05.abril.25
O governante das ondas.
"E levantou-se grande tempestade de vento, e as ondas batiam no barco, de maneira que já estava cheio.
"E Ele estava na parte de trás do barco, dormindo sobre uma almofada; e despertaram-no e disseram-lhe: Mestre, não se importa que pereçamos?
"E Ele, despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: Paz, aquieta-te. E o vento cessou, e houve grande bonança.
"E disse-lhes: Por que sois assim tão tímidos? Como é que não tendes fé?" (Marcos 4. 37-40).
Seria bom se os cristãos professos dos dias modernos estudassem mais os quatro Evangelhos do que fazem. Sem dúvida, toda a Escritura é proveitosa. Não é sábio exaltar uma parte da Bíblia em detrimento de outra. Mas penso que seria bom para alguns, que são muito familiarizados com as Epístolas, se conhecessem um pouco mais sobre Mateus, Marcos, Lucas e João.
Agora, por que digo isso? Digo porque quero que os cristãos professos conheçam mais a Cristo. É bom estar familiarizado com todas as doutrinas e princípios do cristianismo. É melhor estar familiarizado com o próprio Cristo. É bom conhecer bem a fé, a graça, a justificação e a santificação. Todas essas coisas são assuntos "pertencentes ao Rei". Mas é muito melhor conhecer bem o próprio Jesus, ver o rosto do Rei e contemplar a Sua beleza. Esse é um dos segredos da santidade eminente. Aquele que deseja ser conformado à imagem de Cristo, e tornar-se um homem semelhante a Cristo, deve estudar constantemente o próprio Cristo.
Ora, os Evangelhos foram escritos para nos tornar familiarizados com Cristo. O Espírito Santo nos contou a história de Sua vida e morte — Suas palavras e Suas ações — quatro vezes. Quatro mãos diferentes, inspiradas, desenharam o retrato do Salvador. Seus caminhos, Seus modos, Seus sentimentos, Sua sabedoria, Sua graça, Sua paciência, Seu amor, Seu poder, são graciosamente revelados a nós por quatro testemunhas diferentes. Não deveriam as ovelhas ser familiarizadas com o Pastor? Não deveria o paciente ser familiarizado com o Médico? Não deveria a noiva ser familiarizada com o Noivo? Não deveria o pecador ser familiarizado com o Salvador? Sem dúvida deveria ser assim. Os Evangelhos foram escritos para tornar os homens familiarizados com Cristo, e por isso desejo que os homens estudem os Evangelhos.
Sobre quem devemos edificar nossas almas, se quisermos ser aceitos por Deus? Devemos edificar sobre a rocha, Cristo. De quem devemos extrair aquela graça do Espírito que diariamente necessitamos para sermos frutíferos? Devemos extrair da videira, Cristo. Para quem devemos olhar por simpatia, quando os amigos terrenos nos falharem ou morrerem? Devemos olhar para nosso irmão mais velho, Cristo. Por meio de quem nossas orações devem ser apresentadas, se queremos que sejam ouvidas nas alturas? Elas devem ser apresentadas por nosso advogado, Cristo. Com quem esperamos passar os mil anos de glória e a eternidade que se seguirá? Com o Rei dos reis, Cristo. Certamente não podemos conhecer esse Cristo em demasia! Certamente não há uma palavra, nem uma ação, nem um dia, nem um passo, nem um pensamento no registro de Sua vida, que não deva ser precioso para nós. Devemos nos esforçar para ser familiarizados com cada linha escrita sobre Jesus.
Venha agora, e vamos estudar uma página da história do nosso Mestre. Vamos considerar o que podemos aprender dos versículos da Escritura que estão no início deste texto. Ali você vê Jesus atravessando o lago da Galileia, em um barco com Seus discípulos. Você vê uma tempestade repentina surgir enquanto Ele dorme. As ondas batem no barco e o enchem. A morte parece estar próxima. Os discípulos amedrontados acordam o Mestre e clamam por ajuda. Ele se levanta e repreende o vento e as ondas, e imediatamente há bonança. Ele reprova com brandura os temores sem fé de Seus companheiros, e tudo se acalma. Tal é o quadro. É um quadro cheio de profunda instrução. Venha agora, e vamos examinar o que devemos aprender.
I. Vamos aprender, antes de tudo, que seguir a Cristo não nos livrará de tristezas e problemas terrenos.
Aqui estão os discípulos escolhidos do Senhor Jesus em grande ansiedade. O pequeno rebanho fiel, que creu quando sacerdotes, escribas e fariseus estavam igualmente incrédulos, é permitido pelo Pastor ser muito perturbado. O medo da morte invade-os como um homem armado. As águas profundas parecem prestes a cobrir suas almas. Pedro, Tiago e João, os pilares da Igreja que em breve seria plantada no mundo, estão muito aflitos.
Talvez eles não tivessem previsto tudo isso. Talvez esperassem que o serviço a Cristo os elevaria acima do alcance das provações terrenas. Talvez pensassem que Aquele que podia ressuscitar mortos, curar enfermos, alimentar multidões com poucos pães, e expulsar demônios com uma palavra — nunca permitiria que Seus servos sofressem na terra. Talvez supusessem que Ele sempre lhes concederia viagens tranquilas, bom tempo, um caminho fácil, e liberdade de problemas e preocupações.
Se os discípulos pensaram assim, estavam muito enganados. O Senhor Jesus lhes ensinou que um homem pode ser um de Seus servos escolhidos, e ainda assim ter que passar por muitas ansiedades e suportar muitas dores.
É bom compreender isso claramente. É bom entender que o serviço a Cristo nunca garantiu a um homem isenção de todos os males que a carne herda, e nunca garantirá. Se você é um crente, deve contar com a sua parte de doenças e dores, de tristezas e lágrimas, de perdas e provações, de mortes e lutos, de separações e despedidas, de contrariedades e decepções, enquanto estiver neste corpo. Cristo nunca prometeu que você chegaria ao céu sem passar por essas coisas. Ele prometeu que todos que vierem a Ele terão tudo o que diz respeito à vida e à piedade; mas nunca prometeu que os faria prósperos, ou ricos, ou saudáveis, nem que a morte e a tristeza jamais entrariam em suas famílias.
Tenho o privilégio de ser um dos embaixadores de Cristo. Em Seu nome posso oferecer vida eterna a qualquer homem, mulher ou criança que esteja disposto a recebê-la. Em Seu nome ofereço perdão, paz, graça e glória a qualquer filho ou filha de Adão que leia este texto. Mas não me atrevo a oferecer a essa pessoa prosperidade mundana como parte integrante do Evangelho. Não me atrevo a oferecer-lhe vida longa, aumento de renda e ausência de dor. Não me atrevo a prometer ao homem que toma a cruz e segue a Cristo, que nessa jornada jamais enfrentará uma tempestade.
