10.abril.25
Sede aliviada.
“No último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a Mim e beba. Quem crê em Mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre” (João 7. 37, 38).
O texto que encabeça este capítulo contém um daqueles poderosos dizeres de Cristo que merecem ser impressos com letras de ouro. Todas as estrelas no céu são brilhantes e belas; contudo, até mesmo uma criança pode ver que uma estrela difere de outra em glória. Toda a Escritura é inspirada por Deus; mas o coração deve ser realmente frio e insensível para não perceber que alguns versículos são particularmente ricos e cheios. Dentre tais versículos, este texto é um.
Para enxergar toda a força e beleza do texto, devemos lembrar o lugar, o tempo e a ocasião em que ele foi pronunciado.
O lugar, então, era Jerusalém, a metrópole do judaísmo, e o reduto de sacerdotes e escribas, de fariseus e saduceus.—A ocasião era a Festa dos Tabernáculos, uma daquelas grandes festas anuais em que todo judeu, se pudesse, subia ao templo, conforme a lei.—O tempo era “o último dia da festa”, quando todas as cerimônias estavam chegando ao fim, quando a água tirada da fonte de Siloé, segundo o costume tradicional, havia sido solenemente derramada sobre o altar, e nada restava aos adoradores senão voltar para casa.
Neste momento crítico, nosso Senhor Jesus Cristo “pôs-se” em um lugar de destaque e falou às multidões reunidas. Não duvido de que Ele tenha lido seus corações. Viu-os partindo com consciências doídas e mentes insatisfeitas, nada tendo recebido de seus guias cegos, os fariseus e saduceus, e carregando apenas uma lembrança estéril de pomposos rituais. Viu-os, compadeceu-Se deles, e clamou em alta voz, como um arauto: “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba.”—Que isso tenha sido tudo o que nosso Senhor disse nesta ocasião memorável, atrevo-me a duvidar. Suspeito que seja apenas a nota principal de Seu discurso. Mas imagino que esta foi a primeira sentença que saiu de Seus lábios: “Se alguém tem sede, venha a Mim.” Se alguém deseja água viva e satisfatória, venha a MIM.
Permitam-me lembrar aos leitores, de passagem, que nenhum profeta ou apóstolo jamais se atreveu a usar uma linguagem como esta. “Vem conosco” disse Moisés a Hobabe (Números 10. 29); “Vinde às águas” diz Isaías (Isaías 55. 1); “Eis o Cordeiro” diz João Batista (João 1. 29); “Crê no Senhor Jesus Cristo” diz São Paulo (Atos 16. 31). Mas ninguém, exceto Jesus de Nazaré, jamais disse: “Venha a MIM.” Esse fato é muito significativo. Aquele que disse, “Venha a Mim”, sabia e sentia, ao dizê-lo, que era o eterno Filho de Deus, o Messias prometido, o Salvador do mundo.
Há três pontos neste grande dizer de nosso Senhor aos quais agora proponho dirigir a atenção.
I. Você tem um caso suposto: “Se alguém tem sede.”
II. Você tem um remédio proposto: “Venha a Mim e beba.”
III. Você tem uma promessa oferecida: “Quem crê em Mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre.”
Cada um desses pontos diz respeito a todos aqueles em cujas mãos este escrito possa cair. Sobre cada um deles tenho algo a dizer.
I. Em primeiro lugar, então, você tem um caso suposto. Nosso Senhor diz: “Se alguém tem sede.”
A sede corporal é notoriamente a sensação mais dolorosa à qual o corpo do homem mortal está sujeito. Leia a história dos miseráveis sofredores no buraco negro de Calcutá.—Pergunte a qualquer um que tenha viajado por planícies desertas sob um sol tropical.—Ouça o que qualquer velho soldado lhe dirá sobre a principal necessidade dos feridos em um campo de batalha.—Lembre-se do que passam as tripulações de navios perdidos em pleno oceano, lançadas por dias em botes sem água.—Observe as palavras terríveis do homem rico na parábola: “Manda Lázaro que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.” (Lucas 16. 24). O testemunho é unânime. Não há nada tão terrível e difícil de suportar quanto a sede.
Mas, se a sede física é tão dolorosa, quanto mais dolorosa é a sede da alma? O sofrimento físico não é a pior parte do castigo eterno. É uma coisa leve, mesmo neste mundo, comparado ao sofrimento da mente e do homem interior. Ver o valor de nossas almas e descobrir que estão em perigo de ruína eterna — sentir o peso do pecado não perdoado e não saber para onde se voltar em busca de alívio — ter uma consciência doente e perturbada e ignorar o remédio — descobrir que estamos morrendo, morrendo diariamente, e ainda assim despreparados para encontrar Deus — ter alguma visão clara de nossa própria culpa e maldade, e ainda estar em completa escuridão quanto à absolvição — isso é o grau mais alto de dor — a dor que consome alma e espírito e penetra juntas e medulas! E esta, sem dúvida, é a sede da qual nosso Senhor está falando. É a sede por perdão, absolvição e paz com Deus. É o anseio de uma consciência verdadeiramente despertada, buscando satisfação e não sabendo onde encontrá-la, caminhando por lugares áridos e incapaz de encontrar descanso.
Esta é a sede que os judeus sentiram quando Pedro lhes pregou no dia de Pentecostes. Está escrito que eles "compungiram-se em seus corações e disseram: Homens irmãos, que faremos?" (Atos 2. 37).
Esta é a sede que o carcereiro de Filipos sentiu, quando despertou para a consciência de seu perigo espiritual e sentiu o terremoto fazendo a prisão tremer sob seus pés. Está escrito que ele "tremendo, prostrou-se diante de Paulo e Silas; e tirando-os para fora, disse: Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?" (Atos 16. 30).
Esta é a sede que muitos dos maiores servos de Deus parecem ter sentido quando a luz primeiramente rompeu em suas mentes. Agostinho buscando descanso entre os hereges maniqueus e não encontrando — Lutero tateando em busca da verdade entre os monges no Mosteiro de Erfurt — John Bunyan agonizando em meio a dúvidas e conflitos em sua cabana em Elstow — George Whitefield gemendo sob austeridades autoimpostas, por falta de ensinamento claro, enquanto era um estudante universitário em Oxford — todos deixaram registrado seu testemunho. Creio que todos eles sabiam o que nosso Senhor quis dizer quando falou de "sede".
