Heresias e Seitas

I. Introdução


As heresias cristãs são doutrinas ou crenças que se opõem aos ensinamentos aceitos pela maioria dos cristãos, seja a Igreja Católica ou as várias denominações protestantes. Essas crenças heterodoxas surgiram ao longo da história do cristianismo, muitas vezes em resposta a questões teológicas ou sociais.

Para um estudo aprofundado sobre as heresias cristãs, é importante entender suas origens e principais características, bem como as razões por trás de sua disseminação. Algumas das heresias mais conhecidas incluem o gnosticismo, o arianismo, o docetismo, o montanismo e o pelagianismo.

Além disso, é importante explorar as maneiras pelas quais a Igreja Católica e as denominações protestantes lidaram com as heresias ao longo da história. Em muitos casos, as heresias foram consideradas uma ameaça à unidade da Igreja e foram combatidas com vigor. Em outros casos, algumas heresias foram toleradas ou incorporadas em novas formas de teologia.

Por fim, é importante considerar as implicações das heresias cristãs na compreensão atual do cristianismo e sua influência na cultura e na sociedade em geral. Um estudo aprofundado sobre as heresias cristãs pode oferecer uma compreensão mais ampla da história do cristianismo e ajudar a contextualizar as crenças e práticas atuais das igrejas cristãs.



II. Heresias na igreja primitiva


Gnosticismo


O gnosticismo é uma das principais heresias que surgiram na igreja primitiva. Essa crença, que se originou no primeiro século, enfatizava a importância do conhecimento secreto (gnosis) para a salvação e negava a validade do mundo material. Segundo os gnósticos, a matéria era inerentemente má e a alma humana era prisioneira deste mundo.


Os gnósticos acreditavam em uma hierarquia de divindades intermediárias entre Deus e o mundo material, e afirmavam que a salvação consistia em escapar deste mundo e ascender a um plano superior. Eles também negavam a encarnação de Cristo e ensinavam que Jesus era apenas uma manifestação divina que veio para revelar o conhecimento secreto aos escolhidos.


Alguns dos principais ensinamentos das heresias gnósticas incluem:






Existiram diversas correntes gnósticas ao longo da história, com diferentes variações e ensinamentos específicos. Aqui estão algumas das principais heresias gnósticas:





Essa crença foi rejeitada pela Igreja, que afirmou a validade da criação material e a importância da encarnação de Cristo. No entanto, o gnosticismo exerceu uma grande influência no pensamento cristão e teve um papel importante no desenvolvimento da teologia cristã. Muitos dos primeiros escritos cristãos, como os evangelhos gnósticos, foram influenciados por essa crença. O debate com os gnósticos também ajudou a definir a doutrina cristã e a estabelecer a autoridade da Igreja na interpretação e ensino da fé cristã.


O combate ao gnosticismo foi liderado pelos primeiros líderes da Igreja, como os apóstolos e os pais da Igreja, como Irineu de Lyon e Tertuliano. Esses líderes acreditavam que o gnosticismo distorcia a verdadeira doutrina cristã e representava uma ameaça à integridade da fé cristã. Eles argumentavam que a salvação não se baseava em conhecimento secreto, mas em uma relação pessoal com Deus através de Jesus Cristo.


A Igreja também combateu o gnosticismo através da organização de concílios e da formulação de cânones que estabeleceram a doutrina ortodoxa. Por exemplo, o Cânon do Novo Testamento foi estabelecido em parte como resposta aos escritos gnósticos que estavam circulando na época.


No entanto, apesar dos esforços da Igreja, o gnosticismo continuou a existir como uma corrente de pensamento alternativa ao cristianismo ortodoxo. Algumas formas de gnosticismo sobreviveram até os dias de hoje em movimentos como o New Age e a Gnose moderna.



Docetismo


O Docetismo foi uma heresia cristã primitiva que negava a humanidade real de Jesus Cristo. De acordo com os docetistas, Jesus não era verdadeiramente humano, mas apenas parecia ser humano. Eles acreditavam que ele era um ser divino que tomou uma forma física temporária, mas que não tinha uma natureza humana real.


Essa crença era baseada em uma visão dualista do mundo, que afirmava que a matéria era essencialmente má e que a divindade não poderia se misturar com a materialidade humana. Os docetistas afirmavam que o sofrimento e a morte de Jesus eram apenas uma aparência, pois um ser divino não poderia realmente sofrer ou morrer.


