10.abril.25
Riquezas insondáveis.
"A mim, que sou o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios as riquezas insondáveis de Cristo" (Efésios 3. 8).
Se ouvíssemos essa sentença lida pela primeira vez, creio que todos nós sentiríamos que ela é muito notável, mesmo que não soubéssemos quem a escreveu. Ela é notável por conta das figuras de linguagem ousadas e marcantes que contém. "Menor de todos os santos"; "riquezas insondáveis de Cristo"; — são de fato "pensamentos que respiram e palavras que queimam".
Mas a sentença é duplamente notável quando consideramos o homem que a escreveu. O autor foi ninguém menos que o grande apóstolo dos gentios, São Paulo — o líder daquele nobre pequeno exército judeu que saiu da Palestina há dezenove séculos e virou o mundo de cabeça para baixo — aquele bom soldado de Cristo que deixou uma marca mais profunda na humanidade do que qualquer outro nascido de mulher, exceto seu Mestre sem pecado — uma marca que permanece até os dias de hoje. Certamente, uma sentença da pena de tal homem merece atenção especial.
Fixemos firmemente nossos olhos neste texto e notemos três coisas: —
I. Primeiro, o que São Paulo diz de si mesmo. Ele diz: "Sou o menor de todos os santos".
II. Segundo, o que São Paulo diz de seu ofício ministerial. Ele diz: "A graça me foi dada para pregar".
III. Terceiro, o que São Paulo diz sobre o grande tema de sua pregação. Ele chama de "as riquezas insondáveis de Cristo".
Confio que algumas palavras sobre cada um desses três pontos possam ajudar a fixar todo o texto nas memórias, consciências, corações e mentes.
I. Em primeiro lugar, notemos o que São Paulo diz de si mesmo.
A linguagem que ele usa é singularmente forte. O fundador de igrejas famosas, o autor de catorze epístolas inspiradas, o homem que "não ficou atrás dos mais excelentes apóstolos", "em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que muitos; em prisões, com mais frequência; em perigo de morte, muitas vezes", — o homem que "se gastava e se deixava gastar" pelas almas, e que "considerava tudo como perda por amor de Cristo", — o homem que podia dizer com verdade: "Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho" — o que encontramos ele dizendo de si mesmo? Ele usa um comparativo e superlativo enfáticos. Ele diz: "Sou o menor de todos os santos". Que criatura tão humilde é o menor dos santos! Contudo, São Paulo diz: "Sou menor do que esse homem".
Suspeito que uma linguagem como esta é quase ininteligível para muitos que professam e se chamam cristãos. Ignorantes tanto da Bíblia quanto de seus próprios corações, eles não conseguem entender o que um santo quer dizer quando fala com tanta humildade de si mesmo e de suas realizações. "É apenas um modo de falar", eles dirão; "só pode significar o que São Paulo era antes, quando era um novato e começou a servir a Cristo." Tão verdadeiro é que "o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus" (1 Coríntios 2. 14). As orações, os louvores, os conflitos, os temores, as esperanças, as alegrias, as tristezas do verdadeiro cristão, toda a experiência do capítulo 7 de Romanos — tudo, tudo é "loucura" para o homem do mundo. Assim como o cego não pode julgar uma pintura de Reynolds ou Gainsborough, e o surdo não pode apreciar o "Messias" de Handel, o homem não convertido não pode entender plenamente a humilde estima que um apóstolo faz de si mesmo.
Mas podemos estar certos de que o que São Paulo escreveu com sua pena, ele sentia sinceramente em seu coração. A linguagem de nosso texto não está isolada. Ela é ainda excedida em outros lugares. Aos filipenses, ele diz: "Não que já a tenha alcançado ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus". Aos coríntios, ele diz: "Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo". A Timóteo, ele diz: "Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal". Aos romanos, ele clama: "Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (Filipenses 3. 12; 1 Coríntios 15. 9; 1 Timóteo 1. 15; Romanos 7. 24). A verdade simples é que São Paulo via em seu próprio coração muito mais defeitos e enfermidades do que via em qualquer outro. Os olhos de seu entendimento estavam tão completamente abertos pelo Espírito Santo de Deus que ele detectava centenas de coisas erradas em si mesmo que os olhos opacos de outros homens nunca notavam. Em resumo, possuindo grande luz espiritual, ele tinha grande visão da sua própria corrupção natural e estava revestido da cabeça aos pés com humildade (1 Pedro 5. 5).
