Anselmo de Cantuária (1033-1109) nascido em Aosta por volta de 1033, tornou-se uma das figuras mais influentes da teologia cristã no período medieval. Monge beneditino de origem italiana, destacou-se como abade, filósofo e arcebispo, servindo como primaz da Igreja inglesa de 1093 até sua morte em 1109. Sua trajetória foi marcada tanto pela profundidade de sua reflexão teológica quanto pelo vigor com que defendeu a autonomia da Igreja diante das ingerências dos reis normandos, especialmente durante o auge da Controvérsia das Investiduras.
Desde sua juventude, Anselmo demonstrou inclinação à vida religiosa. Ainda adolescente, tentou ingressar em um mosteiro, mas foi impedido pela recusa paterna. Após a morte da mãe e uma relação cada vez mais difícil com o pai, Anselmo deixou sua terra natal e peregrinou por regiões da França, até encontrar em Bec, na Normandia, o ambiente propício para a formação intelectual e espiritual. Ali, sob a orientação de Lanfranc, que mais tarde seria seu predecessor em Cantuária, Anselmo ingressou na vida monástica. Sua ascensão foi rápida: tornou-se prior e, depois, abade de Bec, onde desenvolveu grande parte de sua obra filosófico-teológica, caracterizada por um esforço rigoroso de articular razão e fé no trato das verdades cristãs.
Foi em Bec que Anselmo compôs textos que se tornaram clássicos do pensamento cristão, como o Monologion e o Proslogion, este último célebre pela formulação do chamado argumento ontológico para a existência de Deus. Para Anselmo, crer não exclui o pensar; ao contrário, a fé busca compreender. Essa convicção atravessa toda a sua produção, na qual se percebe um compromisso com a razão enquanto instrumento legítimo da teologia. Suas reflexões sobre a encarnação e a redenção, sobretudo na obra Cur Deus Homo, influenciaram decisivamente a doutrina da expiação no Ocidente cristão.
Sua nomeação como arcebispo de Cantuária não se deu sem relutância. Já idoso e consciente do peso do cargo, Anselmo resistiu às pressões do rei Guilherme II, mas acabou sendo forçado a aceitar a investidura. A partir daí, enfrentou intensas tensões com os soberanos normandos, principalmente em virtude da defesa intransigente da liberdade da Igreja em relação ao poder real. Exilado duas vezes, buscou no papado apoio para as reformas eclesiásticas, viajando a Roma e participando de concílios em que tratou de questões doutrinárias e disciplinares, como a liberdade dos bispos, a investidura laica e a pureza da vida clerical.
Durante seus períodos de exílio, Anselmo continuou escrevendo e se dedicando à reflexão teológica. Em Bari, defendeu a doutrina latina da dupla procedência do Espírito Santo diante dos bispos gregos do sul da Itália. Em Roma, reforçou seu apoio às reformas propostas pelo papado, mesmo quando isso lhe custava o retorno a seu rebanho inglês. Sua vida como pastor foi marcada por um forte zelo espiritual, demonstrado tanto na aplicação das reformas quanto no acompanhamento atento de seus monges e clérigos, aos quais dirigia cartas permeadas de exortação, consolo e profunda preocupação pastoral.
Anselmo compreendia a autoridade eclesiástica não como instrumento de domínio, mas como serviço fiel à verdade de Deus. Essa convicção o levou a insistir na primazia da Sé de Cantuária frente às outras jurisdições britânicas, o que nem sempre foi acolhido pacificamente. Contudo, sua firmeza foi respeitada, mesmo por aqueles com quem teve embates, como os reis Guilherme II e Henrique I.
Faleceu em 21 de abril de 1109, após dedicar seus últimos anos à consolidação das reformas e à formação de seu clero. Pouco após sua morte, foi venerado como santo. Sua influência não se limitou ao mundo anglo-normando; sua obra foi amplamente lida e estudada no continente, especialmente por escolásticos como Tomás de Aquino e Duns Scotus. No século XVIII, foi declarado Doutor da Igreja pelo papa Clemente XI, reconhecimento do valor perene de sua teologia e espiritualidade.
A vida e obra de Anselmo revelam um teólogo que, longe de separar o pensamento da piedade, soube unir especulação filosófica e devoção cristã de forma exemplar. Homem de oração e de razão, pastor fiel e reformador determinado, permanece uma referência no diálogo entre fé e intelecto e um testemunho da busca constante por compreender, amar e servir a Deus com toda a mente e todo o coração.