A heresia do Docetismo foi condenada pela Igreja primitiva como contrária à doutrina da encarnação, que afirmava que Jesus era plenamente humano e plenamente divino. O apóstolo João refutou essa heresia em sua primeira carta, escrevendo: "Todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo" (1 João 4. 3).


Os pais da Igreja, como Irineu de Lyon e Tertuliano, também escreveram contra o Docetismo e reafirmaram a doutrina da encarnação. A Igreja Católica Romana e as Igrejas Ortodoxas continuam a afirmar a doutrina da encarnação como parte central de sua teologia cristã.



Ebionismo


O Ebionismo foi uma corrente cristã primitiva que surgiu nos primeiros séculos do cristianismo. Os ebionitas acreditavam em Jesus Cristo como o Messias, mas negavam sua divindade e rejeitavam a maioria dos ensinamentos do apóstolo Paulo.


Essa crença foi considerada uma heresia pela Igreja cristã, que via a divindade de Jesus como uma parte fundamental de sua doutrina. Além disso, os ebionitas também rejeitavam o Novo Testamento, acreditando que somente a Torá (os cinco primeiros livros da Bíblia hebraica) deveria ser seguida pelos cristãos.


Os ebionitas tinham suas próprias escrituras sagradas, incluindo uma versão do Evangelho de Mateus, que diferia do Evangelho canônico. Eles também observavam o sábado judaico e as leis dietéticas, como a proibição de comer carne de porco.


A Igreja cristã primitiva condenou o ebionismo como uma heresia, e a corrente acabou se extinguindo ao longo do tempo. Um líder cristão que combateu o Ebionismo foi Irineu de Lyon, um teólogo do século II que escreveu contra várias heresias, incluindo o Ebionismo, em sua obra "Contra as Heresias". Também há registros de que Orígenes, um teólogo e filósofo cristão do terceiro século, se opôs ao Ebionismo e aos seus ensinamentos. No entanto, algumas ideias do ebionismo foram incorporadas em outras correntes cristãs, como o unitarismo e o socinianismo.



Marcionismo


O Marcionismo foi uma corrente religiosa cristã do século II que foi considerada uma heresia pela Igreja cristã primitiva. Seu fundador, Marcião de Sinope, acreditava em uma distinção radical entre o Deus do Antigo Testamento, que ele considerava um deus vingativo e legalista, e o Deus do Novo Testamento, que ele via como um deus amoroso e misericordioso.


Marcião ensinava que Jesus Cristo foi enviado pelo Deus do Novo Testamento para salvar a humanidade, mas não pelos ensinamentos do Antigo Testamento ou da Lei judaica. Ele rejeitava grande parte do Antigo Testamento e acreditava que o Deus do Antigo Testamento não era o mesmo Deus que o Deus do Novo Testamento.


Os ensinamentos de Marcião foram considerados uma heresia pela Igreja cristã primitiva, pois entravam em conflito com a doutrina central da unidade e continuidade das Escrituras. A Igreja também argumentou que o Deus do Antigo Testamento e o Deus do Novo Testamento eram o mesmo Deus, e que a salvação não poderia ser alcançada apenas por meio do conhecimento especial de Marcião.


Vários líderes da Igreja cristã primitiva, incluindo Justino Mártir, Irineu de Lyon e Tertuliano, escreveram contra as ideias de Marcião e o acusaram de distorcer a verdadeira mensagem do cristianismo. Com o tempo, o Marcionismo perdeu força e foi amplamente rejeitado pela Igreja cristã.



Montanismo


O Montanismo foi uma corrente cristã que surgiu no século II, liderada por Montano, uma figura carismática que afirmava ser o instrumento escolhido por Deus para trazer uma nova era da revelação divina. O Montanismo se espalhou rapidamente na Ásia Menor e em outras partes do Império Romano.


Os montanistas acreditavam em uma experiência mística intensa, que incluía visões, profecias e outros fenômenos sobrenaturais. Eles enfatizavam a importância da santidade pessoal e da disciplina moral, e eram contra o casamento após o divórcio.


No entanto, o Montanismo foi considerado uma heresia pela Igreja cristã primitiva, que argumentava que as revelações e profecias de Montano e de seus seguidores eram contrárias aos ensinamentos cristãos. Além disso, a Igreja acreditava que as Escrituras, e não novas revelações, eram a fonte da verdadeira doutrina cristã.