Entendamos claramente que a humildade como a de São Paulo não era uma característica peculiar do grande apóstolo dos gentios. Pelo contrário, é uma marca principal de todos os santos mais eminentes de Deus em todas as épocas. Quanto mais verdadeira graça os homens têm em seus corações, mais profundo é o senso de pecado que possuem. Quanto mais luz o Espírito Santo derrama em suas almas, mais discernem suas próprias fraquezas, impurezas e trevas. A alma morta não sente nem vê nada; com a vida vem a visão clara, a consciência sensível e a sensibilidade espiritual. Observemos quais expressões humildes Abraão, Jacó, Jó, Davi e João Batista usaram sobre si mesmos. Estudemos as biografias de santos modernos como Bradford, Hooker, George Herbert, Beveridge, Baxter e McCheyne. Notemos como uma característica comum pertence a todos eles — um profundo senso de pecado.
Professores superficiais e superficiais, no calor de seu primeiro amor, podem falar, se quiserem, de perfeição. Os grandes santos, em todas as eras da história da Igreja, de São Paulo até os dias de hoje, sempre foram “revestidos de humildade”.
Aquele que deseja ser salvo, entre os leitores deste escrito, saiba hoje que os primeiros passos para o céu são um profundo senso de pecado e uma avaliação humilde de nós mesmos. Que ele lance fora aquela tradição fraca e tola de que o início da religião é sentirmo-nos “bons”. Que ele, antes, se agarre àquele grandioso princípio das Escrituras, de que devemos começar sentindo-nos “maus”; e que até realmente nos sentirmos “maus” não sabemos nada sobre a verdadeira bondade ou o cristianismo que salva. Feliz é aquele que aprendeu a aproximar-se de Deus com a oração do publicano, “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador” (Lucas 18. 13).
Busquemos todos a humildade. Nenhuma graça convém tanto ao homem. O que somos nós para que sejamos orgulhosos? De todas as criaturas nascidas no mundo, nenhuma é tão dependente quanto o filho de Adão. Olhando fisicamente, que corpo requer tanto cuidado e atenção, e é tão devedor diário à metade da criação por alimento e vestimenta, quanto o corpo do homem? Olhando mentalmente, quão pouco sabem os homens mais sábios (e eles são poucos), e quão ignorante é a vasta maioria da humanidade, e que miséria eles criam por sua própria insensatez! “Somos, na verdade, de ontem, e nada sabemos” (Jó 8. 9). Certamente não há ser criado na terra ou no céu que deva ser tão humilde quanto o homem.
Busquemos a humildade. Não há graça que tão bem se ajuste a um anglicano. Nosso inigualável Livro de Oração, do começo ao fim, coloca a linguagem mais humilde na boca de todos os que o utilizam. As sentenças no início das orações da manhã e da tarde, a Confissão Geral, a Ladainha, o Serviço de Comunhão — tudo, tudo está repleto de expressões humildes e de auto-humilhação. Todos, com uma voz harmoniosa, oferecem aos adoradores da Igreja da Inglaterra um claro ensino sobre nossa verdadeira posição diante de Deus.
Busquemos todos mais humildade, se já conhecemos algo dela agora. Quanto mais a tivermos, mais semelhantes a Cristo seremos. Está escrito de nosso bendito Mestre (ainda que nEle não houvesse pecado) que “subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz” (Filipenses 2. 6-8). E lembremo-nos das palavras que precedem essa passagem: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. Podem confiar: quanto mais perto os homens se aproximam do céu, mais humildes se tornam. Na hora da morte, com um pé na cova, com algo da luz do céu brilhando sobre eles, centenas de grandes santos e dignitários da Igreja — homens como Selden, Bispo Butler, Arcebispo Longley — deixaram registrado o testemunho de que nunca até aquela hora haviam visto seus pecados tão claramente e sentido tão profundamente sua dívida para com a misericórdia e a graça. Suponho que somente o céu nos ensinará plenamente quão humildes devemos ser. Só então, quando estivermos dentro do véu e olharmos para trás, para todo o caminho da vida pelo qual fomos conduzidos, compreenderemos completamente a necessidade e a beleza da humildade. Linguagem forte como a de São Paulo não nos parecerá forte demais naquele dia. Não, de modo algum! Lançaremos nossas coroas diante do trono e compreenderemos o que um grande teólogo quis dizer quando afirmou: “O cântico no céu será: Que coisas grandiosas fez Deus”.