Sei muito bem que muitos não gostam desses termos. Prefeririam ter Cristo e boa saúde — Cristo e muito dinheiro — Cristo e nenhuma morte em sua família — Cristo e nenhuma preocupação desgastante — Cristo e uma manhã perpétua sem nuvens. Mas não gostam de Cristo e a cruz — Cristo e tribulação — Cristo e o conflito — Cristo e o vento uivante — Cristo e a tempestade.
Será esse o pensamento secreto de alguém que está lendo este texto? Creia-me, se for, você está muito enganado. Ouça-me, e tentarei mostrar-lhe que ainda tem muito a aprender.
Como você saberia quem são os verdadeiros cristãos, se seguir a Cristo fosse o caminho para se livrar dos problemas? Como distinguiríamos o trigo da palha, se não fosse pela peneiração da provação? Como saberíamos se os homens servem a Cristo por amor a Ele ou por motivos egoístas, se o serviço a Ele trouxesse automaticamente saúde e riqueza? Os ventos do inverno logo nos mostram quais árvores são sempre-verdes e quais não são. As tempestades de aflição e preocupação são úteis da mesma forma. Elas revelam cuja fé é real, e cuja fé é apenas profissão e aparência.
Como a grande obra da santificação avançaria em um homem se ele não tivesse provações? A tribulação é frequentemente o único fogo que queima as impurezas que se agarram aos nossos corações. A tribulação é a faca de poda que o grande Lavrador usa para nos tornar frutíferos em boas obras. A colheita no campo do Senhor raramente amadurece apenas sob o sol. Ela precisa passar por seus dias de vento, de chuva e de tempestade.
Se você deseja servir a Cristo e ser salvo, peço-lhe que aceite o Senhor em Seus próprios termos. Decida em seu coração que enfrentará sua parte de cruzes e tristezas, e então não será surpreendido. Por não entender isso, muitos parecem correr bem por um tempo, e depois retrocedem decepcionados, e são lançados fora.
Se você professa ser filho de Deus, deixe ao Senhor Jesus a tarefa de santificá-lo do Seu próprio modo. Fique satisfeito, certo de que Ele nunca comete erros. Esteja seguro de que Ele faz todas as coisas bem. Os ventos podem uivar ao seu redor, e as águas podem se levantar. Mas não tema, "Ele o está conduzindo pelo caminho certo, para que o leve a uma cidade habitável" (Salmo 107. 7).
II. Aprendamos, em segundo lugar, que o Senhor Jesus Cristo é verdadeira e realmente Homem.
Há palavras usadas nesta pequena história que, como muitas outras passagens do Evangelho, trazem à tona essa verdade de maneira muito marcante. É-nos dito que, quando as ondas começaram a bater no barco, Jesus estava na parte traseira, "dormindo sobre uma almofada". Ele estava cansado; e quem pode se admirar disso, depois de ler o relato dado no capítulo 4 de Marcos? Depois de trabalhar todo o dia para fazer o bem às almas—depois de pregar ao ar livre para grandes multidões, Jesus estava fatigado. Certamente, se o sono do trabalhador é doce, muito mais doce deve ter sido o sono do nosso bendito Senhor!
Fixemos em nossas mentes essa grande verdade, de que Jesus Cristo foi verdadeiramente Homem. Ele era igual ao Pai em todas as coisas, e o Deus eterno. Mas Ele também era Homem, participou da carne e do sangue, e foi feito semelhante a nós em tudo, exceto no pecado. Ele tinha um corpo como o nosso. Como nós, nasceu de uma mulher. Como nós, cresceu e aumentou em estatura. Como nós, muitas vezes teve fome e sede, cansaço e fadiga. Como nós, comeu e bebeu, descansou e dormiu. Como nós, entristeceu-se, chorou e sentiu. Tudo isso é muito maravilhoso, mas é assim mesmo. Aquele que fez os céus andava para cá e para lá como um pobre e cansado Homem na terra! Aquele que governava sobre principados e potestades nos lugares celestiais, tomou sobre Si um corpo frágil como o nosso. Aquele que poderia ter habitado para sempre na glória que tinha com o Pai, entre os louvores de legiões de anjos, desceu à terra e habitou como Homem entre homens pecadores. Certamente, esse fato por si só é um milagre assombroso de condescendência, graça, piedade e amor.
Encontro uma mina profunda de conforto nesse pensamento, de que Jesus é perfeitamente Homem tanto quanto é perfeitamente Deus. Aquele em quem as Escrituras me dizem para confiar não é apenas um grande Sumo Sacerdote, mas um Sumo Sacerdote que sente. Não é apenas um Salvador poderoso, mas um Salvador que simpatiza. Não é apenas o Filho de Deus, poderoso para salvar, mas o Filho do Homem, capaz de sentir.
Quem não sabe que a simpatia é uma das coisas mais doces que nos restam neste mundo pecaminoso? É um dos momentos mais brilhantes em nossa jornada escura aqui embaixo, quando encontramos alguém que compartilha nossos problemas e nos acompanha em nossas ansiedades—que pode chorar quando choramos, e se alegrar quando nos alegramos.
A simpatia é muito melhor do que o dinheiro, e muito mais rara também. Milhares podem dar, sem saber o que é sentir. A simpatia tem o maior poder de nos atrair e abrir nossos corações. Conselhos corretos e apropriados muitas vezes caem mortos e inúteis sobre um coração pesado. Conselhos frios frequentemente nos fazem fechar, encolher e nos recolher para dentro de nós mesmos, quando oferecidos no dia da angústia. Mas a genuína simpatia em um dia assim despertará todos os nossos melhores sentimentos, se os tivermos, e obterá influência sobre nós quando nada mais conseguir. Dê-me o amigo que, embora pobre em ouro e prata, tenha sempre um coração compassivo.
Nosso Deus conhece tudo isso muito bem. Ele conhece os segredos do coração humano. Ele conhece os caminhos pelos quais esse coração é mais facilmente alcançado, e as fontes pelas quais esse coração é mais prontamente movido. Ele providenciou sabiamente para que o Salvador do Evangelho fosse sensível, assim como poderoso. Ele nos deu alguém que não tem apenas uma mão forte para nos arrancar como tições do fogo, mas um coração compassivo sobre o qual os cansados e sobrecarregados possam encontrar descanso.
