Francisco Suárez (1548-1617), nascido em 5 de janeiro de 1548, em Granada, e falecido em 25 de setembro de 1617, em Lisboa, foi um teólogo, filósofo e jurista jesuíta espanhol cuja erudição e profundidade intelectual o elevaram a uma das figuras mais eminentes da Escola de Salamanca e do Segundo Escolasticismo. Conhecido como Doctor Eximius, Suárez combinou uma devoção fervorosa à fé católica com uma abordagem inovadora que marcou a transição da escolástica medieval para a filosofia moderna. Sua obra, especialmente as "Disputationes Metaphysicae" (1597) e o "Tractatus de Legibus ac Deo Legislatore", reformulou a metafísica e a teoria do direito, influenciando pensadores tão diversos quanto Leibniz, Grotius e Heidegger. Sua visão teológica e jurídica, ancorada na soberania divina e na dignidade da comunidade política, ofereceu uma base robusta para o direito natural e o conceito de contrato social, mantendo-se fiel aos princípios cristãos.
Filho mais jovem de Gaspar Suárez de Toledo, um advogado de origem nobre, e de Antonia Vázquez de Utiel, Suárez cresceu em um ambiente de privilégios culturais e religiosos. Influenciado pela tradição familiar, iniciou estudos de direito em Salamanca em 1561, mas sua vocação foi despertada pela pregação do jesuíta Juan Ramírez em 1564. Ingressou na Companhia de Jesus em Medina del Campo, inicialmente rejeitado por sua aparente falta de brilho intelectual, mas logo revelou um talento excepcional. Sob a tutela de Martín Gutiérrez no colégio jesuíta de Salamanca, aprofundou-se em filosofia, teologia e direito, consolidando uma formação que integrava a tradição tomista com uma perspectiva crítica. Ordenado sacerdote em 1572, em Segovia, Suárez lecionou filosofia e teologia em diversas instituições, incluindo Valladolid, onde comentou a "Suma Teológica" de Tomás de Aquino, distinguindo-se por sua interpretação criativa e racional.
Em 1580, Suárez foi chamado a Roma para ensinar no Colégio Jesuíta, precursor da Universidade Gregoriana. Lá, produziu tratados teológicos significativos, como o "De Gratia", e conviveu com figuras notáveis, incluindo o cardeal Belarmino e o matemático Cristóbal Clavio. Apesar de sua produtividade, o clima romano agravou seus problemas reumáticos, levando-o a transferir-se para Alcalá de Henares em 1585. Em Alcalá, enfrentou tensões com colegas como Gabriel Vázquez, mas preparou suas primeiras publicações, que suscitaram críticas de censores dominicos e jesuítas. Retornou a Salamanca em 1593 e, por desejo de Felipe II, assumiu uma cátedra na Universidade de Coimbra em 1597, onde publicou as "Disputationes Metaphysicae". Aposentou-se em 1615 e faleceu dois anos depois em Lisboa, sendo sepultado na Igreja de São Roque.
A contribuição filosófica de Suárez é mais notável na metafísica, campo em que redefiniu a disciplina como a ciência do ente real, distinguindo entre essência e existência de maneira inovadora. Contrariando interpretações tomistas ortodoxas, ele sustentou que, nos seres finitos, essência e existência são apenas conceitualmente distintas, rejeitando tanto o realismo exagerado de Duns Escoto quanto o nominalismo de Ockham. Sua abordagem, conhecida como suarismo, enfatizava a singularidade do indivíduo como objeto primário do conhecimento e a matéria como potência receptiva, fundando uma metafísica sistemática que influenciou o pensamento moderno. As "Disputationes Metaphysicae" dividem o ser em infinito (Deus) e finito (criaturas), estabelecendo distinções fundamentais entre ser necessário e contingente, criado e increado, que estruturaram a teologia católica posterior.
Na filosofia do direito, Suárez desenvolveu uma teoria iusnaturalista que antecipou ideias modernas de soberania e contrato social. No "Tractatus de Legibus", ele argumentou que o poder político emana de Deus, mas é delegado à comunidade, não diretamente a indivíduos, esboçando um princípio democrático contra concepções absolutistas. Sua distinção entre lei eterna, natural, positiva e divina ofereceu um arcabouço para o direito internacional, influenciando Grotius e Pufendorf. Suárez também defendeu o direito de resistência contra tiranos, distinguindo entre reis legítimos, que só podem ser desafiados em casos extremos, e usurpadores, passíveis de deposição pela comunidade. Sua obra "Defensio Fidei Catholicae" (1613), escrita a pedido do Papa Paulo V, refutou o juramento de fidelidade imposto por Jaime I da Inglaterra, considerando-o ilícito por violar a autoridade eclesiástica.
Teologicamente, Suárez alinhou-se ao congruismo, uma tentativa de reconciliar a predestinação com a liberdade humana, modificando o molinismo de Luís de Molina. Ele sustentava que a graça eficaz é adaptada às disposições individuais, preservando a liberdade. Sua defesa da transubstanciação, da superioridade da graça de Maria e da possibilidade da encarnação independentemente do pecado de Adão reflete um compromisso com a ortodoxia católica, mas com uma abordagem racional. Sua influência se estendeu às Américas, particularmente no Rio da Prata, onde sua doutrina da reversão da soberania ao povo inspirou movimentos emancipatórios no século XIX, desafiando o absolutismo monárquico. A expulsão dos jesuítas em 1767 pelos Bourbons tentou silenciar suas ideias, mas elas perduraram, moldando a formação da nação argentina e debates sobre soberania nas Filipinas.
A vasta obra de Suárez, publicada em coleções como "Opera Omnia" e traduzida em edições modernas, demonstra sua capacidade de sintetizar a tradição escolástica com inovações que pavimentaram o caminho para a modernidade. Sua vida, dedicada à busca da verdade por meio da razão e da fé, exemplifica a harmonia entre erudição e espiritualidade cristã, deixando um legado que transcende sua era.