Em segundo lugar, observemos o que São Paulo diz sobre seu ofício ministerial.
Há uma grandiosa simplicidade nas palavras do Apóstolo sobre este assunto. Ele diz: “A graça me foi dada para que eu pregasse”. O significado da sentença é claro: “A mim foi concedido o privilégio de ser um mensageiro de boas notícias. Fui comissionado para ser um arauto de boas novas”. É claro que não podemos duvidar que a concepção de São Paulo sobre o ofício do ministro incluía a administração dos sacramentos e a realização de todas as outras coisas necessárias para a edificação do corpo de Cristo. Mas aqui, como em outros lugares, é evidente que a ideia principal constantemente em sua mente era que o principal dever de um ministro do Novo Testamento é ser pregador, evangelista, embaixador de Deus, mensageiro de Deus e proclamador das boas novas de Deus a um mundo caído. Ele diz em outro lugar: “Cristo enviou-me, não para batizar, mas para pregar o evangelho” (1 Coríntios 1. 17).
Não consigo perceber que São Paulo em algum momento apoie a teoria favorita de que havia a intenção de existir um ministério sacerdotal, um sacerdócio sacrificial na Igreja de Cristo. Não há uma palavra nos Atos ou em suas Epístolas às Igrejas que justifique tal ideia. Em nenhum lugar está escrito: "Deus estabeleceu alguns na Igreja, primeiramente apóstolos, depois sacerdotes" (1 Coríntios 12. 28). Há uma ausência notável dessa teoria nas Epístolas Pastorais a Timóteo e Tito, onde, se fosse o caso, poderíamos esperar encontrá-la. Pelo contrário, nessas mesmas Epístolas, lemos expressões como estas: "Deus manifestou Sua Palavra pela pregação", "Eu fui constituído pregador", "Fui ordenado pregador", "Para que por mim fosse plenamente conhecida a pregação" (1 Timóteo 2. 7; 2 Timóteo 1. 11; 2 Timóteo 4. 17; Tito 1. 3). E, para coroar tudo, uma de suas últimas injunções a seu amigo Timóteo, quando o deixa encarregado de uma Igreja organizada, é esta frase incisiva: "Prega a Palavra" (2 Timóteo 4. 2). Em resumo, acredito que São Paulo gostaria que entendêssemos que, por mais variados que sejam os trabalhos para os quais o ministro cristão é separado, sua primeira, principal e mais importante tarefa é ser o pregador e proclamador da Palavra de Deus.
Mas, enquanto recusamos admitir que um sacerdócio sacrificial tenha qualquer respaldo nas Escrituras, tomemos cuidado nestes dias para não cairmos no extremo de desvalorizar o ofício que o ministro de Cristo ocupa. Há certo perigo nessa direção. Firmemos certos princípios fixos sobre o ministério cristão e, por mais forte que seja nossa aversão ao sacerdotalismo e ao romanismo, que nada nos tente a abandonar esses princípios. Certamente há um sólido meio-termo entre uma idolatria rasteira do sacerdotalismo, de um lado, e uma anarquia desordenada, do outro. Certamente não se segue que, porque não queremos ser papistas nesta questão do ministério, precisemos ser quakers ou Irmãos de Plymouth [1]. Isto, ao menos, não estava na mente de São Paulo.
(a) Em primeiro lugar, firmemos em nossas mentes que o ofício ministerial é uma instituição bíblica. Não preciso cansá-los com citações para provar este ponto. Aconselho simplesmente que leiam as Epístolas a Timóteo e Tito e julguem por si mesmos. Se essas Epístolas não autorizam um ministério, para mim, não há sentido nas palavras. Formem um júri com os primeiros doze homens inteligentes, honestos, desinteressados e imparciais que puderem encontrar, e coloquem-nos diante de um Novo Testamento para examinarem esta questão: "O ministério cristão é uma instituição bíblica ou não?" Não tenho dúvida de qual seria o veredito.
