William Wilberforce (1759-1833) nasceu em 1759, em Kingston upon Hull, no condado de Yorkshire, numa família abastada envolvida no comércio marítimo com os países bálticos. Desde jovem demonstrou habilidades notáveis de comunicação, inteligência viva e espírito sociável. Embora fisicamente frágil e de saúde delicada, teve acesso a uma educação de qualidade, estudando em Hull Grammar School e, posteriormente, na Universidade de Cambridge. Ali consolidou amizades influentes, entre elas com William Pitt, futuro primeiro-ministro britânico, com quem compartilhou as primeiras observações do cenário político e que o encorajou a ingressar na vida pública. Aos 21 anos, Wilberforce foi eleito para o Parlamento, iniciando uma trajetória que combinaria engenho retórico, princípios morais e compromisso cristão.
Apesar do ambiente universitário voltado aos prazeres da vida social, Wilberforce mantinha traços de formação religiosa, herdados de seus tios evangélicos com quem convivera na infância. Essa formação, embora por um tempo adormecida, ressurgiu de maneira decisiva durante uma viagem pela Europa em 1784. A leitura devocional, em especial a obra de Philip Doddridge, e os diálogos com Isaac Milner despertaram um novo zelo espiritual. Sua conversão evangélica foi profunda e transformadora. Passou a dedicar-se à leitura bíblica, à oração, à autoavaliação moral e à convicção de que sua vocação política deveria ser reorientada segundo os princípios do Evangelho. Consultado por John Newton, pastor anglicano e ex-traficante de escravos convertido, foi aconselhado a permanecer no Parlamento, onde poderia servir a Deus promovendo o bem comum.
Movido por essa visão cristã de serviço público, Wilberforce passou a atuar em diversas frentes de reforma moral e social. A mais notável delas foi sua liderança na luta pela abolição do tráfico transatlântico de escravos. Em contato com Thomas Clarkson e outros ativistas, como Granville Sharp e Hannah More, assumiu em 1787 o encargo de liderar a causa no Parlamento. Por mais de duas décadas, apresentou moções, reuniu testemunhos, promoveu petições e articulou estratégias legislativas, enfrentando a resistência de interesses econômicos e políticos profundamente arraigados. Em 1807, o Parlamento aprovou o Ato pela Abolição do Comércio de Escravos, resultado de anos de labor paciente e persistente, que ele via como fruto da providência divina e da consciência cristã em ação.
Além da causa abolicionista, Wilberforce engajou-se em múltiplas iniciativas inspiradas por sua fé. Atuou em campanhas pela reforma dos costumes, pela fundação de sociedades missionárias, pelo combate à crueldade contra os animais e pela promoção da educação popular. Seu livro mais conhecido, A Practical View of the Prevailing Religious System, publicado em 1797, denunciava a superficialidade da religião formal de seu tempo e convocava os cristãos a uma vida autêntica, pautada pela obediência a Cristo. Com linguagem acessível e argumentação teológica firme, tornou-se um best-seller que ajudou a formar o ethos moral da classe média evangélica britânica do século XIX.
Wilberforce via com desconfiança as propostas de reformas radicais inspiradas pelos ventos da Revolução Francesa. Sua cosmovisão era conservadora em muitos aspectos: valorizava a ordem social, a autoridade estabelecida e a reforma gradual conduzida pelos princípios cristãos. Essa postura o levou a apoiar medidas repressivas em momentos de crise, como a suspensão do habeas corpus ou a limitação de reuniões públicas, atitudes que lhe renderam críticas de setores progressistas. Ainda assim, sua atuação era motivada pelo desejo de preservar uma sociedade orientada pela moral cristã e pela justiça.
A partir da década de 1820, já debilitado em saúde, Wilberforce afastou-se progressivamente do Parlamento, mas manteve seu apoio à causa da emancipação dos escravizados. Sua última grande contribuição foi o panfleto Appeal to the Religion, Justice and Humanity, publicado em 1823, no qual argumentava que a escravidão era uma injustiça moral que exigia o fim imediato e legislado. Ainda que não tenha vivido para ver a aprovação definitiva do Ato de Abolição da Escravidão em 1833, faleceu apenas três dias após receber a notícia de que o projeto fora finalmente aprovado. Seu corpo foi sepultado em Westminster Abbey, próximo ao túmulo de William Pitt.
A vida de Wilberforce é exemplo singular de um político profundamente moldado pela fé evangélica, que compreendeu seu ofício não como busca de poder, mas como vocação ao serviço de Deus e do próximo. Sua atuação articulou ação parlamentar, reflexão teológica e sensibilidade pastoral. Em um tempo de profundas transformações sociais e culturais, mostrou que o cristianismo, quando vivido com coerência e humildade, pode ser força reformadora no interior das estruturas políticas e morais da sociedade. Seu legado transcende o campo da política britânica, tendo influenciado movimentos sociais, campanhas de direitos humanos e a própria compreensão moderna da responsabilidade cristã na esfera pública.