Immanuel Kant (1724-1804) nasceu em 1724 na cidade de Königsberg, na Prússia Oriental, em uma família luterana modesta, mas profundamente marcada pela piedade protestante. Recebeu de seus pais, em especial de sua mãe, uma formação moral rigorosa, moldada pelos princípios do pietismo, que enfatizava a devoção pessoal, a humildade e o valor da vida cristã disciplinada. Esses primeiros anos deixaram marcas permanentes em sua vida intelectual e em sua concepção do mundo, mesmo quando, mais tarde, ele propôs limites rigorosos à pretensão da razão de conhecer o divino por meio de especulação metafísica.
Seu percurso acadêmico foi contínuo e notável. Aos dezesseis anos, ingressou na Universidade de Königsberg, onde permaneceu por toda a sua carreira. Influenciado inicialmente pela filosofia racionalista de Leibniz e Wolff, Kant logo teve contato com a física newtoniana e com os debates filosóficos britânicos, especialmente o ceticismo de David Hume. Este último foi decisivo para a virada em sua filosofia: ao perceber que os princípios causais não podiam ser garantidos pela experiência sensível, Kant buscou fundar uma teoria que explicasse como o conhecimento científico é possível, sem recorrer ao dogmatismo metafísico nem ao empirismo absoluto.
A proposta que elaborou, conhecida como idealismo transcendental, sustenta que espaço e tempo não são propriedades dos objetos em si, mas formas da sensibilidade humana. As categorias do entendimento, por sua vez, organizam as percepções em conceitos coerentes, tornando possível o conhecimento científico. Assim, os objetos da experiência não são captados como coisas em si mesmas, mas como fenômenos que se apresentam conforme as estruturas da mente humana. Esta “revolução copernicana” da filosofia estabeleceu um novo paradigma na reflexão sobre o conhecimento, propondo que não é o sujeito que se ajusta ao objeto, mas o objeto que se conforma às estruturas da razão.
A essa primeira grande obra, a Crítica da Razão Pura, seguiram-se outras duas, igualmente centrais: a Crítica da Razão Prática e a Crítica da Faculdade do Juízo. Na primeira, Kant trata da moral, e ali expõe seu célebre conceito de imperativo categórico: a ideia de que a ação moral não depende de inclinações ou consequências, mas deve seguir uma máxima que possa valer como lei universal. A moralidade, portanto, tem fundamento na autonomia da razão, e a liberdade não é meramente a ausência de coerção, mas a capacidade de agir conforme princípios racionais que o próprio sujeito reconhece como válidos. Kant via nessa capacidade o fundamento mesmo da dignidade humana.
Embora Kant tenha restringido severamente o alcance da razão especulativa em relação ao conhecimento de Deus, da alma e do mundo enquanto totalidade, ele não negava sua importância prática. Em sua famosa fórmula, declarou que foi necessário “negar o saber para dar lugar à fé”. Com isso, preservava a legitimidade de princípios morais e religiosos que, embora não demonstráveis teoricamente, orientam a ação racional. Em sua obra sobre religião, Kant argumentou que a fé cristã verdadeira não consiste em práticas externas, mas na disposição moral do coração, de conformidade com a lei moral. Para ele, os elementos doutrinários do cristianismo só têm valor na medida em que incentivam e sustentam essa vida ética.
A espiritualidade de Kant era, assim, fortemente racional e moral. Rejeitava qualquer forma de superstição ou religiosidade baseada em medo ou em promessas de recompensa. A religião, em seu pensamento, deveria ser compreendida como a prática do dever moral sob a ideia de um Legislador supremo. Deus, neste quadro, é postulado da razão prática: não objeto de demonstração científica, mas pressuposto necessário da moralidade. A crença em Deus, na imortalidade da alma e na liberdade, constitui o que Kant denominou “fé racional”, pois tais ideias são exigidas pela razão na medida em que tornam possível a vida ética.
A influência de Kant se estende por diversas áreas do saber, desde a epistemologia e a ética até a estética, a teologia e a política. Em sua visão de paz perpétua, propôs uma federação de repúblicas regidas pelo direito, antecipando debates modernos sobre direito internacional e a organização política global. Ainda que tivesse restrições à democracia direta, defendia com veemência o império da lei como expressão racional da liberdade.
Kant faleceu em 1804, em sua cidade natal, após uma vida marcada por disciplina, sobriedade e dedicação à investigação filosófica. Seu legado permanece como um dos marcos mais altos da filosofia ocidental, tendo promovido uma síntese original entre ciência, moralidade e fé. Em sua obra, razão e religião não se excluem, mas encontram seu ponto de conciliação na liberdade moral do ser humano, chamado a viver não segundo impulsos, mas de acordo com princípios que pode reconhecer como expressão da vontade divina.