Vejo uma prova maravilhosa de amor e sabedoria na união de duas naturezas na pessoa de Cristo. Foi um amor maravilhoso da parte do nosso Salvador condescender a passar por fraqueza e humilhação por nossa causa, rebeldes ímpios que somos. Foi uma sabedoria maravilhosa adaptar-se desta maneira para ser o verdadeiro Amigo dos amigos, que não apenas poderia salvar o homem, mas encontrá-lo em seu próprio terreno. Eu preciso de alguém capaz de realizar todas as coisas necessárias para redimir minha alma. Este Jesus pode fazer, pois Ele é o eterno Filho de Deus. Eu preciso de alguém capaz de entender minha fraqueza e enfermidades, e tratar com gentileza minha alma, enquanto estou preso a um corpo de morte. Isto também Jesus pode fazer, pois Ele era o Filho do homem, e tinha carne e sangue como eu. Se meu Salvador fosse apenas Deus, talvez eu pudesse confiar nEle, mas jamais poderia me aproximar d'Ele sem temor. Se meu Salvador fosse apenas Homem, talvez eu pudesse amá-Lo, mas nunca poderia sentir-me seguro de que Ele fosse capaz de tirar meus pecados. Mas, bendito seja Deus, meu Salvador é Deus tanto quanto Homem, e Homem tanto quanto Deus — Deus, e assim capaz de me livrar — Homem, e assim capaz de sentir comigo. Poder onipotente e profunda simpatia se encontram juntos numa só pessoa gloriosa, Jesus Cristo, meu Senhor. Certamente o crente em Cristo possui uma forte consolação. Ele pode muito bem confiar e não temer.
Se algum leitor deste escrito sabe o que é ir ao trono da graça em busca de misericórdia e perdão, que nunca se esqueça que o Mediador por meio do qual ele se aproxima de Deus é o Homem Cristo Jesus.
O assunto da sua alma está nas mãos de um Sumo Sacerdote que pode ser tocado pelo sentimento das suas enfermidades. Você não está lidando com um ser de natureza tão alta e gloriosa que sua mente de modo algum pode compreendê-Lo. Você está lidando com Jesus, que teve um corpo como o seu e foi Homem na terra como você. Ele conhece bem o mundo através do qual você está lutando, pois habitou nele por trinta e três anos. Ele conhece bem "as contradições dos pecadores", que tantas vezes desanimam você, pois Ele mesmo as suportou (Hebreus 12. 3). Ele conhece bem a arte e astúcia do seu inimigo espiritual, o diabo, pois lutou contra ele no deserto. Certamente, com tal advogado você pode muito bem sentir-se confiante.
Se você sabe o que é recorrer ao Senhor Jesus em busca de consolo espiritual nas tribulações terrenas, deve lembrar-se bem dos dias da Sua carne, e de Sua natureza humana.
Você está recorrendo a Alguém que conhece seus sentimentos por experiência, e que bebeu profundamente do cálice amargo, pois foi "um homem de dores, e experimentado nos sofrimentos" (Isaías 53. 3). Jesus conhece o coração do homem — as dores físicas do homem — as dificuldades do homem, pois Ele mesmo foi Homem, e teve carne e sangue sobre a terra. Ele se sentou cansado junto ao poço de Sicar. Chorou sobre o túmulo de Lázaro em Betânia. Suou grandes gotas de sangue em Getsêmani. Gemeu de angústia no Calvário.
Ele não é estranho às suas sensações. Ele está familiarizado com tudo o que pertence à natureza humana, exceto o pecado.
(a) Você é pobre e necessitado? Jesus também foi. "As raposas têm seus covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça." Ele habitou em uma cidade desprezada. Diziam os homens: "Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?" (João 1. 46). Ele era tido como filho de carpinteiro. Pregou em um barco emprestado, entrou em Jerusalém montado num jumentinho emprestado, e foi sepultado em um túmulo emprestado.
(b) Você está sozinho no mundo, e negligenciado por aqueles que deveriam amá-lo? Jesus também esteve. Veio para os Seus, e os Seus não O receberam. Veio ser o Messias das ovelhas perdidas da casa de Israel, e eles O rejeitaram. Os príncipes deste mundo não O reconheceram. Os poucos que O seguiram eram publicanos e pescadores. E até mesmo estes, por fim, O abandonaram, e se dispersaram cada um para o seu lado.
(c) Você é incompreendido, mal interpretado, caluniado e perseguido? Jesus também foi. Chamaram-no de glutão e beberrão, amigo de publicanos, samaritano, louco e endemoninhado. Seu caráter foi difamado. Acusaram-no falsamente. Um julgamento injusto foi pronunciado contra Ele e, embora inocente, foi condenado como malfeitor, e como tal morreu na cruz.
(d) Satanás o tenta e lança sugestões horríveis em sua mente? Assim também foi com Jesus. Ele o incitou a desconfiar da providência paternal de Deus. "Manda que estas pedras se tornem em pães." Propôs que Ele tentasse a Deus, expondo-se a um perigo desnecessário. "Lança-te daqui abaixo" do pináculo do templo. Sugeriu que Ele obtivesse os reinos do mundo para Si, mediante um pequeno ato de submissão. "Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares" (Mateus 4. 1-10).
(e) Você já sentiu grande agonia e conflito na mente? Já se sentiu em trevas, como se Deus o tivesse abandonado? Assim também aconteceu com Jesus. Quem pode medir a extensão dos sofrimentos de alma que Ele enfrentou no jardim? Quem pode mensurar a profundidade da dor de Sua alma quando clamou: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Mateus 27. 46).
É impossível conceber um Salvador mais adequado às necessidades do coração humano do que o Senhor Jesus Cristo—adequado não apenas por Seu poder, mas também por Sua compaixão—adequado não apenas por Sua divindade, mas também por Sua humanidade. Esforce-se, rogo-lhe, para gravar firmemente em sua mente que Cristo, o refúgio das almas, é Homem assim como é Deus. Honre-O como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Mas, enquanto fizer isso, nunca se esqueça de que Ele teve um corpo e foi Homem. Segure firme essa verdade e jamais a abandone. O infeliz sociniano erra terrivelmente ao afirmar que Cristo era apenas Homem e não Deus. Mas não permita que a reação a esse erro o faça esquecer que, embora Cristo fosse verdadeiramente Deus, Ele também era verdadeiramente Homem.
Não dê ouvidos, nem por um momento, ao miserável argumento do católico romano que lhe diz que a Virgem Maria e os santos são mais compassivos do que Cristo. Responda-lhe que tal argumento provém da ignorância das Escrituras e da verdadeira natureza de Cristo. Responda-lhe que você não aprendeu de Cristo a considerá-Lo apenas como um Juiz severo e um ser a ser temido. Responda-lhe que os quatro Evangelhos o ensinaram a considerá-Lo como o mais amoroso e compassivo dos amigos, bem como o mais poderoso e grandioso dos Salvadores. Responda-lhe que você não precisa de consolo de santos e anjos, da Virgem Maria ou de Gabriel, enquanto puder repousar sua alma cansada no HOMEM CRISTO JESUS.
III. Aprendamos, em terceiro lugar, que pode haver muita fraqueza e enfermidade, mesmo em um verdadeiro cristão.
Você tem uma prova marcante disso na conduta dos discípulos aqui registrada, quando as ondas cobriram o barco. Eles acordaram Jesus apressadamente. Disseram-Lhe, cheios de medo e ansiedade: "Mestre, não te importa que pereçamos?".