E certamente não é exagero dizer que todos nós deveríamos conhecer algo dessa sede, ainda que não tanto quanto Agostinho, Lutero, Bunyan ou Whitefield. Vivendo como vivemos em um mundo que morre — sabendo como sabemos, se quisermos confessar, que existe um mundo além da sepultura, e que depois da morte vem o juízo — sentindo, como devemos sentir em nossos melhores momentos, quão pobres, fracos, instáveis e defeituosos somos todos, e quão despreparados estamos para encontrar Deus — conscientes, como devemos ser, no mais íntimo de nossos corações, de que do uso de nosso tempo depende nosso lugar na eternidade — deveríamos sentir e perceber algo semelhante à "sede" por um senso de paz com o Deus vivo. Mas, ai de nós, nada prova tão conclusivamente a natureza caída do homem como a falta geral e comum de apetite espiritual! Por dinheiro, por poder, por prazer, por posição, por honra, por distinção — por todas essas coisas a vasta maioria agora anseia intensamente. Para liderar batalhas desesperadas, cavar em busca de ouro, assaltar uma brecha, tentar abrir caminho através do gelo espesso até o Polo Norte — para todos esses objetivos não falta aventureiros e voluntários. Feroz e incessante é a competição por essas coroas corruptíveis! Mas poucos, de fato, em comparação, são os que têm sede da vida eterna. Não é de admirar que o homem natural seja chamado nas Escrituras de "morto", "adormecido", cego e surdo. Não é de admirar que se diga que precisa de um novo nascimento e de uma nova criação. Não há sintoma mais seguro de mortificação no corpo do que a perda total de sensibilidade. Não há sinal mais doloroso de um estado doentio da alma do que a completa ausência de sede espiritual. Ai daquele homem de quem o Salvador pode dizer: "Tu não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu" (Apocalipse 3. 17).
Mas quem há entre os leitores deste texto que sente o peso do pecado e anseia por paz com Deus? Quem há que realmente sente as palavras da nossa Confissão do Livro de Oração: "Errei e me desviei como uma ovelha perdida — não há saúde em mim — sou um miserável ofensor"? Quem há que entra na plenitude do nosso Serviço de Comunhão e pode dizer com verdade: "A lembrança dos meus pecados é penosa, e o peso deles é intolerável"? Você é o homem que deve agradecer a Deus. Um senso de pecado, culpa e pobreza de alma é a primeira pedra colocada pelo Espírito Santo quando Ele constrói um templo espiritual. Ele convence do pecado. A luz foi a primeira coisa chamada à existência na criação material (Gênesis 1. 3). Luz sobre o nosso próprio estado é a primeira obra na nova criação. Alma sedenta, digo novamente, você é a pessoa que deve agradecer a Deus. O reino de Deus está perto de você. Não é quando começamos a nos sentir bons, mas quando nos sentimos maus, que damos o primeiro passo em direção ao céu. Quem te ensinou que estavas nu? De onde veio esta luz interior? Quem abriu teus olhos e te fez ver e sentir? Saiba hoje que carne e sangue não te revelaram estas coisas, mas nosso Pai que está nos céus. Universidades podem conferir diplomas, e escolas podem transmitir o conhecimento de todos os mistérios, mas não podem fazer os homens sentirem o pecado. Perceber a nossa necessidade espiritual e sentir verdadeira sede espiritual é o A B C do cristianismo salvador.
É uma grande declaração de Eliú, no livro de Jó: "Deus olha para os homens, e, se alguém disser: Pequei, e perverti o que era reto, e isso não me aproveitou; Deus redimirá sua alma da cova, e a sua vida verá a luz" (Jó 33. 27, 28). Aquele que sabe algo da sede espiritual não deve se envergonhar. Antes, deve levantar a cabeça e começar a ter esperança. Deve orar para que Deus continue a obra que começou e faça com que ele sinta ainda mais.
II. Passo do caso suposto para o remédio proposto. "Se alguém tem sede", diz nosso bendito Senhor Jesus Cristo, "venha a mim, e beba".
Há uma grandiosa simplicidade nesta pequena frase que não pode ser admirada demais. Não há uma palavra nela cujo significado literal não seja claro para uma criança. Contudo, por mais simples que pareça, é rica em significado espiritual. Como o diamante Koh-i-noor, que se pode carregar entre os dedos, ela tem valor indescritível. Resolve aquele enorme problema que todos os filósofos da Grécia e de Roma nunca puderam resolver: "Como pode o homem ter paz com Deus?" Coloque-a em sua memória lado a lado com outros seis ditos dourados do seu Senhor. "Eu sou o Pão da vida: aquele que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim nunca terá sede" — "Eu sou a Luz do mundo: aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida" — "Eu sou a Porta: se alguém entrar por mim, será salvo" — "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida: ninguém vem ao Pai senão por mim" — "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" — "Aquele que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora" — Acrescente a estes seis textos o que está diante de você hoje. Guarde os sete no coração. Grave-os firmemente em sua mente e nunca os deixe escapar. Quando seus pés tocarem o frio rio, no leito da enfermidade e na hora da morte, você encontrará nestes sete textos um tesouro acima de todo preço (João 6. 35; 8. 12; 10. 9; 14. 6; Mateus 11. 28; João 6. 37).
Pois qual é o resumo e a substância destas simples palavras? É isto: Cristo é a Fonte de água viva que Deus graciosamente providenciou para as almas sedentas. Dele, como da rocha ferida por Moisés, flui um abundante rio para todos os que viajam pelo deserto deste mundo. Nele, como nosso Redentor e Substituto, crucificado por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação, há um suprimento interminável de tudo o que os homens podem precisar — perdão, absolvição, misericórdia, graça, paz, descanso, alívio, conforto e esperança.