(b) Em segundo lugar, firmemos em nossas mentes que o ofício ministerial é uma provisão de Deus extremamente sábia e útil. Ele garante a manutenção regular de todas as ordenanças e meios de graça de Cristo. Proporciona uma máquina viva para promover o despertar de pecadores e a edificação dos santos. Toda experiência prova que o que é responsabilidade de todos logo se torna responsabilidade de ninguém; e, se isso é verdade em outros assuntos, não é menos verdadeiro no que diz respeito à religião. Nosso Deus é um Deus de ordem e que trabalha por meios, e não temos direito de esperar que Sua causa se sustente apenas por constantes intervenções miraculosas enquanto Seus servos ficam ociosos. Para a pregação ininterrupta da Palavra e a administração dos sacramentos, nenhum plano melhor pode ser concebido do que a nomeação de uma ordem regular de homens que se dediquem inteiramente aos negócios de Cristo.
(c) Em terceiro lugar, firmemos em nossas mentes que o ofício ministerial é um privilégio honroso. É uma honra ser o embaixador de um rei: a própria pessoa de tal oficial de estado é respeitada e considerada legalmente sagrada. É uma honra levar as notícias de uma vitória como as de Trafalgar e Waterloo: antes da invenção dos telégrafos, era uma distinção altamente cobiçada. Mas quão maior é a honra de ser o embaixador do Rei dos reis e proclamar as boas novas da conquista realizada no Calvário! Servir diretamente a tal Mestre, levar tal mensagem, saber que os resultados de nosso trabalho, se Deus o abençoar, são eternos, isto é, de fato, um privilégio. Outros trabalhadores podem trabalhar por uma coroa corruptível, mas o ministro de Cristo por uma incorruptível. Nunca um país está em pior condição do que quando os ministros da religião fizeram seu ofício ser ridicularizado e desprezado. É uma palavra tremenda em Malaquias: "Eu vos fiz desprezíveis e baixos diante de todo o povo, porque não guardastes os meus caminhos" (Malaquias 2. 9). Mas, quer os homens ouçam ou deixem de ouvir, o ofício de um embaixador fiel é honroso. Foi uma bela declaração de um velho missionário em seu leito de morte, que faleceu aos noventa e seis anos: "A melhor coisa que um homem pode fazer é pregar o Evangelho."
Deixo esta parte do meu tema com um sincero pedido a todos que oram: que nunca se esqueçam de fazer súplicas, orações e intercessões pelos ministros de Cristo — para que nunca falte uma devida provisão deles em casa e no campo missionário — para que sejam preservados firmes na fé e santos em suas vidas, e para que cuidem de si mesmos, assim como da doutrina (1 Timóteo 4. 16).
Oh, lembre-se de que, embora nosso ofício seja honroso, útil e bíblico, ele também é de profunda e dolorosa responsabilidade! Nós vigiamos pelas almas “como aqueles que devem prestar contas” no dia do juízo (Hebreus 13. 17). Se almas forem perdidas por causa de nossa infidelidade, seu sangue será requerido de nossas mãos. Se tivéssemos apenas que ler os serviços e administrar os sacramentos, usar uma veste peculiar e cumprir uma rotina de cerimônias, exercícios corporais, gestos e posturas, nossa posição seria relativamente leve. Mas não é só isso. Temos que entregar a mensagem do nosso Mestre — não reter nada que seja proveitoso — declarar todo o conselho de Deus. Se dissermos às nossas congregações menos do que a verdade ou mais do que a verdade, podemos arruinar para sempre almas imortais. A vida e a morte estão no poder da língua do pregador. “Ai de nós, se não pregarmos o evangelho!” (1 Coríntios 9. 16).
Mais uma vez digo: Orai por nós. Quem é suficiente para estas coisas? Lembrai-vos do antigo dito dos Pais: “Nenhum está em maior perigo espiritual do que os ministros.” É fácil criticar e encontrar falhas em nós. Temos um tesouro em vasos de barro. Somos homens sujeitos às mesmas paixões que vós, e não infalíveis. Orai por nós nestes dias de provação, tentação e controvérsia, para que nossa Igreja nunca falte de bispos, presbíteros e diáconos que sejam sãos na fé, ousados como leões, “prudentes como as serpentes e inofensivos como as pombas” (Mateus 10. 16). O mesmo homem que disse “A graça me foi dada para pregar” é o mesmo que disse, em outro lugar: “Orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague e seja glorificada, assim como também entre vós; e para que sejamos livres de homens perversos e maus; porque a fé não é de todos” (2 Tessalonicenses 3. 1, 2).