Houve impaciência. Eles poderiam ter esperado até que seu Senhor julgasse oportuno levantar-Se de Seu sono.
Houve incredulidade. Esqueceram-se de que estavam sob os cuidados d’Aquele que tinha todo o poder em Suas mãos. "Perecemos".
Houve desconfiança. Falaram como se duvidassem do cuidado e da preocupação do seu Senhor com sua segurança e bem-estar. "Não te importa que pereçamos?"
Homens pobres e sem fé! Que razão tinham eles para ter medo? Já tinham visto prova após prova de que tudo haveria de ficar bem enquanto o Noivo estivesse com eles. Testemunharam repetidos exemplos de Seu amor e bondade para com eles, suficientes para convencê-los de que Ele jamais permitiria que sofressem dano real. Mas tudo foi esquecido diante do perigo presente. A percepção do perigo imediato frequentemente faz os homens terem má memória. O medo frequentemente é incapaz de raciocinar a partir da experiência passada. Eles ouviram os ventos. Viram as ondas. Sentiram as águas frias batendo sobre eles. Imaginaram que a morte estava próxima. Não puderam mais esperar em suspense. "Não te importa", disseram, "que pereçamos?"
Mas, afinal, compreendamos que isso é apenas uma imagem do que constantemente acontece entre os crentes em todas as épocas. Suspeito que haja muitos discípulos, ainda hoje, como os que são aqui descritos.
Muitos dos filhos de Deus se saem muito bem enquanto não enfrentam provações. Seguem a Cristo de maneira bastante tolerável no tempo de bonança. Imaginam que estão confiando inteiramente nEle. Lisonjeiam-se de que lançaram sobre Ele toda a sua ansiedade. Obtêm a reputação de serem cristãos muito piedosos.
Mas, de repente, alguma provação inesperada os assola. Seus bens criam asas e voam. Sua própria saúde falha. A morte entra em sua casa. Tribulação ou perseguição surgem por causa da palavra. E onde está agora a sua fé? Onde está a forte confiança que pensavam ter? Onde está a sua paz, a sua esperança, a sua resignação? Ai, são buscadas e não são encontradas. São pesados na balança e achados em falta. O medo, a dúvida, a angústia e a ansiedade irrompem sobre eles como uma inundação, e parecem estar sem saída. Sei que esta é uma descrição triste. Apenas coloco à consciência de todo cristão verdadeiro se ela não é correta e verdadeira.
A verdade simples é que não há perfeição literal e absoluta entre os cristãos verdadeiros enquanto estiverem no corpo. O melhor e mais brilhante dos santos de Deus ainda é um ser pobre e misturado. Convertido, renovado e santificado, ainda assim está cercado de enfermidades. Não há homem justo sobre a terra que sempre faça o bem e nunca peque. "Em muitas coisas todos tropeçamos" (Eclesiastes 7. 20; Tiago 3. 2).
Abraão foi o pai dos fiéis. Pela fé, deixou sua pátria e seus parentes, e saiu conforme o mandado de Deus para uma terra que nunca tinha visto. Pela fé, contentou-se em habitar na terra como estrangeiro, crendo que Deus lha daria por herança. E, no entanto, esse mesmo Abraão foi tão dominado pela incredulidade que permitiu que Sara fosse chamada sua irmã, e não sua esposa, por medo dos homens. Aqui houve grande fraqueza. E, ainda assim, poucos foram maiores santos do que Abraão.
Davi foi um homem segundo o coração de Deus. Teve fé para sair em batalha contra o gigante Golias quando ainda era um jovem. Declarou publicamente sua crença de que o Senhor, que o livrara das garras do leão e do urso, também o livraria daquele filisteu. Teve fé para crer na promessa de Deus de que um dia seria rei de Israel, embora fosse reconhecido por poucos seguidores — embora Saul o perseguisse como a uma perdiz nos montes e frequentemente parecesse haver apenas um passo entre ele e a morte. E, no entanto, esse mesmo Davi, em certo momento, foi tão dominado pelo medo e pela incredulidade que disse: "Um dia perecerei pela mão de Saul" (1 Samuel 27. 1). Esqueceu-se das muitas libertações maravilhosas que havia recebido das mãos de Deus. Pensou apenas no perigo presente e buscou refúgio entre os filisteus ímpios. Certamente aqui houve grande fraqueza. E, ainda assim, poucos foram crentes mais fortes do que Davi.
Sei que é fácil para alguém responder: "Tudo isso é muito verdadeiro, mas não desculpa os medos dos discípulos. Eles tinham Jesus realmente com eles. Não deveriam ter tido medo. Eu jamais teria sido tão covarde e incrédulo como eles foram!" Digo a quem argumenta assim que conhece pouco o próprio coração. Digo que ninguém conhece a extensão e a profundidade de suas próprias fraquezas se não tiver sido tentado. Ninguém pode dizer quanto de fraqueza poderia manifestar em si mesmo se estivesse colocado em circunstâncias que a despertassem.
Algum leitor deste texto pensa que crê em Cristo? Você sente tal amor e confiança n’Ele que não consegue compreender ser grandemente abalado por qualquer evento que possa acontecer? Está tudo bem. Fico feliz em ouvir isso. Mas essa fé já foi provada? Essa confiança já foi testada? Se não, cuidado para não condenar precipitadamente estes discípulos. Não seja orgulhoso, mas tema. Não pense que, porque seu coração está em um estado vivo agora, esse estado durará para sempre. Não diga que, porque seus sentimentos estão quentes e fervorosos hoje, "amanhã será como hoje, e muito mais abundante". Não diga que, porque seu coração está agora elevado com um forte senso da misericórdia de Cristo, "nunca O esquecerei enquanto viver". Oh, aprenda a moderar um pouco essa avaliação lisonjeira de si mesmo. Você ainda não se conhece completamente. Existem mais coisas no seu homem interior do que você está atualmente ciente. O Senhor pode deixá-lo, como fez com Ezequias, para mostrar-lhe tudo o que há em seu coração (2 Crônicas 32. 31). Bem-aventurado é aquele que está "vestido de humildade" — "Feliz é o homem que teme sempre" — "Aquele, pois, que pensa estar em pé, olhe para que não caia" (1 Pedro 5. 5; Provérbios 28. 14; 1 Coríntios 10. 12).
Por que insisto nisso? Quero eu desculpar as corrupções dos cristãos professos e justificar seus pecados? Deus me livre! — Quero eu rebaixar o padrão da santificação e encorajar alguém a ser um soldado preguiçoso e ocioso de Cristo? Deus me livre! — Quero eu apagar a linha divisória entre o convertido e o não convertido e fechar os olhos para as incoerências? Mais uma vez digo, Deus me livre! — Sustento firmemente que há uma enorme diferença entre o verdadeiro cristão e o falso, entre o crente e o incrédulo, entre os filhos de Deus e os filhos do mundo. Sustento firmemente que essa diferença não é apenas de fé, mas de vida — não apenas de profissão, mas de prática. Sustento firmemente que os caminhos do crente devem ser tão distintos dos do descrente como o amargo do doce, a luz das trevas, o calor do frio.
