seu tempo com a fidelidade à doutrina apostólica e a crítica às distorções institucionais do cristianismo.
O estilo de Henry unia precisão doutrinária com uma sensibilidade pastoral refinada. Uma de suas mais célebres frases, sobre a criação de Eva a partir da costela de Adão, ilustra sua visão equilibrada das relações humanas: a mulher foi criada não da cabeça do homem para dominá-lo, nem de seus pés para ser subjugada, mas de seu lado, para andar ao seu lado, ser protegida e amada. Esta imagem, inspirada em Pedro Lombardo, traduz bem sua teologia das relações, fundada na dignidade e parceria.
Nos últimos anos de vida, Henry transferiu-se para Hackney, em Londres, com o intuito de concluir a publicação de seu comentário e servir uma nova congregação. Apesar da saúde debilitada, continuou pregando até o fim. Em junho de 1714, durante uma viagem de pregação, adoeceu subitamente e faleceu em Nantwich, encerrando sua jornada terrena com o mesmo zelo com que a havia vivido: comprometido com a glória de Deus e o serviço ao povo cristão.
A herança de Matthew Henry permanece viva não apenas em seus escritos, mas no exemplo de uma vida inteiramente consagrada à Palavra, à igreja e à edificação do corpo de Cristo. Sua obra continua a inspirar gerações que, como ele, buscam compreender as Escrituras não apenas com a mente, mas com o coração transformado pela graça.