Essa rica provisão Cristo comprou para nós ao preço do Seu próprio sangue precioso. Para abrir esta fonte maravilhosa, Ele sofreu pelo pecado, o justo pelos injustos, e carregou os nossos pecados em Seu próprio corpo sobre o madeiro. Ele foi feito pecado por nós, Aquele que não conheceu pecado, para que fôssemos feitos justiça de Deus n'Ele (1 Pedro 2. 24; 3. 18; 2 Coríntios 5. 21). E agora Ele está selado e designado para ser o Aliviador de todos os que estão cansados e sobrecarregados, e o Doador da água viva para todos os que têm sede. É Sua função receber pecadores. É Seu prazer conceder-lhes perdão, vida e paz. E as palavras do texto são uma proclamação que Ele faz a toda a humanidade: “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba”.
A eficácia de um remédio depende em grande medida do modo como é usado. A melhor receita do melhor médico é inútil se recusarmos seguir as instruções que a acompanham. Suportai a palavra de exortação enquanto ofereço alguns avisos e conselhos sobre a Fonte da água viva.
(a) Aquele que tem sede e quer alívio deve vir ao próprio Cristo. Não deve se contentar em vir à Sua Igreja e às Suas ordenanças, ou às assembleias do Seu povo para oração e louvor. Não deve parar sequer em Sua santa mesa, nem satisfazer-se com o simples ato de abrir seu coração em particular aos ministros ordenados. Oh, não! aquele que se contenta apenas em beber dessas águas “tornará a ter sede” (João 4. 13). Deve ir mais alto, mais longe, muito mais longe do que isso. Deve ter um trato pessoal com o próprio Cristo: tudo o mais na religião é inútil sem Ele. O palácio do Rei, os servos que o atendem, o salão de banquetes ricamente mobiliado, o próprio banquete — tudo é nada se não falarmos com o Rei. Somente Sua mão pode tirar o fardo das nossas costas e nos fazer sentir livres. A mão do homem pode tirar a pedra do sepulcro e mostrar o morto; mas só Jesus pode dizer ao morto: “Vem para fora e vive” (João 11. 41-43). Devemos lidar diretamente com Cristo.
(b) Ainda: aquele que tem sede e quer alívio de Cristo deve realmente vir a Ele. Não basta desejar, falar, pretender, resolver, e esperar. O inferno, essa terrível realidade, é verdadeiramente dito ser pavimentado com boas intenções. Milhares se perdem anualmente dessa maneira, e perecem miseravelmente à beira do porto. Vivem pretendendo e esperando; morrem pretendendo e esperando. Oh, não! devemos “levantar e ir”! Se o filho pródigo tivesse se contentado em dizer: “Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui pereço de fome! Espero um dia voltar para casa”, poderia ter permanecido para sempre entre os porcos. Foi quando ele se levantou e foi até seu pai que este correu para encontrá-lo, e disse: “Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho. — Comamos e alegremo-nos” (Lucas 15. 20-23). Como ele, devemos não apenas “cair em si” e refletir, mas devemos realmente ir ao Sumo Sacerdote, a Cristo. Devemos ir ao Médico.
(c) Mais uma vez: aquele que tem sede e quer vir a Cristo deve lembrar-se de que a fé simples é a única coisa exigida. Por todos os meios, venha com um coração penitente, quebrantado e contrito; mas não sonhe em repousar nisso para ser aceito. A fé é a única mão que pode levar a água viva aos nossos lábios. A fé é a dobradiça sobre a qual tudo gira na questão da nossa justificação. Está escrito repetidas vezes que “todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3. 15, 16). “Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça” (Romanos 4. 5). Feliz é aquele que pode se apegar ao princípio expresso naquele inigualável hino:
Tal como estou, eis-me, Senhor,
Sem nada ter pra oferecer;
Senão teu sangue, Salvador;
E teu convite a me acolher!
Quão simples este remédio para a sede parece! Mas oh, quão difícil é persuadir algumas pessoas a aceitá-lo! Dize-lhes para fazer alguma grande obra, para mortificar seus corpos, para fazer uma peregrinação, para dar todos os seus bens aos pobres, e assim merecer a salvação, e eles tentarão fazer o que lhes foi ordenado. Dize-lhes para lançar fora toda ideia de mérito, de obras ou de feitos, e vir a Cristo como pecadores vazios, sem nada em suas mãos, e, como Naamã, estarão prontos para se afastar com desdém (2 Reis 5. 12). A natureza humana é sempre a mesma em todas as eras. Ainda há alguns como os judeus, e outros como os gregos. Para os judeus, Cristo crucificado ainda é escândalo, e para os gregos, loucura. A sucessão deles, em todo caso, jamais cessou! Nunca nosso Senhor disse palavra mais verdadeira do que aquela que falou aos orgulhosos escribas no Sinédrio: “e não quereis vir a mim para terdes vida” (João 5. 40).
Mas, por mais simples que esse remédio para a sede possa parecer, ele é a única cura para a doença espiritual do homem, e a única ponte da terra para o céu. Reis e seus súditos, pregadores e ouvintes, senhores e servos, altos e baixos, ricos e pobres, instruídos e ignorantes, todos devem igualmente beber desta água da vida, e beber do mesmo modo. Durante dezoito séculos os homens se esforçaram para encontrar algum outro remédio para consciências cansadas; mas trabalharam em vão. Milhares, depois de calejarem as mãos e embranquecerem os cabelos cavando “cisternas rotas que não retêm águas” (Jeremias 2. 13), foram obrigados a voltar finalmente para a velha Fonte, e confessaram em seus últimos momentos que aqui, em Cristo somente, está a verdadeira paz.
E, por mais simples que o velho remédio para a sede possa parecer, ele é a raiz da vida interior de todos os grandes servos de Deus em todas as eras. O que têm sido os santos e mártires em toda a história da Igreja, senão homens que vieram a Cristo diariamente pela fé, e encontraram “Sua carne verdadeiramente como comida e Seu sangue verdadeiramente como bebida?” (João 6. 55.) O que foram todos eles, senão homens que viveram a vida de fé no Filho de Deus, e beberam diariamente da plenitude que há nEle? (Gálatas 2. 20.) Aqui, pelo menos, os cristãos mais verdadeiros e melhores, que deixaram sua marca no mundo, têm sido unânimes. Santos Padres e Reformadores, santos teólogos anglicanos e puritanos, santos episcopais e não-conformistas, todos em seus melhores momentos deram testemunho unânime do valor da Fonte da vida. Separados e contenciosos como às vezes foram em vida, em sua morte não foram divididos. Em sua última luta com o rei dos terrores, simplesmente se apegaram à cruz de Cristo e se gloriaram em nada além do “precioso sangue” e da Fonte aberta para todo pecado e impureza.