Mas eu quero que os jovens cristãos entendam o que devem esperar encontrar em si mesmos. Quero evitar que eles se escandalizem e se confundam ao descobrirem sua própria fraqueza e enfermidade. Quero que vejam que podem ter verdadeira fé e graça, apesar de todos os sussurros do diabo em contrário, mesmo que sintam dentro de si dúvidas e temores. Quero que observem que Pedro, Tiago, João e seus irmãos eram verdadeiros discípulos, e ainda assim não eram tão espirituais a ponto de não poderem ter medo. Não lhes digo para usarem a incredulidade dos discípulos como desculpa para si mesmos. Mas digo-lhes que isso mostra claramente que, enquanto estiverem no corpo, não devem esperar que a fé esteja fora do alcance do medo.
Acima de tudo, quero que todos os cristãos entendam o que devem esperar em outros crentes. Você não deve concluir precipitadamente que um homem não tem graça apenas porque vê nele alguma corrupção. Há manchas na face do sol; e, no entanto, o sol brilha intensamente e ilumina todo o mundo. Há quartzo e impurezas misturados com muitos dos pedaços de ouro que vêm da Austrália; e, no entanto, quem pensa que, por causa disso, o ouro não tem nenhum valor? Há falhas em alguns dos diamantes mais finos do mundo; e, ainda assim, isso não impede que sejam avaliados como de valor inestimável. Afastemo-nos desse escrúpulo mórbido que faz muitos estarem prontos para excomungar um homem só porque ele tem algumas falhas! Sejamos mais rápidos para ver a graça e mais lentos para ver as imperfeições! Saibamos que, se não permitirmos a existência da graça onde houver corrupção, não encontraremos graça no mundo. Ainda estamos no corpo. O diabo não está morto. Ainda não somos como os anjos. O céu ainda não começou. A lepra ainda não saiu das paredes da casa, por mais que as raspemos, e nunca sairá até que a casa seja derrubada. Nossos corpos são, de fato, o templo do Espírito Santo, mas não um templo perfeito até que sejam ressuscitados ou transformados. A graça é, de fato, um tesouro, mas um tesouro em vasos de barro. É possível que um homem abandone tudo por amor de Cristo, e ainda assim, ocasionalmente, seja vencido por dúvidas e temores.
Suplico a cada leitor deste texto que se lembre disso. É uma lição digna de atenção. Os apóstolos criam em Cristo, amavam a Cristo e abandonaram tudo para seguir a Cristo. E ainda assim, vocês veem que nesta tempestade os apóstolos estavam com medo. Aprendam a ser caridosos no julgamento deles. Aprendam a ser moderados nas expectativas quanto ao próprio coração. Lutem até a morte pela verdade de que nenhum homem é um verdadeiro cristão se não for convertido e santo. Mas reconheçam que um homem pode ser convertido, ter um novo coração e ser santo, e ainda assim estar sujeito a enfermidades, dúvidas e temores.
Aprendamos, em quarto lugar, o poder do Senhor Jesus Cristo.
Vocês têm um exemplo marcante de Seu poder na história sobre a qual estou discorrendo. As ondas estavam invadindo o barco onde Jesus estava. Os discípulos aterrorizados O acordaram e clamaram por socorro. "Ele levantou-Se, repreendeu o vento e disse ao mar: Paz, aquieta-te. E o vento cessou, e fez-se grande bonança." Este foi um milagre maravilhoso. Ninguém poderia fazer isso, exceto alguém que fosse onipotente.
Fazer o vento cessar com uma palavra! Quem não sabe que é um dito comum, para descrever uma impossibilidade, "você poderia muito bem falar ao vento!"? No entanto, Jesus repreende o vento e imediatamente ele cessa. Isso é poder.
Acalmar as ondas com uma voz! Qual leitor da história não sabe que um poderoso rei da Inglaterra tentou em vão impedir a maré de subir na costa? No entanto, aqui está Alguém que diz às ondas enfurecidas em meio à tempestade, "Paz, aquieta-te", e imediatamente houve bonança. Isso é poder.
É bom para todos os homens terem uma visão clara do poder do Senhor Jesus Cristo. Que o pecador saiba que o misericordioso Salvador a quem é instado a fugir, e em quem é convidado a confiar, não é nada menos que o Todo-Poderoso, e tem poder sobre toda carne para a vida eterna. (Apocalipse 1. 8; João 17. 2). Que o inquiridor ansioso entenda que, se apenas ousar lançar-se sobre Jesus e tomar a cruz, estará se lançando sobre Aquele que tem todo poder no céu e na terra. (Mateus 28. 18). Que o crente se lembre, enquanto caminha pelo deserto, que seu Mediador, Advogado, Médico, Pastor e Redentor é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis, e que por meio d'Ele todas as coisas podem ser feitas. (Apocalipse 17. 14; Filipenses 4. 13). Que todos estudem o assunto, pois ele merece ser estudado.
(a) Estudem isso em Suas obras da criação. "Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez." (João 1. 3). Os céus e toda a sua gloriosa hoste de habitantes — a terra e tudo o que ela contém — o mar e tudo o que nele há — toda a criação, desde o sol nas alturas até o menor verme abaixo, foi obra de Cristo. Ele falou, e eles vieram a existir. Ele ordenou, e eles passaram a existir. Aquele mesmo Jesus, que nasceu de uma mulher pobre em Belém e viveu na casa de um carpinteiro em Nazaré, foi o Criador de todas as coisas. Não foi isso poder?
(b) Estudem isso em Suas obras da providência e na contínua ordenação de todas as coisas no mundo. "Por Ele todas as coisas subsistem." (Colossenses 1. 17). Sol, lua e estrelas giram em perfeito sistema. Primavera, verão, outono e inverno se sucedem em ordem regular. Eles continuam até hoje e não falham, de acordo com a ordenança d'Aquele que morreu no Calvário. (Salmos 119. 91). Os reinos deste mundo surgem e crescem, declinam e desaparecem. Os governantes da terra planejam, tramam, fazem leis, mudam leis, guerreiam, derrubam uns e elevam outros. Mas eles mal sabem que governam apenas pela vontade de Jesus e que nada acontece sem a permissão do Cordeiro de Deus. Eles não sabem que eles e seus súditos são como uma gota de água na mão d'Aquele que foi crucificado, e que Ele aumenta as nações e diminui as nações conforme a Sua vontade. Não é isso poder?