Vários líderes da Igreja, como o bispo de Roma, Eleutério, e o teólogo Orígenes, condenaram o Montanismo e excomungaram seus seguidores. Apesar disso, o Montanismo continuou a existir por várias décadas, até ser suprimido pela Igreja no século IV.


Algumas ideias do Montanismo, como a ênfase na santidade pessoal e a disciplina moral rigorosa, influenciaram o cristianismo posterior, e o movimento também foi visto como uma das primeiras manifestações do movimento carismático no cristianismo.



Arianismo


O arianismo é uma das mais significativas heresias cristãs. Essa crença surgiu no século IV e foi liderada por Ário, um presbítero de Alexandria, no Egito. Os arianos acreditavam que Jesus Cristo era uma criatura divina, mas não era igual ao Pai em sua natureza divina. Eles afirmavam que o Filho foi criado pelo Pai e, portanto, não era eterno ou coigual com o Pai.


O arianismo foi combatido por muitos líderes da Igreja, tanto no campo teológico quanto no campo político. O imperador Constantino inicialmente apoiou o arianismo, mas acabou mudando de posição e convocando o Concílio de Niceia em 325 d.C. para resolver a questão. O concílio foi presidido pelo bispo Atanásio de Alexandria, que se tornou um líder-chave na defesa da doutrina da Trindade contra o arianismo.


Outros líderes importantes na luta contra o arianismo incluem o bispo Hilário de Poitiers, o bispo Eusébio de Cesareia e o bispo Gregório de Nazianzo. O teólogo Agostinho de Hipona também escreveu extensivamente contra o arianismo e defendeu a doutrina da Trindade em suas obras.


Os monges também desempenharam um papel importante na luta contra o arianismo, especialmente através do movimento monástico do deserto, que se desenvolveu no Egito. Muitos monges se opuseram ao arianismo e foram perseguidos por sua fé. Um exemplo notável é o monge Atanásio, que foi preso e exilado várias vezes por sua oposição ao arianismo.


A batalha contra o arianismo foi longa e difícil, mas a doutrina da Trindade finalmente prevaleceu como o ensino oficial da Igreja. O arianismo ainda sobreviveu por algum tempo em regiões isoladas do Império Romano e em movimentos posteriores, mas foi amplamente considerado uma heresia e rejeitado pela Igreja.


O arianismo foi finalmente suprimido após uma longa batalha teológica e política, que envolveu a ação de muitos líderes cristãos e a influência de movimentos como o monaquismo e a expansão da Igreja na Europa. A heresia teve um impacto duradouro na história da Igreja e ajudou a moldar a compreensão cristã da natureza de Deus e de Jesus Cristo.



Donatismo


O Donatismo foi uma corrente cristã que surgiu no norte da África no século IV. Seus seguidores acreditavam que a validade dos sacramentos, como o batismo e a Eucaristia, dependia da santidade e integridade moral do ministro que os administrava.


Os donatistas argumentavam que os ministros que haviam renunciado à fé durante a perseguição romana aos cristãos, conhecida como "Perseguição de Diocleciano", não tinham autoridade para administrar os sacramentos. Eles afirmavam que apenas os ministros que permaneceram fiéis durante a perseguição podiam garantir a validade dos sacramentos.


Essa posição foi considerada uma heresia pela Igreja cristã primitiva, que afirmava que a validade dos sacramentos não dependia da santidade pessoal do ministro, mas da autoridade da Igreja e da presença de Cristo na celebração dos sacramentos.


Vários líderes da Igreja, incluindo Santo Agostinho, escreveram contra o Donatismo e argumentaram que a validade dos sacramentos não era afetada pela infidelidade ou pecado dos ministros. Eles também enfatizavam a necessidade da unidade da Igreja e da comunhão entre os cristãos.


O Donatismo continuou a existir como uma corrente minoritária no norte da África até ser suprimido pelo Império Romano e pela Igreja no século V. Alguns historiadores argumentam que o Donatismo teve um papel importante na formação da identidade e resistência do povo norte-africano contra o domínio romano e cristão.



Messalianismo 


O Messalianismo (também conhecido como "Pneumatismo") foi uma heresia cristã que surgiu no século IV, na região da Síria e Mesopotâmia. Os seus seguidores, chamados de messalianos, acreditavam que a salvação só poderia ser alcançada através da contemplação direta do Espírito Santo, sem a necessidade de ritos ou sacramentos.