Quão agradecidos deveríamos ser por vivermos em uma terra onde o grande remédio para a sede espiritual é conhecido—em uma terra de Bíblias abertas, Evangelho pregado e abundantes meios de graça—em uma terra onde a eficácia do sacrifício de Cristo ainda é proclamada, com maior ou menor plenitude, em 20.000 púlpitos todos os domingos! Não percebemos o valor dos nossos privilégios. A própria familiaridade com o maná nos faz desprezá-lo, assim como Israel detestou “o pão vil” no deserto (Números 21. 5). Mas volte-se para as páginas de um filósofo pagão como o incomparável Platão, e veja como ele tateava em busca da luz como quem está vendado, e se cansava tentando encontrar a porta. O mais humilde camponês que compreende as quatro “palavras confortáveis” do nosso belo Serviço de Comunhão no Livro de Oração Comum sabe mais sobre o caminho da paz com Deus do que o sábio ateniense.—Volte-se para os relatos que viajantes e missionários confiáveis dão sobre a condição dos pagãos que nunca ouviram o Evangelho. Leia sobre os sacrifícios humanos na África, e as horríveis torturas autoimpostas dos devotos da Índia, e lembre-se de que tudo isso é resultado de uma “sede” não saciada e de um desejo cego e insatisfeito de se aproximar de Deus. E então aprenda a ser grato por seu destino ter sido lançado em uma terra como a sua. Ai de nós, temo que Deus tenha uma controvérsia conosco por nossa ingratidão! Frio, de fato, e morto deve ser o coração que pode estudar a condição da África, da China e da Índia, e não agradecer a Deus por viver na Inglaterra cristã.
III. Volto-me, por fim, para a promessa feita a todos os que vêm a Cristo. “Quem crê em Mim, como diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água viva.”
O assunto das promessas das Escrituras é vasto e dos mais interessantes. Duvido que receba a atenção que merece nos dias atuais. “As Promessas da Escritura”, de Clarke, é um livro antigo que, suspeito, é muito menos estudado agora do que era nos dias de nossos pais. Poucos cristãos percebem o número, e a extensão, e a largura, e a profundidade, e a altura, e a variedade dos preciosos “será” e “há de” guardados na Bíblia para benefício e encorajamento especial de todos que os utilizarem.
Ainda assim, a promessa está na base de quase todas as transações entre os homens nos negócios desta vida. A grande maioria dos filhos de Adão, em todo país civilizado, age todos os dias com base na fé em promessas. O trabalhador rural labuta de segunda-feira de manhã até sábado à noite, porque acredita que ao final da semana receberá o salário prometido. O soldado se alista no exército, e o marinheiro registra seu nome nos livros da marinha, na plena confiança de que aqueles sob quem servem, em algum momento futuro, lhes darão o pagamento prometido. A mais humilde empregada doméstica trabalha dia após dia em suas tarefas designadas, acreditando que sua patroa lhe pagará o salário prometido. Nos negócios das grandes cidades, entre comerciantes, banqueiros e lojistas, nada poderia ser feito sem uma fé incessante em promessas. Todo homem sensato sabe que cheques, letras e notas promissórias são os únicos meios pelos quais a imensa maioria dos negócios comerciais pode ser realizada. Homens de negócios são compelidos a agir pela fé e não pela vista. Eles acreditam em promessas e esperam ser acreditados. Na verdade, promessas, fé em promessas e ações que surgem da fé em promessas são a espinha dorsal de nove décimos de todas as relações humanas na cristandade.
Agora, promessas, da mesma maneira, na religião da Bíblia, são um dos grandes meios pelos quais Deus se aproxima da alma do homem. O estudante atento das Escrituras não pode deixar de observar que Deus continuamente oferece incentivos ao homem para ouvi-Lo, obedecê-Lo e servi-Lo, comprometendo-Se a fazer grandes coisas, se o homem apenas atender e crer. Em resumo, como diz São Pedro, “foram-nos dadas preciosas e grandíssimas promessas” (2 Pedro 1. 4). Aquele que misericordiosamente fez com que toda a Sagrada Escritura fosse escrita para nosso ensino mostrou Seu perfeito conhecimento da natureza humana, espalhando sobre o Livro uma perfeita abundância de promessas, adequadas a todo tipo de experiência e a toda condição de vida. Ele parece dizer, “Você gostaria de saber o que Eu me comprometo a fazer por você? Quer ouvir Meus termos?” — “Pegue a Bíblia e leia.”
Mas há uma grande diferença entre as promessas dos filhos de Adão e as promessas de Deus, que jamais deve ser esquecida. As promessas do homem não são certas de serem cumpridas. Com as melhores intenções e desejos, ele nem sempre pode manter sua palavra. Doença e morte podem intervir como homens armados e tirar deste mundo aquele que promete. Guerra, pestilência, fome, falha nas colheitas ou furacões podem privá-lo de seus bens, tornando impossível cumprir seus compromissos. As promessas de Deus, pelo contrário, são certas de serem cumpridas. Ele é Todo-Poderoso: nada pode impedir que faça o que disse. Ele nunca muda: Ele é sempre “de um mesmo parecer”, e n’Ele “não há mudança nem sombra de variação” (Jó 23. 13; Tiago 1. 17). Ele sempre cumprirá Sua palavra. Há uma coisa que, como uma menininha disse certa vez a seu professor, para sua surpresa, Deus não pode fazer: “É impossível que Deus minta” (Hebreus 6. 18). As coisas mais improváveis e improváveis, quando Deus disse que faria, sempre aconteceram. A destruição do velho mundo pelo dilúvio e a preservação de Noé na arca, o nascimento de Isaque, a libertação de Israel do Egito, a elevação de Davi ao trono de Saul, o nascimento miraculoso de Cristo, a ressurreição de Cristo, a dispersão dos judeus por toda a terra e sua contínua preservação como um povo distinto — quem poderia imaginar eventos mais improváveis do que esses? No entanto, Deus disse que assim seria, e no devido tempo todos se cumpriram. Na verdade, para Deus, é tão fácil fazer algo quanto dizer que fará. Tudo o que Ele promete, Ele certamente cumprirá.