(c) Estude o assunto, sobretudo, nos milagres realizados por nosso Senhor Jesus Cristo durante os três anos de Seu ministério na terra. Aprenda, pelas obras poderosas que Ele fez, que as coisas que são impossíveis aos homens são possíveis a Cristo. Considere cada um de Seus milagres como um emblema e figura de coisas espirituais. Veja neles uma bela imagem do que Ele é capaz de fazer por sua alma. Aquele que pôde ressuscitar mortos com uma palavra pode, com igual facilidade, ressuscitar o homem da morte do pecado. Aquele que pôde dar visão aos cegos, audição aos surdos e fala aos mudos, também pode fazer os pecadores verem o reino de Deus, ouvirem o som alegre do Evangelho e proclamarem o louvor do amor redentor. Aquele que pôde curar a lepra com um toque pode curar qualquer enfermidade do coração. Aquele que pôde expulsar demônios pode fazer todo pecado dominante ceder à Sua graça. Oh, comece a ler os milagres de Cristo sob essa luz! Por mais ímpio, mau e corrupto que você se sinta, console-se com o pensamento de que você não está além do poder de cura de Cristo. Lembre-se de que em Cristo há não apenas plenitude de misericórdia, mas também plenitude de poder.
(d) Estude o assunto em particular como está apresentado a você neste dia. Ouso afirmar que seu coração, por vezes, já foi agitado como as ondas em uma tempestade. Você o encontrou agitado como as águas do mar revolto, que não podem descansar. Venha e ouça hoje que há Alguém que pode lhe dar descanso. Jesus pode dizer ao seu coração, seja qual for o seu mal, "Paz, aquieta-te!"
Ainda que sua consciência seja açoitada pela lembrança de incontáveis transgressões e rasgada por cada rajada de tentação; ainda que a recordação de uma vida passada em horrível devassidão lhe seja penosa e o peso insuportável; ainda que seu coração pareça cheio de maldade e o pecado o arraste como a um escravo; ainda que o diabo cavalgue de um lado para o outro sobre sua alma como um conquistador, dizendo-lhe que é vão lutar contra ele e que não há esperança para você — eu lhe digo que há Alguém que pode lhe dar perdão e paz. Meu Senhor e Mestre Jesus Cristo pode repreender a fúria do diabo, pode acalmar a miséria da sua alma e dizer também a você: "Paz, aquieta-te!" Ele pode dissipar essa nuvem de culpa que agora o oprime. Pode fazer a desesperança fugir. Pode afastar o medo. Pode remover o espírito de escravidão e enchê-lo com o espírito de adoção. Satanás pode segurar sua alma como um homem forte e armado, mas Jesus é mais forte do que ele, e quando Ele ordena, os prisioneiros devem ser libertos. Oh, se algum leitor aflito deseja paz interior, que vá hoje mesmo a Jesus Cristo e tudo ainda estará bem!
Mas e se seu coração estiver em paz com Deus, e, ainda assim, você estiver esmagado sob o peso das aflições terrenas? E se o medo da pobreza o agitar para lá e para cá, parecendo prestes a submergi-lo? E se a dor física o estiver atormentando dia após dia? E se você for subitamente afastado da atividade útil, forçado pela enfermidade a ficar inativo? E se a morte tiver entrado em sua casa e levado sua Raquel, ou seu José, ou seu Benjamim, deixando-o sozinho, esmagado pela dor? E se tudo isso tiver acontecido? Ainda assim há consolo em Cristo. Ele pode falar paz aos corações feridos com a mesma facilidade com que acalma mares revoltos. Pode repreender vontades rebeldes com a mesma autoridade com que acalma ventos furiosos. Pode fazer cessar as tempestades de tristeza e silenciar paixões tumultuosas com a mesma certeza com que parou a tempestade na Galileia. Ele pode dizer à ansiedade mais pesada: "Paz, aquieta-te!" As torrentes de cuidado e tribulação podem ser poderosas, mas Jesus está assentado sobre as enchentes e é mais poderoso do que as ondas do mar (Salmos 93. 4). Os ventos de aflição podem rugir ferozmente ao seu redor, mas Jesus os segura em Sua mão e pode detê-los quando quiser. Oh, se algum leitor deste escrito está de coração partido, consumido pelos cuidados e entristecido, que vá a Jesus Cristo, clame a Ele e será renovado. "Vinde a Mim," diz Ele, "todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei" (Mateus 11. 28).
Eu convido todos que professam e se denominam cristãos a terem uma visão ampla do poder de Cristo. Duvidem de qualquer outra coisa, se quiserem, mas nunca duvidem do poder de Cristo. Pode ser duvidoso se vocês não amam secretamente o pecado. Pode ser duvidoso se vocês não estão, em segredo, se apegando ao mundo. Pode ser duvidoso se o orgulho da sua natureza não está se levantando contra a ideia de serem salvos como pobres pecadores pela graça. Mas uma coisa não é duvidosa, e é que Cristo é "poderoso para salvar perfeitamente" e salvará vocês, se permitirem. (Hebreus 7. 25).
Aprendamos, por fim, quão ternamente e pacientemente o Senhor Jesus trata os crentes fracos.
Vemos esta verdade evidenciada em Suas palavras aos discípulos, quando o vento cessou e houve bonança. Ele bem poderia tê-los repreendido severamente. Bem poderia tê-los lembrado de todas as grandes coisas que havia feito por eles e repreendê-los por sua covardia e desconfiança. Mas não há nada de ira nas palavras do Senhor. Ele simplesmente faz duas perguntas: "Por que sois tão tímidos? Como é que não tendes fé?"
Toda a conduta do nosso Senhor para com Seus discípulos na terra merece uma consideração cuidadosa, pois lança uma luz maravilhosa sobre a compaixão e a longanimidade que há n'Ele. Nenhum mestre jamais teve, com certeza, alunos tão lentos para aprender como Jesus teve nos apóstolos. Nenhum aluno jamais teve um professor tão paciente e tolerante como os apóstolos tiveram em Cristo. Reúnam todas as evidências sobre este assunto espalhadas pelos Evangelhos e verão a verdade do que digo.
Em nenhum momento do ministério de nosso Senhor os discípulos pareceram compreender plenamente o propósito de Sua vinda ao mundo. A humilhação, a expiação, a crucificação, eram coisas ocultas para eles. As palavras mais claras e os avisos mais explícitos de seu Mestre sobre o que iria acontecer a Ele pareciam não ter efeito sobre suas mentes. Eles não entendiam. Eles não percebiam. Estava oculto de seus olhos. Uma vez, Pedro até tentou dissuadir nosso Senhor do sofrimento. "Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso" (Mateus 16. 22; Lucas 18. 34; 9. 45).
Frequentemente se vê coisas no espírito e na atitude deles que não são de modo algum recomendáveis. Um dia, somos informados de que disputaram entre si sobre quem seria o maior. (Marcos 9. 34.) Em outro momento, não consideraram Seus milagres, e seus corações estavam endurecidos. (Marcos 6. 52.) Uma vez, dois deles desejaram fazer descer fogo do céu sobre uma aldeia porque esta não os recebeu. (Lucas 9. 54.) No jardim do Getsêmani, os três melhores deles dormiram quando deveriam vigiar e orar. Na hora da traição, todos O abandonaram e fugiram, e o pior de tudo, Pedro, o mais adiantado dos doze, negou seu Mestre três vezes com juramento.