Vejamos agora, por fim, o que São Paulo diz sobre o grande tema da sua pregação. Ele o chama de “as insondáveis riquezas de Cristo.”
Que o homem convertido de Tarso pregasse “Cristo” é algo que poderíamos esperar de seus antecedentes. Tendo encontrado paz por meio do sangue da cruz, podemos estar certos de que ele sempre contaria a história da cruz a outros. Ele nunca desperdiçou precioso tempo exaltando uma mera moralidade sem raízes, discursando sobre abstrações vagas e platitudes vazias — como “o verdadeiro”, “o nobre”, “o sincero”, “o belo” e “os germes de bondade na natureza humana”, e semelhantes. Ele sempre ia à raiz da questão e mostrava aos homens sua grande doença familiar, seu estado desesperador como pecadores, e o Grande Médico de que um mundo enfermo de pecado necessita.
Que ele pregasse Cristo entre “os gentios” novamente, está em conformidade com tudo o que sabemos de sua linha de ação em todos os lugares e entre todos os povos. Onde quer que ele viajasse e se levantasse para pregar — em Antioquia, em Listra, em Filipos, em Atenas, em Corinto, em Éfeso, entre gregos ou romanos, entre instruídos ou ignorantes, entre estóicos e epicureus, diante de ricos ou pobres, bárbaros, citas, servos ou livres — Jesus e Sua morte vicária, Jesus e Sua ressurreição eram o tema central de seus sermões. Variando seu modo de falar conforme o público, como sabiamente fazia, o cerne e o coração de sua pregação era Cristo crucificado.
Mas, no texto que temos diante de nós, observareis que ele usa uma expressão muito peculiar, uma expressão que, indiscutivelmente, é única em seus escritos — “as insondáveis riquezas de Cristo.” É a linguagem forte e ardente de quem sempre se lembrava de sua dívida para com a misericórdia e a graça de Cristo, e gostava de demonstrar, com suas palavras, a intensidade desse sentimento. São Paulo não era homem de fazer ou falar as coisas pela metade (Quicquid fecit valdé fecit). Ele nunca esqueceu o caminho de Damasco, a casa de Judas na rua chamada Direita, a visita do bom Ananias, as escamas caindo de seus olhos e sua maravilhosa passagem da morte para a vida. Essas coisas estavam sempre frescas e vivas em sua mente; e assim ele não se contenta em dizer: “A graça me foi dada para pregar Cristo.” Não: ele amplia seu tema. Ele o chama de “as insondáveis riquezas de Cristo.”
Mas o que o Apóstolo quis dizer quando falou das “riquezas insondáveis”? Esta é uma pergunta difícil de responder. Sem dúvida ele via em Cristo uma provisão tão ilimitada para todas as necessidades da alma humana que não conhecia outra expressão para transmitir o seu significado. De qualquer ponto de vista que contemplasse Jesus, via nEle muito mais do que a mente poderia conceber ou a língua poderia expressar. O que ele pretendia exatamente deve, necessariamente, ser objeto de conjectura. Mas pode ser útil listar em detalhes algumas das coisas que provavelmente estavam em sua mente. Pode ser, deve ser, e certamente será útil. Pois, afinal de contas, lembremo-nos de que essas “riquezas de Cristo” são riquezas de que você e eu necessitamos na Inglaterra tanto quanto São Paulo; e, o melhor de tudo, essas “riquezas” estão guardadas em Cristo para você e para mim tanto quanto estavam há 1900 anos. Elas ainda estão lá. Ainda são oferecidas livremente a todos os que estão dispostos a recebê-las. Ainda são propriedade de todo aquele que se arrepende e crê. Vejamos brevemente algumas delas.