Sobre a variedade e a riqueza das promessas das Escrituras, muito mais poderia ser dito do que é possível num curto texto como este. Seus nomes são legião. O assunto é quase inesgotável. Há dificilmente um passo na vida do homem, da infância à velhice, dificilmente uma posição na qual o homem possa ser colocado, para a qual a Bíblia não ofereça encorajamento a todo aquele que deseja fazer o que é certo aos olhos de Deus. Há “há de” e “será” no tesouro de Deus para toda condição. Sobre a infinita misericórdia e compaixão de Deus — sobre Sua disposição de receber todos os que se arrependem e crêem — sobre Sua vontade de perdoar, absolver e perdoar o maior dos pecadores — sobre Seu poder de mudar corações e alterar nossa natureza corrupta — sobre os incentivos para orar, ouvir o Evangelho e se aproximar do trono da graça — sobre força para o dever, conforto na tribulação, orientação na perplexidade, ajuda na doença, consolação na morte, sustento na perda, felicidade além do túmulo, recompensa na glória — sobre todas essas coisas há um abundante suprimento de promessas na Palavra. Ninguém pode ter ideia de sua abundância, a menos que pesquise cuidadosamente as Escrituras, mantendo o assunto firmemente em vista. Se alguém duvida, só posso dizer, “Venha e veja.” Como a Rainha de Sabá na corte de Salomão, você logo dirá, “Nem ainda metade me foi contada” (1 Reis 10. 7).
A promessa de nosso Senhor Jesus Cristo, que encabeça este texto, é algo peculiar. É singularmente rica em encorajamento para todos os que sentem sede espiritual e vêm a Ele em busca de alívio, e, portanto, merece atenção especial. A maioria das promessas de nosso Senhor refere-se especialmente ao benefício da pessoa a quem são dirigidas. A promessa diante de nós toma um alcance muito mais amplo: parece referir-se a muitos outros além daqueles a quem Ele falou. Pois que diz Ele? — "Quem crê em Mim, como diz a Escritura" (e ensina por toda parte), "do seu interior fluirão rios de água viva. E isto disse Ele do Espírito que haviam de receber os que nEle cressem." Sem dúvida estas palavras são figurativas — figurativas, como as palavras anteriores da sentença — figurativas, como "sede" e "beber". Mas todas as figuras das Escrituras contêm grandes verdades; e o que a figura diante de nós pretendia transmitir eu agora tentarei mostrar.
(1) Em primeiro lugar, então, eu creio que nosso Senhor quis dizer que aquele que vem a Ele pela fé receberá um suprimento abundante de tudo o que possa desejar para o alívio das necessidades de sua própria alma. O Espírito lhe transmitirá um senso permanente de perdão, paz e esperança, de modo que será em seu homem interior como uma fonte que nunca seca. Ele se sentirá tão satisfeito com "as coisas de Cristo", que o Espírito lhe mostrará (João 16. 15), que ele descansará da ansiedade espiritual acerca da morte, do juízo e da eternidade. Ele poderá ter seus períodos de escuridão e dúvida, por causa de suas próprias fraquezas ou das tentações do diabo. Mas, de modo geral, quando ele tiver vindo a Cristo pela fé, encontrará em seu coração uma fonte inesgotável de consolação. Isto, compreendamos, é a primeira coisa que a promessa diante de nós contém. "Apenas vem a Mim, pobre alma ansiosa", nosso Senhor parece dizer — "Apenas vem a Mim, e tua ansiedade espiritual será aliviada. Colocarei em teu coração, pelo poder do Espírito Santo, tal senso de perdão e paz, através da Minha expiação e intercessão, que jamais tornarás a ter sede completamente. Poderás ter tuas dúvidas, teus temores e teus conflitos, enquanto estiveres no corpo. Mas, uma vez tendo vindo a Mim e Me escolhido como teu Salvador, jamais te sentirás totalmente sem esperança. A condição de teu homem interior será tão completamente mudada que sentirás como se houvesse dentro de ti uma fonte de água sempre fluente."
Que diremos a estas coisas? Declaro minha própria crença de que sempre que um homem ou mulher realmente vem a Cristo pela fé, encontra esta promessa cumprida. Pode ser que ele esteja fraco na graça e tenha muitas dúvidas sobre sua própria condição. Pode ser que ele não se atreva a dizer que é convertido, justificado, santificado e apto para a herança dos santos na luz. Mas, apesar disso, ouso dizer que o mais humilde e fraco crente em Cristo tem algo dentro de si que não trocaria por nada, embora talvez ainda não o compreenda plenamente. E o que é esse "algo"? É justamente aquele "rio de água viva" que começa a correr no coração de todo filho de Adão assim que ele vem a Cristo e bebe. Neste sentido, creio que esta maravilhosa promessa de Cristo é sempre cumprida.
(2) Mas será que isto é tudo o que está contido na promessa que encabeça este texto? De modo algum. Ainda resta muito mais. Há mais por vir. Creio que nosso Senhor quis que entendêssemos que aquele que vem a Ele pela fé não apenas terá um suprimento abundante de tudo o que precisa para sua própria alma, mas também se tornará uma fonte de bênção para as almas de outros. O Espírito que habita nele fará dele uma fonte de bem para seus semelhantes, de modo que, no último dia, se verificará que "rios de água viva" fluíram dele.
Esta é uma parte importantíssima da promessa de nosso Senhor e abre um assunto que raramente é compreendido e assimilado por muitos cristãos. Mas é um tema de profundo interesse e merece muito mais atenção do que recebe. Creio que é uma verdade de Deus. Creio que, assim como "nenhum homem vive para si" (Romanos 14. 7), também nenhum homem é convertido apenas para si; e que a conversão de um homem ou mulher sempre leva, na maravilhosa providência de Deus, à conversão de outros. Não digo por um momento que todos os crentes saibam disso. Acho muito mais provável que muitos vivam e morram na fé sem estarem cientes de que fizeram bem a qualquer alma. Mas creio que a manhã da ressurreição e o dia do juízo, quando a história secreta de todos os cristãos for revelada, provarão que o pleno significado da promessa diante de nós jamais falhou. Duvido que haja algum crente que não tenha sido para alguém um "rio de água viva" — um canal através do qual o Espírito transmitiu a graça salvadora. Mesmo o ladrão arrependido, por mais breve que tenha sido o tempo após seu arrependimento, tem sido fonte de bênção para milhares de almas!