Mesmo após a ressurreição, vê-se a mesma incredulidade e dureza de coração persistirem neles; embora tenham visto seu Senhor com seus olhos e tocado n'Ele com suas mãos, ainda assim alguns duvidaram. Tão fracos eram eles na fé! Tão tardios de coração para "crer em tudo o que os profetas disseram" (Lucas 24. 25). Tão lentos eram para entender o significado das palavras, ações, vida e morte do nosso Senhor.
Mas o que se vê no comportamento do nosso Senhor para com esses discípulos ao longo de todo o Seu ministério? Vê-se nada além de inalterável piedade, compaixão, bondade, gentileza, paciência, longanimidade e amor. Ele não os rejeita por sua estupidez. Não os rejeita por sua incredulidade. Não os dispensa para sempre por sua covardia. Ele os ensina conforme são capazes de suportar. Ele os conduz passo a passo, como uma ama conduz uma criança que começa a andar. Ele lhes envia mensagens bondosas assim que ressuscita dentre os mortos. "Ide", disse Ele às mulheres, "Ide dizer a meus irmãos que vão para a Galileia, e lá Me verão" (Mateus 28. 10). Ele os reúne novamente ao Seu redor. Restaura Pedro à sua posição e ordena-lhe: "Apascenta as minhas ovelhas" (João 21. 17). Concede-Se a estar com eles durante quarenta dias antes de ascender definitivamente. Comissiona-os para que saiam como Seus mensageiros e preguem o Evangelho aos gentios. Abençoa-os ao partir e os anima com a graciosa promessa: "E eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação do século" (Mateus 28. 20). Verdadeiramente, este foi um amor que excede o conhecimento. Este não é o proceder dos homens.
Que todo o mundo saiba que o Senhor Cristo é muito compassivo e cheio de misericórdia. Ele não quebrará a cana trilhada, nem apagará o pavio que fumega. “Como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que o temem.” “Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei” (Tiago 5. 11; Mateus 12. 20; Salmos 103. 13; Isaías 66. 13). Ele cuida dos cordeiros do Seu rebanho tanto quanto das ovelhas velhas. Ele cuida dos doentes e fracos do Seu aprisco assim como dos fortes. Está escrito que Ele os carregará em Seu colo, antes de permitir que um deles se perca (Isaías 40. 11). Ele cuida dos menores membros de Seu corpo, tanto quanto dos maiores. Ele cuida dos bebês de Sua família assim como dos homens crescidos. Ele cuida das mais tenras plantinhas em Seu jardim tanto quanto do cedro do Líbano. Todos estão em Seu livro da vida, e todos estão sob Sua guarda. Todos Lhe foram dados em um pacto eterno, e Ele Se comprometeu, apesar de todas as fraquezas, a levar cada um em segurança para casa. Apenas que o pecador se apegue a Cristo pela fé, e então, por mais fraco que seja, a palavra de Cristo está empenhada para ele: “Nunca te deixarei, nem te desampararei.” Ele poderá corrigi-lo ocasionalmente em amor. Poderá repreendê-lo gentilmente em certos momentos. Mas Ele nunca, nunca o abandonará. O diabo jamais o arrancará da mão de Cristo.
Que todo o mundo saiba que o Senhor Jesus não lançará fora Seu povo crente por causa de suas falhas e enfermidades. O marido não repudia sua esposa porque encontra falhas nela. A mãe não abandona seu bebê porque ele é fraco, débil e ignorante. E o Senhor Cristo não rejeita pobres pecadores que confiaram suas almas em Suas mãos porque vê neles manchas e imperfeições. Oh, não! É Sua glória perdoar as faltas de Seu povo e curar suas infidelidades—valorizar suas frágeis virtudes e perdoar suas muitas falhas. O capítulo 11 de Hebreus é maravilhoso. É admirável observar como o Espírito Santo fala dos heróis cujos nomes estão registrados naquele capítulo. A fé do povo do Senhor é ali destacada e lembrada. Mas as falhas de muitos deles, que poderiam facilmente ter sido mencionadas, são ignoradas e não aparecem.
Quem há agora entre os leitores deste escrito que sente desejos de salvação, mas tem medo de se decidir, receando que possa, mais tarde, cair? Considere, rogo-lhe, a ternura e paciência do Senhor Jesus, e não tema mais. Não tenha medo de tomar a cruz e sair ousadamente do mundo. Esse mesmo Senhor e Salvador que suportou os discípulos está pronto e disposto a suportar você. Se você tropeçar, Ele o levantará. Se você errar, Ele o trará de volta gentilmente. Se você desfalecer, Ele o revigorará. Ele não o tirará do Egito para depois deixá-lo perecer no deserto. Ele o conduzirá em segurança à terra prometida. Apenas confie Sua direção a Ele, e então, pela minha alma, Ele o levará seguro para casa. Apenas ouça a voz de Cristo e siga-O, e você jamais perecerá.
Quem há entre os leitores deste escrito que tenha sido convertido e deseja fazer a vontade de seu Senhor? Tome hoje o exemplo da gentileza e longanimidade de seu Mestre, e aprenda a ser compassivo e bondoso com os outros. Trate com gentileza os principiantes. Não espere que eles saibam tudo e compreendam tudo de imediato. Tome-os pela mão. Guie-os e encoraje-os. Creia em tudo, espere tudo, antes de entristecer aquele coração que Deus não desejaria ver triste. Trate com mansidão os que retrocederam. Não lhes dê as costas como se seu caso fosse desesperador. Use todos os meios legítimos para restaurá-los ao seu antigo lugar. Considere a si mesmo, e suas frequentes fraquezas, e faça aos outros como gostaria que fizessem a você. Ah, há uma dolorosa ausência da mente do Mestre em muitos de Seus discípulos. Temo que haja poucas igrejas hoje em dia que receberiam Pedro em comunhão novamente durante muitos anos, após ele ter negado seu Senhor. Há poucos crentes dispostos a fazer o trabalho de Barnabé—prontos a tomar jovens convertidos pela mão e encorajá-los em seus primeiros passos. Na verdade, precisamos de um derramamento do Espírito sobre os crentes quase tanto quanto sobre o mundo.
E agora, só me resta pedir aos meus leitores que façam um uso prático das lições que lhes apresentei. Vocês ouviram hoje cinco coisas.
Primeiro. Que o serviço de Cristo não os livrará de problemas. Mesmo os santos mais santos estão sujeitos a eles.
Segundo. Que Cristo é muito Homem, assim como Deus.
Terceiro. Que os crentes podem ter muita fraqueza e enfermidade, e ainda assim serem verdadeiros crentes.
Quarto. Que Cristo tem todo o poder; e
Quinto. Que Cristo é cheio de paciência e bondade para com Seu povo. Lembrem-se destas cinco lições, e estarão indo bem.