(a) Registre, em primeiro lugar e acima de tudo, em suas mentes que há riquezas insondáveis na pessoa de Cristo. Aquela união milagrosa do perfeito Homem e do perfeito Deus em nosso Senhor Jesus Cristo é um grande mistério, sem dúvida, que não temos capacidade para sondar. É algo elevado; e nós não conseguimos alcançá-lo. Mas, por mais misteriosa que essa união possa ser, é uma mina de conforto e consolação para todos que podem considerá-la corretamente. Poder infinito e simpatia infinita se encontram e se combinam em nosso Salvador. Se Ele fosse apenas Homem, não poderia ter nos salvado. Se Ele fosse apenas Deus (falo com reverência), não poderia ter sido “tocado pelo sentimento de nossas fraquezas”, nem ter “sofrido sendo tentado” (Hebreus 2. 18; 4. 15). Como Deus, Ele é poderoso para salvar; e como Homem, Ele é perfeitamente adequado para ser nosso Cabeça, Representante e Amigo. Que aqueles que nunca pensam profundamente zombem de nós, se quiserem, acusando-nos de brigar por credos e teologia dogmática. Mas que os cristãos reflexivos nunca se envergonhem de crer e se apegar firmemente à negligenciada doutrina da Encarnação, e à união de duas naturezas em nosso Salvador. É uma verdade rica e preciosa que nosso Senhor Jesus Cristo é tanto “Deus como Homem”.
(b) Registre, em seguida, em suas mentes que há riquezas insondáveis na obra que Cristo realizou por nós, quando viveu na terra, morreu e ressuscitou. Verdadeiramente e de fato, “Ele terminou a obra que Seu Pai Lhe deu para fazer” (João 17. 4) — a obra de expiação pelo pecado, a obra de reconciliação, a obra de redenção, a obra de satisfação, a obra de substituição como “o justo pelos injustos”. Agrada a alguns homens, eu sei, chamar essas expressões breves de “termos teológicos inventados por homens, dogmas humanos” e semelhantes. Mas eles terão dificuldade em provar que cada uma dessas frases tão criticadas não contém honestamente a substância de textos claros da Escritura; textos que, por questão de conveniência, assim como a palavra Trindade, os teólogos condensaram em uma única palavra. E cada frase é muito rica.
(c) Anote, em seguida, em sua mente que há riquezas insondáveis nos ofícios que Cristo neste momento exerce, enquanto vive por nós à direita de Deus. Ele é, ao mesmo tempo, nosso Mediador, nosso Advogado, nosso Sacerdote, nosso Intercessor, nosso Pastor, nosso Bispo, nosso Médico, nosso Capitão, nosso Rei, nosso Mestre, nossa Cabeça, nosso Precursor, nosso Irmão mais velho, o Noivo de nossas almas. Sem dúvida, esses ofícios não têm valor para aqueles que nada sabem da religião vital. Mas para os que vivem a vida de fé e buscam primeiro o reino de Deus, cada ofício é precioso como o ouro.
(d) Anote, também, em sua mente que há riquezas insondáveis nos nomes e títulos que são aplicados a Cristo nas Escrituras. Seu número é muito grande, como todo leitor atento da Bíblia sabe, e, é claro, não posso pretender fazer mais do que selecionar alguns deles. Pense, por um momento, em títulos como o Cordeiro de Deus — o pão da vida — a fonte de águas vivas — a luz do mundo — a porta — o caminho — a videira — a rocha — a pedra angular — a veste do cristão — o altar do cristão. Pense em todos esses nomes, digo, e considere quanto eles contêm. Para o homem descuidado e mundano são meras “palavras” e nada mais; mas para o verdadeiro cristão cada título, se devidamente explorado e desenvolvido, se revelará como contendo em seu íntimo uma riqueza de verdades abençoadas.
(e) Anote, por fim, em sua mente que há riquezas insondáveis nas qualidades características, atributos, disposições e intenções da mente de Cristo para com o homem, como as encontramos reveladas no Novo Testamento. Nele há riquezas de misericórdia, amor e compaixão para com os pecadores — riquezas de poder para purificar, perdoar, absolver e salvar até o máximo — riquezas de disposição para receber todos os que vêm a Ele arrependidos e crendo — riquezas de capacidade para, por meio de Seu Espírito, transformar os corações mais duros e os piores caracteres — riquezas de paciente ternura para suportar o crente mais fraco — riquezas de força para ajudar Seu povo até o fim, apesar de todo inimigo externo e interno — riquezas de simpatia para com todos os que estão abatidos e levam suas aflições a Ele — e, por último, mas não menos importante, riquezas de glória para recompensar, quando Ele vier novamente para ressuscitar os mortos e reunir Seu povo para estar com Ele em Seu reino. Quem pode estimar essas riquezas? Os filhos deste mundo podem considerá-las com indiferença ou afastar-se delas com desprezo; mas aqueles que reconhecem o valor de suas almas sabem muito bem. Eles dirão com uma só voz: “Não há riquezas como aquelas que estão reservadas em Cristo para o Seu povo.”