(a) Alguns crentes são "rios de água viva" enquanto vivem. Suas palavras, sua conversação, sua pregação, seu ensino, são todos meios pelos quais a água da vida fluiu para os corações de seus semelhantes. Tais foram, por exemplo, os Apóstolos, que não escreveram Epístolas, mas apenas pregaram a Palavra. Tais foram Lutero, Whitefield, Wesley, Berridge, Rowlands e milhares de outros, dos quais agora não posso falar particularmente.
(b) Alguns crentes são "rios de água viva" quando morrem. A coragem deles ao enfrentar o rei dos terrores, sua ousadia nos sofrimentos mais dolorosos, sua fidelidade inabalável à verdade de Cristo, mesmo na fogueira, e a paz manifesta à beira do túmulo — tudo isso fez milhares refletirem e levou centenas ao arrependimento e à fé. Tais foram, por exemplo, os mártires primitivos perseguidos pelos imperadores romanos. Tais foram John Huss e Jerônimo de Praga. Tais foram Cranmer, Ridley, Latimer, Hooper e o nobre exército de mártires marianos. A obra que realizaram em suas mortes, como Sansão, foi muito maior do que a obra realizada em suas vidas.
(c) Alguns crentes são "rios de água viva" muito tempo depois de morrerem. Eles fazem o bem por meio de seus livros e escritos em todas as partes do mundo, muito tempo depois que as mãos que seguravam a pena já se desfizeram em pó. Tais homens foram Bunyan, Baxter, Owen, George Herbert e Robert M’Cheyne. Esses benditos servos de Deus provavelmente fazem mais bem atualmente por meio de seus livros do que fizeram com suas palavras enquanto vivos. "Estando morto ainda fala" (Hebreus 11. 4).
(d) Finalmente, há alguns crentes que são "rios de água viva" pela beleza de sua conduta e comportamento diário. Há muitos cristãos tranquilos, gentis e constantes que não fazem alarde nem barulho no mundo e, ainda assim, exercem insensivelmente uma profunda influência para o bem sobre todos ao seu redor. Eles "ganham sem palavra" (1 Pedro 3. 1). Seu amor, sua bondade, seu temperamento doce, sua paciência, seu altruísmo, silenciosamente influenciam um vasto círculo e semeiam sementes de reflexão e autoanálise em muitas mentes. Foi um belo testemunho de uma senhora idosa que morreu em grande paz, dizendo que, sob Deus, devia sua salvação a Mr. Whitefield: — "Não foi nenhum sermão que ele pregou; não foi nada que ele tenha dito a mim. Foi a bela constância e bondade de sua vida diária, na casa onde ele estava hospedado, quando eu era uma menininha. Eu disse a mim mesma: se algum dia eu tiver alguma religião, o Deus de Mr. Whitefield será o meu Deus."
Apeguemo-nos todos a essa visão da promessa do nosso Senhor e jamais a esqueçamos. Não pense nem por um momento que sua própria alma será a única a ser salva se você vier a Cristo pela fé e segui-lo. Pense na bem-aventurança de ser um "rio de água viva" para outros. Quem poderá dizer que você não será o meio de trazer muitos outros a Cristo? Viva, aja, fale, ore e trabalhe, tendo isso continuamente em vista. Conheci uma família composta de pai, mãe e dez filhos, na qual a verdadeira religião começou com uma das filhas; e, quando começou, ela estava sozinha, e todos os outros membros da família estavam no mundo. E, no entanto, antes de morrer, ela viu tanto seus pais quanto todos os seus irmãos e irmãs convertidos a Deus, e tudo isso, humanamente falando, começou a partir da influência dela! Certamente, diante disso, não precisamos duvidar de que um crente pode ser para outros um "rio de água viva." As conversões podem não ocorrer no seu tempo, e você pode morrer sem vê-las. Mas nunca duvide de que a conversão geralmente leva a outras conversões, e que poucos vão para o céu sozinhos. Quando Grimshaw, de Haworth, o apóstolo do norte, morreu, deixou seu filho sem graça e sem Deus. Posteriormente, o filho se converteu, nunca tendo esquecido o conselho e o exemplo do pai. E suas últimas palavras foram: "O que dirá meu velho pai quando me vir no céu?" Tomemos coragem e sigamos com esperança, crendo na promessa de Cristo.
(1) E agora, antes de encerrar este texto, permita-me fazer-lhe uma pergunta direta. Você conhece algo sobre a sede espiritual? Já sentiu alguma preocupação genuína e profunda com relação à sua alma? — Temo que muitos nada saibam sobre isso. Aprendi, pela dolorosa experiência de um terço de século, que as pessoas podem frequentar a casa de Deus por anos e ainda assim nunca sentirem seus pecados ou desejarem ser salvas. Os cuidados deste mundo, o amor aos prazeres, a "concupiscência de outras coisas" sufocam a boa semente a cada domingo e a tornam infrutífera. Elas vão à igreja com corações tão frios quanto o piso de pedra sobre o qual caminham. Saem tão despreocupadas e inabaláveis quanto os velhos bustos de mármore que as observam dos monumentos nas paredes. Bem, pode ser assim; mas não desespero de ninguém, enquanto estiver vivo. Aquele grande sino da Catedral de São Paulo, em Londres, que há tantos anos marca as horas, raramente é ouvido por muitos durante o expediente. O clamor e o ruído do tráfego nas ruas têm um estranho poder de abafar seu som e impedir que as pessoas o ouçam. Mas, quando o trabalho diário termina, as mesas são trancadas, as portas fechadas, os livros guardados e a quietude reina na grande cidade, o caso muda. Quando o velho sino à noite marca onze, doze, uma, duas e três horas, milhares o ouvem, os quais não o ouviram durante o dia. E espero que assim também aconteça com muitos no tocante às suas almas. Agora, na plenitude da saúde e da força, na pressa e no turbilhão dos negócios, temo que a voz da sua consciência esteja frequentemente abafada, e você não a ouça. Mas pode chegar o dia em que o grande sino da consciência se fará ouvir, queira você ou não. Pode chegar o momento em que, posto de lado pela enfermidade e obrigado a permanecer em repouso, você seja forçado a olhar para dentro de si e considerar as questões da sua alma. E então, quando o grande sino da consciência despertada soar em seus ouvidos, espero que muitos que leem este texto ouçam a voz de Deus e se arrependam, aprendam a ter sede e venham a Cristo para alívio. Sim, oro a Deus para que você seja ensinado a sentir antes que seja tarde demais!