Suportem-me por mais alguns momentos enquanto digo algumas palavras para gravar mais profundamente no coração as coisas que vocês acabaram de ler.
(1) Este escrito será provavelmente lido por alguns que nada sabem, pela experiência, do serviço de Cristo, nem do próprio Cristo.
Há somente muitos que não têm qualquer interesse nas coisas sobre as quais tenho escrito. Seu tesouro está todo aqui embaixo. Estão completamente absorvidos pelas coisas do mundo. Nada se importam com o conflito do crente, suas lutas, enfermidades, dúvidas e medos.
Pouco lhes importa se Cristo fez milagres ou não. Para eles, tudo não passa de palavras, nomes e formas, com as quais não se preocupam. Estão sem Deus no mundo.
Se acaso você for um desses homens, só posso adverti-lo solenemente de que esse seu caminho não poderá durar. Você não viverá para sempre. Haverá um fim. Cabelos brancos, velhice, enfermidades, morte — tudo, tudo está adiante de você, e um dia deverá ser enfrentado. O que fará quando esse dia chegar?
Lembre-se das minhas palavras hoje. Você não encontrará consolo quando estiver doente e morrendo, a menos que Jesus Cristo seja seu amigo. Descobrirá, para sua tristeza e confusão, que, por mais que os homens falem e se vangloriem, eles não podem prescindir de Cristo quando chegam ao leito de morte. Você poderá chamar ministros, pedir que leiam orações e lhe deem o sacramento. Poderá passar por toda forma e cerimônia do cristianismo. Mas se persistir em viver uma vida descuidada e mundana, e desprezar a Cristo na manhã dos seus dias, não se surpreenda se Cristo o deixar entregue a si mesmo no seu fim. Ai! Estas são palavras solenes, e muitas vezes tristemente cumpridas: "Eu me rirei da vossa perdição, e zombarei, vindo o vosso temor" (Provérbios 1. 26).
Venha, pois, hoje, e seja aconselhado por quem ama a sua alma. Deixe de fazer o mal. Aprenda a fazer o bem. Abandone os insensatos e siga pelo caminho do entendimento. Lance fora esse orgulho que envolve o seu coração e busque o Senhor Jesus enquanto pode ser encontrado. Lance fora essa preguiça espiritual que paralisa sua alma, e resolva empenhar-se com sua Bíblia, suas orações e seus domingos. Rompa com um mundo que nunca poderá realmente satisfazê-lo, e busque aquele tesouro que é verdadeiramente incorruptível. Oh, que as próprias palavras do Senhor possam encontrar um lugar em sua consciência! "Até quando, ó simples, amareis a simplicidade? E os escarnecedores desejarão o escárnio, e os loucos odiarão o conhecimento? Convertei-vos pela minha repreensão; eis que abundantemente derramarei sobre vós o meu Espírito e vos farei saber as minhas palavras" (Provérbios 1. 22, 23). Eu creio que o pecado culminante de Judas Iscariotes foi que ele não buscou o perdão nem voltou para seu Senhor. Cuidado para que esse não seja também o seu pecado.
(2) Este texto provavelmente cairá nas mãos de alguns que amam o Senhor Jesus, crêem n'Ele e, ainda assim, desejam amá-Lo melhor.
Se você é tal pessoa, aceite a palavra de exortação e aplique-a ao seu coração.
Antes de tudo, mantenha diante da sua mente, como uma verdade sempre presente, que o Senhor Jesus é uma Pessoa real e viva, e trate com Ele como tal.
Temo que a personalidade de nosso Senhor esteja sendo tristemente esquecida por muitos professos na atualidade. Suas conversas são mais sobre a salvação do que sobre o Salvador — mais sobre a redenção do que sobre o Redentor — mais sobre a justificação do que sobre Jesus — mais sobre a obra de Cristo do que sobre a pessoa de Cristo. Este é um grande erro, e um que explica plenamente o caráter seco e sem vida da religião de muitos professos.
Se você deseja crescer na graça e ter alegria e paz em crer, cuidado para não cair nesse erro. Deixe de considerar o Evangelho como uma mera coleção de doutrinas secas. Olhe para ele como a revelação de um Ser poderoso e vivo, diante de quem você deve viver diariamente. Deixe de considerá-lo como um mero conjunto de proposições abstratas e princípios complicados e regras. Veja-o como a introdução a um glorioso e pessoal Amigo. Este é o tipo de Evangelho que os apóstolos pregavam. Eles não percorriam o mundo falando aos homens de amor, misericórdia e perdão de maneira abstrata. O tema principal de todos os seus sermões era o coração amoroso de um Cristo real e vivo. Este é o tipo de Evangelho mais apropriado para promover a santificação e a preparação para a glória. Nada, certamente, é tão eficaz para nos preparar para aquele céu onde a presença pessoal de Cristo será tudo, e para aquela glória onde encontraremos Cristo face a face, quanto a comunhão com Cristo, como uma Pessoa real e viva aqui na terra. Há toda a diferença do mundo entre uma ideia e uma pessoa.
Além disso, procure manter diante da sua mente, como uma verdade sempre presente, que o Senhor Jesus é totalmente imutável.
Esse Salvador, em quem você confia, é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Nele não há mudança nem sombra de variação. Embora exaltado no céu, à direita de Deus, Ele continua exatamente o mesmo em coração que era há 1900 anos na terra. Lembre-se disso e você fará bem.
Siga-O em todas as suas andanças pela Palestina. Observe como Ele recebia todos os que vinham a Ele e não rejeitava ninguém. Veja como Ele tinha ouvidos para ouvir cada relato de tristeza, mãos para ajudar em cada caso de aflição, um coração para sentir por todos que precisavam de compaixão. E então diga a si mesmo: "Este mesmo Jesus é aquele que é meu Senhor e Salvador. O lugar e o tempo não fizeram diferença n'Ele. O que Ele foi, Ele é, e será para sempre."
Certamente este pensamento dará vida e realidade à sua religião diária. Certamente este pensamento dará substância e forma à sua expectativa das boas coisas por vir. Certamente é motivo de jubilosa reflexão que Aquele que passou trinta e três anos na terra, e cuja vida lemos nos Evangelhos, é o próprio Salvador na presença de quem passaremos a eternidade.
A última palavra deste texto será a mesma da primeira. Quero que os homens leiam mais os quatro Evangelhos. Quero que os homens conheçam melhor a Cristo. Quero que os homens não convertidos conheçam a Jesus, para que tenham a vida eterna por meio d'Ele. Quero que os crentes conheçam melhor a Jesus, para que se tornem mais felizes, mais santos e mais aptos para a herança dos santos na luz. Aquele será o homem mais santo que aprender a dizer com São Paulo: "Para mim o viver é Cristo" (Filipenses 1. 21).
~
J. C. Ryle
Holiness.