Pois, o melhor de tudo, essas riquezas são insondáveis. São uma mina que, por mais que seja trabalhada, nunca se esgota. São uma fonte que, por mais que dela se tire água, nunca seca. O sol no céu tem brilhado por milhares de anos, concedendo luz, vida, calor e fertilidade a toda a superfície do globo. Não há árvore ou flor na Europa, Ásia, África ou América que não seja devedora ao sol. E ainda assim o sol continua a brilhar, geração após geração, estação após estação, nascendo e se pondo com regularidade inquebrantável, dando a todos, nada tirando de ninguém, e para todos os olhos comuns sendo o mesmo em luz e calor que foi no dia da criação, o grande benfeitor comum da humanidade. Assim também é, se alguma ilustração puder se aproximar da realidade, assim também é com Cristo. Ele ainda é “o Sol da justiça” para toda a humanidade (Malaquias 4. 2). Milhões já dEle beberam em tempos passados e, olhando para Ele, viveram com conforto e com conforto morreram. Miríades neste momento estão diariamente buscando nEle suprimentos de misericórdia, graça, paz, força e ajuda, e encontram “toda a plenitude” habitando nEle. E ainda assim, duvido que sequer a metade das riquezas reservadas nEle para a humanidade seja conhecida! Certamente o apóstolo podia muito bem usar a expressão “as riquezas insondáveis de Cristo”.
Permita-me agora concluir este texto com três palavras de aplicação prática. Para maior conveniência, vou colocá-las em forma de perguntas, e convido cada leitor deste volume a examiná-las calmamente e tentar dar-lhes uma resposta.
(1) Primeiro, então, permita-me perguntar: o que você pensa de si mesmo? O que São Paulo pensava de si mesmo você já viu e ouviu. Agora, quais são seus pensamentos sobre si mesmo? Você já descobriu aquela grandiosa verdade fundamental de que você é um pecador, um pecador culpado aos olhos de Deus?
O clamor por mais educação em nossos dias é alto e incessante. A ignorância é universalmente deplorada. Mas, pode acreditar, não há ignorância tão comum e tão prejudicial como a ignorância de nós mesmos. Sim: os homens podem conhecer todas as artes, ciências, línguas, economia política e estratégias de Estado, e ainda assim serem miseravelmente ignorantes de seus próprios corações e de seu próprio estado diante de Deus.
Esteja muito certo de que o autoconhecimento é o primeiro passo para o céu. Conhecer a perfeição indescritível de Deus e a nossa própria imensa imperfeição—ver nossa indizível falibilidade e corrupção—é o A B C da religião salvadora. Quanto mais luz interior verdadeira tivermos, mais humildes e modestos seremos, e mais entenderemos o valor daquela coisa desprezada, o Evangelho de Cristo. Aquele que pensa o pior de si mesmo e de suas próprias ações é, talvez, o melhor cristão diante de Deus. Seria bom para muitos se orassem, dia e noite, esta simples oração—"Senhor, mostra-me a mim mesmo."
(2) Em segundo lugar, o que você pensa dos ministros de Cristo? Por mais estranha que essa pergunta possa parecer, acredito sinceramente que o tipo de resposta que um homem daria a ela, se falasse honestamente, é muitas vezes um teste justo do estado do seu coração.