(2) Mas você sente algo neste exato momento? Sua consciência está desperta e atuante? Você percebe a sede espiritual e anseia por alívio? Então ouça o convite que trago em nome do meu Mestre neste dia: — “Se alguém”, não importa quem seja — se alguém, seja alto ou baixo, rico ou pobre, instruído ou ignorante — “se alguém tem sede, venha a Cristo e beba.” Ouça e aceite esse convite sem demora. Não espere por nada. Não espere por ninguém. Quem pode dizer que você não aguardará por “uma ocasião conveniente” até que seja tarde demais? A mão de um Redentor vivo está agora estendida desde o céu; mas pode ser retirada. A Fonte está aberta agora; mas pode em breve ser fechada para sempre. “Se alguém tem sede, venha e beba” sem demora. Embora você tenha sido um grande pecador e tenha resistido a advertências, conselhos e sermões, ainda assim venha. — Embora tenha pecado contra a luz e o conhecimento, contra o conselho de um pai e as lágrimas de uma mãe, embora tenha vivido por anos sem um domingo e sem oração, ainda assim venha. — Não diga que não sabe como vir, que não entende o que é crer, que deve esperar por mais luz. Um homem cansado diria que está cansado demais para se deitar? Ou um homem que está se afogando diria que não sabe como agarrar a mão estendida para ajudá-lo? Ou o marinheiro naufragado, com um barco salva-vidas ao lado do casco encalhado, diria que não sabe como pular para dentro? Oh, lance fora essas desculpas vãs! Levante-se e venha! A porta não está fechada. A fonte ainda não foi encerrada. O Senhor Jesus o convida. É suficiente que você sinta sede e deseje ser salvo. Venha: venha a Cristo sem demora. Quem já veio à fonte por causa do pecado e a encontrou seca? Quem já foi embora insatisfeito?
(3) Mas você já veio a Cristo e encontrou alívio? Então aproxime-se ainda mais. Quanto mais íntima for sua comunhão com Cristo, mais conforto você sentirá. Quanto mais você viver diariamente ao lado da Fonte, mais sentirá em si mesmo “uma fonte de água que jorra para a vida eterna” (João 4. 14). Você não apenas será abençoado, mas será uma fonte de bênçãos para outros.
Neste mundo mau, talvez você não sinta todo o conforto sensível que poderia desejar. Mas lembre-se de que não pode ter dois céus. A felicidade perfeita ainda está por vir. O diabo ainda não foi amarrado. Há “um tempo bom vindo” para todos os que sentem seus pecados, vêm a Cristo e confiam a Ele suas almas sedentas. Quando Ele voltar, estarão completamente satisfeitos. Recordarão todo o caminho pelo qual foram conduzidos e verão a necessidade de tudo o que lhes aconteceu. Acima de tudo, se maravilharão de terem vivido tanto tempo sem Cristo e hesitado em vir a Ele.
Há uma passagem na Escócia chamada Glencroe, que fornece uma bela ilustração do que o céu será para as almas que vêm a Cristo. A estrada através de Glencroe leva o viajante a subir uma longa e íngreme ascensão, com muitas voltas e reviravoltas em seu curso. Mas, ao chegar ao topo da passagem, vê-se uma pedra à beira do caminho com estas simples palavras inscritas: — “Descanse e seja agradecido.” Essas palavras descrevem o sentimento com que todo sedento que vem a Cristo entrará no céu. O cume do caminho estreito será finalmente nosso. Cessaremos nossas jornadas cansativas e nos sentaremos no reino de Deus. Olharemos para todo o caminho de nossas vidas com gratidão e veremos a perfeita sabedoria de cada passo da ascensão íngreme pela qual fomos conduzidos. Esqueceremos o cansaço da jornada ascendente no glorioso descanso. Aqui, neste mundo, nosso senso de descanso em Cristo é, na melhor das hipóteses, fraco e parcial: às vezes, mal parecemos provar plenamente “a água viva.” Mas, quando vier o que é perfeito, então o que é imperfeito será abolido. “Quando acordarmos à Sua semelhança, estaremos satisfeitos” (Salmo 17. 15). Beberemos do rio dos Seus prazeres e nunca mais teremos sede.
NOTA
Há um trecho em um antigo escritor que lança tanta luz sobre alguns pontos mencionados neste artigo, que não faço nenhuma desculpa por apresentá-lo ao leitor em sua totalidade. Ele vem de uma obra pouco conhecida e menos ainda lida. Fez-me bem, e creio que pode fazer bem a outros.
"Quando um homem é despertado, e trazido àquela situação à qual todos devem ser trazidos, ou a algo pior, 'Que devo fazer para ser salvo?' (Atos 16. 30, 31), temos a resposta apostólica para isso: 'Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.' Esta resposta é tão antiga que para muitos parece ultrapassada. Mas ela ainda é, e sempre será, fresca, nova, saborosa, e a única resolução para este grande caso de consciência, enquanto a consciência e o mundo existirem. Nenhuma inteligência ou arte humana jamais encontrará uma falha nela, nem ideará outra resposta melhor; nem pode qualquer outra senão esta curar devidamente a ferida de uma consciência despertada.