Observe, não estou perguntando o que você pensa de um clérigo preguiçoso, mundano e incoerente—um sentinela adormecido e pastor infiel. Não! Pergunto o que você pensa do ministro fiel de Cristo, que expõe honestamente o pecado e fere a sua consciência. Preste atenção em como você responde a essa pergunta. Muitos, hoje em dia, gostam apenas daqueles ministros que profetizam coisas suaves e deixam seus pecados em paz, que lisonjeiam seu orgulho e divertem seu gosto intelectual, mas que nunca soam um alarme e nunca falam da ira vindoura. Quando Acabe viu Elias, disse: "Achaste-me, ó inimigo meu?" (1 Reis 21. 20). Quando Micaías foi mencionado a Acabe, ele clamou: "Eu o aborreço, porque nunca profetiza de mim o bem, mas só o mal" (1 Reis 22. 8). Ai, há muitos como Acabe no século 19! Eles gostam de um ministério que não os deixa desconfortáveis, nem os manda para casa inquietos. Como é com você? Oh, acredite, ele é o melhor amigo que lhe diz a maior quantidade de verdades! É um sinal maligno na Igreja quando as testemunhas de Cristo são silenciadas ou perseguidas, e os homens odeiam aquele que os repreende (Isaías 29. 21). Foi uma declaração solene do profeta a Amazias: "Agora sei que Deus já deliberou destruir-te, porque fizeste isso, e não deste ouvidos ao meu conselho" (2 Crônicas 25. 16).
(3) Por fim, o que você pensa do próprio Cristo? Ele é grande ou pequeno aos seus olhos? Ele vem em primeiro ou em segundo lugar na sua consideração? Ele está à frente ou atrás de Sua Igreja, de Seus ministros, de Seus sacramentos, de Suas ordenanças? Onde Ele está em seu coração e na visão da sua mente?
Afinal de contas, esta é a questão das questões! Perdão, paz, descanso da consciência, esperança na morte, o próprio céu—tudo depende da nossa resposta. Conhecer Cristo é vida eterna. Estar sem Cristo é estar sem Deus. "Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida" (1 João 5. 12). Os amigos da educação puramente secular, os defensores entusiastas da reforma e do progresso, os adoradores da razão, do intelecto, da mente e da ciência, podem dizer o que quiserem, e fazer todo o possível para melhorar o mundo. Mas descobrirão que seu trabalho será em vão se não considerarem a queda do homem, se não houver lugar para Cristo em seus projetos. Há uma doença grave no coração da humanidade, que frustrará todos os seus esforços e derrotará todos os seus planos, e essa doença é o pecado. Oh, que as pessoas apenas vissem e reconhecessem a corrupção da natureza humana, e a inutilidade de todos os esforços para melhorar o homem que não sejam baseados no sistema de cura do Evangelho! Sim: a praga do pecado está no mundo, e nenhuma água jamais curará essa praga, exceto aquelas que fluem da fonte para todo pecado—um Cristo crucificado.
Mas, para concluir, onde está a jactância? Como disse um grande teólogo em seu leito de morte, "Estamos todos apenas meio acordados." O melhor cristão entre nós conhece muito pouco de seu glorioso Salvador, mesmo depois de ter aprendido a crer. Vemos através de um espelho, em enigma. Não compreendemos as "insondáveis riquezas" que há nEle. Quando despertarmos conforme Sua semelhança em outro mundo, ficaremos maravilhados por termos O conhecido tão imperfeitamente e O amado tão pouco. Busquemos conhecê-Lo melhor agora e viver em comunhão mais próxima com Ele. Vivendo assim, não sentiremos necessidade de sacerdotes humanos e confessionários terrenos. Sentiremos "Tenho tudo e abundância: não quero mais nada. Cristo morrendo por mim na cruz—Cristo sempre intercedendo por mim à direita de Deus—Cristo habitando em meu coração pela fé—Cristo em breve voltando para me reunir com todos os Seus, para nunca mais nos separarmos, Cristo é suficiente para mim. Tendo Cristo, possuo ‘insondáveis riquezas.’"
"O bem que tenho é suprido de Suas reservas,
O mal é apenas o que Ele julga ser o melhor;
Tendo-O como meu Amigo, sou rico sem mais nada,
E pobre sem Ele, ainda que de tudo possua:
Mudanças podem vir, aceito ou renuncio,
Contente enquanto for dEle, e Ele for meu.
"Enquanto aqui, ai de mim! conheço apenas metade de Seu amor,
Apenas meio O discirno, e apenas meio O adoro;
Mas quando encontrá-Lo nos reinos do alto,
Espero amá-Lo melhor, louvá-Lo mais,
E sentir, e contar, entre o coro divino,
Quão completamente sou dEle, e Ele é meu."
~
J. C. Ryle
Holiness.
Notas:
[1] Toda pessoa bem informada sabe que, na percepção da maioria, os Quakers e os Irmãos de Plymouth parecem ignorar totalmente o ofício ministerial.