"Vamos colocar este homem para buscar resolução e alívio neste caso junto a alguns mestres de nosso Israel. De acordo com seus princípios, eles devem lhe dizer: 'Arrepende-te, chora pelos teus pecados conhecidos, abandona-os e detesta-os; e Deus terá misericórdia de ti.' 'Ai de mim!' (diz o pobre homem), 'meu coração é duro, e não consigo me arrepender como deveria: sim, percebo meu coração mais endurecido e vil do que quando eu estava seguro em meu pecado.' Se você falar a este homem sobre qualificações para Cristo, ele nada saberá delas; se sobre obediência sincera, sua resposta será natural e pronta: 'A obediência é obra de um homem vivo, e a sinceridade só existe em uma alma renovada.' A obediência sincera é, portanto, tão impossível para um pecador morto e não renovado quanto a obediência perfeita. Por que não se deveria dar a resposta correta ao pecador despertado: 'Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo'? Diga-lhe quem é Cristo, o que Ele fez e sofreu para obter a redenção eterna para os pecadores, e que isso foi segundo a vontade de Deus e de Seu Pai. Dê-lhe uma narrativa simples e direta da salvação do Evangelho realizada pelo Filho de Deus; conte-lhe a história e o mistério do Evangelho claramente. Talvez o Espírito Santo opere a fé por meio disso, como fez naqueles primeiros frutos dos gentios (Atos 10. 44).
"Se ele perguntar qual garantia tem para crer em Jesus Cristo, diga-lhe que possui uma necessidade absolutamente indispensável de fazê-lo; pois, sem crer n'Ele, perecerá eternamente. Diga-lhe que ele tem a graciosa oferta de Deus de Cristo e de toda Sua redenção; com a promessa de que, aceitando a oferta pela fé, Cristo e a salvação com Ele serão dele. Diga-lhe que ele tem o expresso mandamento de Deus (1 João 3. 23) para crer no nome de Cristo; e que deve ter a mesma consciência de obedecê-lo como a qualquer mandamento da lei moral. Diga-lhe da capacidade de Cristo e de Sua boa vontade para salvar; que jamais algum homem foi rejeitado por Ele ao lançar-se sobre Ele; que casos desesperadores são os triunfos gloriosos de Sua arte de salvar. Diga-lhe que não há meio-termo entre fé e incredulidade; que não há desculpa para negligenciar a fé e continuar na incredulidade; que crer no Senhor Jesus para a salvação é mais agradável a Deus do que toda obediência à Sua lei; e que a incredulidade é o mais provocador dos pecados para Deus, e o mais condenador para o homem. Contra a gravidade de seus pecados, a maldição da lei e a severidade de Deus como Juiz, não há outro alívio a ser apresentado a ele senão a livre e ilimitada graça de Deus no mérito da satisfação de Cristo pelo sacrifício de Si mesmo."
"Se ele disser: O que é crer em Jesus Cristo? Quanto a isso, não encontro tal pergunta na Palavra; mas que todos de algum modo entendiam o conceito dela: os judeus que não creram n’Ele (João 6. 28-30); os principais sacerdotes e fariseus (João 7. 48); o homem cego (João 9. 35). Quando Cristo lhe perguntou: Crês tu no Filho de Deus?, ele respondeu: Quem é Ele, Senhor, para que eu nele creia? Imediatamente, quando Cristo lhe disse (verso 37), ele não perguntou: O que é crer n’Ele?, mas disse: Senhor, creio; e o adorou: e assim professou e praticou a fé n’Ele. Assim também o pai do lunático (Marcos 9. 23, 24) e o eunuco (Atos 8. 37), todos eles, tanto os inimigos de Cristo como os Seus discípulos, sabiam que a fé n’Ele era crer que o Homem Jesus de Nazaré era o Filho de Deus, o Messias e Salvador do mundo, de modo a receber e esperar salvação em Seu nome. (Atos 4. 12.) Este era o relato comum, publicado por Cristo, Seus apóstolos e discípulos, e conhecido por todos os que o ouviam.
"Se ele ainda perguntar: No que ele deve crer?, diga-lhe que ele não é chamado a crer que está em Cristo, que seus pecados estão perdoados e que ele é um homem justificado; mas que deve crer no testemunho de Deus acerca de Cristo (1 João 5. 10-12). E este testemunho é que Deus dá (isto é, oferece) a nós a vida eterna em Seu Filho Jesus Cristo; e que todos que de coração crerem neste relato, e descansarem suas almas nestas boas novas, serão salvos (Romanos 10. 9-11). E assim ele deve crer, para que seja justificado (Gálatas 2. 16).
"Se ele ainda disser que crer é difícil, esta é uma boa dúvida, mas facilmente resolvida. Ela demonstra um homem profundamente humilhado. Qualquer um pode ver sua própria impotência para obedecer plenamente à lei de Deus; mas poucos encontram dificuldade em crer. Para seu alívio e resolução, pergunte-lhe: O que ele acha que torna difícil crer? É a falta de vontade de ser justificado e salvo? É a falta de vontade de ser salvo por Jesus Cristo, para o louvor da graça de Deus n’Ele e para anular toda a vanglória própria? Isto ele certamente negará. É a desconfiança na verdade do testemunho do Evangelho? Isto ele não ousará admitir. É a dúvida quanto à capacidade ou boa vontade de Cristo para salvar? Isto é contradizer o testemunho de Deus no Evangelho. É porque ele duvida de ter parte em Cristo e em Sua redenção? Diga-lhe que crer em Cristo estabelece essa participação n’Ele.
"Se ele disser que não pode crer em Jesus Cristo por causa da dificuldade de exercer essa fé, e que é necessário um poder divino para isso, o qual ele não encontra, você deve dizer-lhe que crer em Jesus Cristo não é uma obra, mas um descansar em Jesus Cristo. Diga-lhe que essa desculpa é tão irracional quanto se um homem, exausto de uma jornada e incapaz de dar mais um passo, argumentasse: ‘Estou tão cansado que não consigo deitar-me’, quando na verdade ele não consegue nem ficar de pé nem andar. O pobre pecador cansado nunca poderá crer em Jesus Cristo até perceber que nada pode fazer por si mesmo; e em seu primeiro ato de fé sempre se volta para Cristo em busca de salvação, como um homem sem esperança e sem ajuda em si mesmo. E por tais raciocínios com ele a partir do Evangelho, o Senhor (como muitas vezes tem feito) concederá fé, alegria e paz por meio da fé." — Obras de Robert Traill, 1696. Vol. 1, 266-269.
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J. C. Ryle
Holiness.